PARA QUEM VOCÊ ESCREVE FICÇÃO?
MILTON
MACIEL
Num artigo
anterior (Para Quem Você Escreve) eu
afirmei que você jamais poderá agradar a todos os leitores e que, portanto,
precisa escolher para qual nicho de leitores vai dirigir sua obra. Isso
supondo-se que você prefira ser lido e queira ser bem sucedido no negócio de
vender livros.
Se isso não
é importante pra você, então você pode repetir o que Bernardo Carvalho disse,
durante uma mesa redonda na FLIP (Festa Literária Internacional de Parati) do
ano passado: “O leitor que se foda!” Ele
prefere fazer a sua literatura, escrever do jeito que gosta e não para agradar
ninguém. O Bernardo até pode, é um ótimo escritor já consagrado. Aos 57 anos,
com onze romances publicados (o primeiro em 1995), tem um prêmio Portugal
Telecom e dois Jabuti. Já conquistou seus leitores fiéis e é bem conhecido,
embora, exatamente em função da alta qualidade literária do seu texto, não seja
propriamente um best seller.
Agora, se
este não é por enquanto o seu caso, se você ainda não é conhecido e consagrado
nacionalmente, então é melhor que você siga, sim, o meu conselho: defina o seu
nicho de leitores, o seu nicho de mercado, e escreva para ele. Até que você,
como o Bernardo, tenha conseguido se impor nesse mercado e ter leitores fiéis
que o acompanharão vida afora, livro após livro, esperando o momento mágico de
poder comprar e ler mais um romance seu. Quem não lembra as filas quilométricas
esperando a livraria abrir no dia do lançamento de mais um livro da série Harry
Poter? Ou: quem não assistiu “O Diabo Veste Prada”, onde as filhas da chefe
conseguiam ler o livro antes mesmo do lançamento nos EUA?
Sem dúvida,
você vai ter que abrir seu caminho nesse prolixo e conturbado mercado
editorial, com milhares e milhares de lançamentos novos todos os anos – sendo
que, em ficção, no Brasil, a imensa maioria só de traduções de livros
estrangeiros. E, para abrir esse caminho, as regras devem ser observadas.
Em primeiro
lugar, o livro que você vai escrever precisa se destacar dos demais pela IDEIA
original que o fundamenta. Não perca o seu tempo se isso não acontece. A IDEIA
original é o que mais interessa aos editores e o que abre a primeira porta para
seu acesso ao mercado.
Em segundo
lugar vem a sua PLATAFORMA, isto é, o quanto você JÁ TEM de acesso ao mercado.
Parece estranho para quem é absolutamente principiante e quer publicar recém
seu primeiro livro, mas essa é a segunda condição que leva os editores a se
interessar por um autor. Ele pode não ser conhecido ainda como autor, mas... Tem
uma boa presença nas redes sociais? Tem um bom nome e posição na profissão que
exerce? Faz palestras? Dá cursos? Sabe como se comportar com a imprensa?
Por que tudo
isso? Não basta saber escrever muito
bem? NÃO, não basta! Porque, como meus leitores já devem estar cansados de ler
no que escrevo:
- Livraria
não vende livro – apenas o disponibiliza fisicamente ou online
- Editora
não vende livro – apenas o produz e faz imprimir e distribuir às livrarias
- Quem vende
livro é o autor! – Ah, sim, se o autor não der as caras, se não for um tipo
capaz de trabalhar ativamente na PROMOÇÃO do seu livro, então a editora não vai
se arriscar a investir dinheiro nele.
Aliás, isso
me fez lembrar um episódio que vivi em São Paulo, muitos anos atrás, quando eu
tinha um programa na hoje falecida Rádio Mulher. Encerrada minha apresentação,
desci para o térreo. A Rádio Mulher funcionava no bairro Granja Julieta, numa
ampla casa que tinha um grande pátio interno, com jeito de jardim de inverno.
Ali, sentado num típico banco de jardim, vi, pelas costas, um rapaz de cabelão
crespo e chapéu escuro. Não sei bem por que até hoje, mas mudei minha
trajetória para a saída e caminhei em direção ao moço.
Ao me ver,
ele perguntou se eu era da rádio. E desatou seu rosário de queixas, dizendo que
estava ali há quase duas horas esperando pela chance de ser chamado por algum
apresentador ou DJ da casa. Para poder promover o seu disco. Disse que era cantor
e compositor e que não adiantava nada ter conseguido que a gravadora tivesse
produzido o seu disco, se ele não “trabalhasse” o mesmo, camelando de rádio em
rádio, Brasil afora. Disse que era do Nordeste e agora tentava abrir algum
campo para si em São Paulo, fazendo esse tremendo corpo a corpo.
Senti
imediata solidariedade pela causa do artista e voltei lá para cima, para o
estúdio. Peguei o apresentador do programa que viria a seguir e meio que dei
uma engrossada com ele, forçando-o a ouvir ao menos uma das faixas do disco do
rapaz, que eu tinha trazido comigo. Deu certo. O homem gostou. E eu, mais
ainda. Quinze minutos depois o cantor cabeludo nordestino entrava no ar, no
programa mais popular da rádio então. O nome do desconhecido? Alceu Valença!
Pois é, o
Alceu ainda não tinha PLATAFORMA, não era conhecido no Sul e lá estava ele,
camelando. Os DJ eram conhecidos por cobrarem o famoso “jabá”, o artista ou a
gravadora tinham que pagar algo para o apresentador, para que o artista fosse
entrevistado e para que sua música fosse tocada. Quanto maior o jabá, mais
vezes a música seria tocada, maiores seriam os elogias que ela e o cantor
receberiam.
E no mercado
de livros, hoje, 2017, você acha que a coisa é diferente? Nem um pouquinho!
Aquelas posições de destaque dos livros na livraria, nas vitrines ou nos
balcões de exposição horizontal, são PAGAS pelas editoras ou autores. É o jabá.
Aquela fotozinha minúscula do livro, com uma legenda mínima, que aparece no
catálogo mensal das grandes redes livreiras, numa página onde há várias outras
iguais, pode custa mais de mil reais para o autor ou editor. É o jabá.
E ainda
falta a parte do autor, camelando o seu livro: lançamentos múltiplos, viagens,
palestras, entrevistas, muita atividade em redes sociais, blog do autor, site
do livro, críticas favoráveis (aqui também, conforme o caso, pode correr solto
o jabá). Ou seja, quanto mais CONHECIDO você for ou se fizer, maior a chance de
se fixar no mercado e poder publicar um segundo livro, dando enfim o primeiro
passo para se consolidar na carreira de escritor.
O irônico é
que, se você já tem uma certa plataforma inicial ou já é conhecido por outras
razões, aí a editora ajuda bastante você com os custos de promoção. Senão...
Quando Chico Anísio, Chico Buarque ou Jô Soares lançaram seus primeiros livros,
as editoras investiram em tiragens gigantescas, pois os autores já eram muito
conhecidos do grande público. Como artistas de outra área. A venda estava
garantida.
Agora
observe o seguinte fenômeno. No início de 2013, um desconhecido autor inglês,
um tal Robert Galbraith, lançou um livro, “The Cockoo’s Calling”. O livro teve
muito boa aceitação da crítica, mas foi um fiasco de vendas: com tiragem de apenas
1500 exemplares, só 500 foram vendidos em todo o Reino Unido até Julho. Quem
escreveu o livro ficou feliz com a crítica e acabou concordando com a editora (desesperada)
que se divulgasse que Robert Galbraith era apenas o pseudônimo de Joanne
K. Rowling – nada menos que a autora da super série Harry Potter. Então
a editora (renascida das cinzas) mandou imprimir de cara 180 000 livros de uma
primeira edição com o nome J. K. Rowling na capa. Esgotou-se em um mês! Foi preciso fazer muito mais!
Quem vende
livro é a livraria? É a editora? É o desconhecido Robert Galbraith?
Não, é a
conhecidíssima, a famosíssima, a riquíssima Dame Joanne Rowling. Quem
vende livro é o autor!
Com uma boa
plataforma, muito trabalho de corpo a corpo e muito jabá. Como o jabá que tem
que ser gasto para formar a tal plataforma, para marketing pessoal, para
marketing do livro, para pagar
as livrarias, etc...
Ah, O
terceiro lugar! Sim, há um terceiro lugar, não devemos esquecer. É o seguinte:
Você ESCREVE BEM?
Sim isso é
desejável. E você sabe que pode evoluir muito em sua escrita, é só se dedicar a
aprender e praticar – ou seja: ler,
estudar escrita, escrever - ninguém nasce sabendo escrever BEM. Já discuti
esse tópico no artigo anterior citado e, por isso, não vou me alongar sobre ele
aqui.
Vamos só dar
uma olhada derradeira no caso J. K. Rowling, aquela que foi da pobreza absoluta
(no UK isso é viver de ajuda do governo, como ela vivia) à riqueza absoluta em
5 anos:
1 - Pode
haver IDEIA mais original que um menino órfão que estuda em uma escola de magia
que os trouxas não podem ver?
2 - Pode
haver PLATAFORMA maior do que a da Dame J. K. Rowling, que vendeu 11 milhões de
exemplares de “Harry Poter e as Relíquias da Morte” só no primeiro dia de
lançamento no Reino Unido e nos EUA?
Então, Milton, o negócio é se jogar nas redes, nas portas, no mar. E nosso amigo andou por esse Brasil ajudando até Alceu Valença! Que lembrança boa! Agora fiquei animada!!!
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