segunda-feira, 15 de maio de 2017

PARA QUEM VOCÊ ESCREVE FICÇÃO?
MILTON MACIEL

Num artigo anterior (Para Quem Você Escreve) eu afirmei que você jamais poderá agradar a todos os leitores e que, portanto, precisa escolher para qual nicho de leitores vai dirigir sua obra. Isso supondo-se que você prefira ser lido e queira ser bem sucedido no negócio de vender livros.

Se isso não é importante pra você, então você pode repetir o que Bernardo Carvalho disse, durante uma mesa redonda na FLIP (Festa Literária Internacional de Parati) do ano passado: “O leitor que se foda!” Ele prefere fazer a sua literatura, escrever do jeito que gosta e não para agradar ninguém. O Bernardo até pode, é um ótimo escritor já consagrado. Aos 57 anos, com onze romances publicados (o primeiro em 1995), tem um prêmio Portugal Telecom e dois Jabuti. Já conquistou seus leitores fiéis e é bem conhecido, embora, exatamente em função da alta qualidade literária do seu texto, não seja propriamente um best seller.

Agora, se este não é por enquanto o seu caso, se você ainda não é conhecido e consagrado nacionalmente, então é melhor que você siga, sim, o meu conselho: defina o seu nicho de leitores, o seu nicho de mercado, e escreva para ele. Até que você, como o Bernardo, tenha conseguido se impor nesse mercado e ter leitores fiéis que o acompanharão vida afora, livro após livro, esperando o momento mágico de poder comprar e ler mais um romance seu. Quem não lembra as filas quilométricas esperando a livraria abrir no dia do lançamento de mais um livro da série Harry Poter? Ou: quem não assistiu “O Diabo Veste Prada”, onde as filhas da chefe conseguiam ler o livro antes mesmo do lançamento nos EUA?

Sem dúvida, você vai ter que abrir seu caminho nesse prolixo e conturbado mercado editorial, com milhares e milhares de lançamentos novos todos os anos – sendo que, em ficção, no Brasil, a imensa maioria só de traduções de livros estrangeiros. E, para abrir esse caminho, as regras devem ser observadas.

Em primeiro lugar, o livro que você vai escrever precisa se destacar dos demais pela IDEIA original que o fundamenta. Não perca o seu tempo se isso não acontece. A IDEIA original é o que mais interessa aos editores e o que abre a primeira porta para seu acesso ao mercado.

Em segundo lugar vem a sua PLATAFORMA, isto é, o quanto você JÁ TEM de acesso ao mercado. Parece estranho para quem é absolutamente principiante e quer publicar recém seu primeiro livro, mas essa é a segunda condição que leva os editores a se interessar por um autor. Ele pode não ser conhecido ainda como autor, mas... Tem uma boa presença nas redes sociais? Tem um bom nome e posição na profissão que exerce? Faz palestras? Dá cursos? Sabe como se comportar com a imprensa?

Por que tudo isso?  Não basta saber escrever muito bem? NÃO, não basta! Porque, como meus leitores já devem estar cansados de ler no que escrevo:
- Livraria não vende livro – apenas o disponibiliza fisicamente ou online
- Editora não vende livro – apenas o produz e faz imprimir e distribuir às livrarias
- Quem vende livro é o autor! – Ah, sim, se o autor não der as caras, se não for um tipo capaz de trabalhar ativamente na PROMOÇÃO do seu livro, então a editora não vai se arriscar a investir dinheiro nele.

Aliás, isso me fez lembrar um episódio que vivi em São Paulo, muitos anos atrás, quando eu tinha um programa na hoje falecida Rádio Mulher. Encerrada minha apresentação, desci para o térreo. A Rádio Mulher funcionava no bairro Granja Julieta, numa ampla casa que tinha um grande pátio interno, com jeito de jardim de inverno. Ali, sentado num típico banco de jardim, vi, pelas costas, um rapaz de cabelão crespo e chapéu escuro. Não sei bem por que até hoje, mas mudei minha trajetória para a saída e caminhei em direção ao moço.

Ao me ver, ele perguntou se eu era da rádio. E desatou seu rosário de queixas, dizendo que estava ali há quase duas horas esperando pela chance de ser chamado por algum apresentador ou DJ da casa. Para poder promover o seu disco. Disse que era cantor e compositor e que não adiantava nada ter conseguido que a gravadora tivesse produzido o seu disco, se ele não “trabalhasse” o mesmo, camelando de rádio em rádio, Brasil afora. Disse que era do Nordeste e agora tentava abrir algum campo para si em São Paulo, fazendo esse tremendo corpo a corpo.

Senti imediata solidariedade pela causa do artista e voltei lá para cima, para o estúdio. Peguei o apresentador do programa que viria a seguir e meio que dei uma engrossada com ele, forçando-o a ouvir ao menos uma das faixas do disco do rapaz, que eu tinha trazido comigo. Deu certo. O homem gostou. E eu, mais ainda. Quinze minutos depois o cantor cabeludo nordestino entrava no ar, no programa mais popular da rádio então. O nome do desconhecido? Alceu Valença!

Pois é, o Alceu ainda não tinha PLATAFORMA, não era conhecido no Sul e lá estava ele, camelando. Os DJ eram conhecidos por cobrarem o famoso “jabá”, o artista ou a gravadora tinham que pagar algo para o apresentador, para que o artista fosse entrevistado e para que sua música fosse tocada. Quanto maior o jabá, mais vezes a música seria tocada, maiores seriam os elogias que ela e o cantor receberiam.

E no mercado de livros, hoje, 2017, você acha que a coisa é diferente? Nem um pouquinho! Aquelas posições de destaque dos livros na livraria, nas vitrines ou nos balcões de exposição horizontal, são PAGAS pelas editoras ou autores. É o jabá. Aquela fotozinha minúscula do livro, com uma legenda mínima, que aparece no catálogo mensal das grandes redes livreiras, numa página onde há várias outras iguais, pode custa mais de mil reais para o autor ou editor. É o jabá.

E ainda falta a parte do autor, camelando o seu livro: lançamentos múltiplos, viagens, palestras, entrevistas, muita atividade em redes sociais, blog do autor, site do livro, críticas favoráveis (aqui também, conforme o caso, pode correr solto o jabá). Ou seja, quanto mais CONHECIDO você for ou se fizer, maior a chance de se fixar no mercado e poder publicar um segundo livro, dando enfim o primeiro passo para se consolidar na carreira de escritor.

O irônico é que, se você já tem uma certa plataforma inicial ou já é conhecido por outras razões, aí a editora ajuda bastante você com os custos de promoção. Senão... Quando Chico Anísio, Chico Buarque ou Jô Soares lançaram seus primeiros livros, as editoras investiram em tiragens gigantescas, pois os autores já eram muito conhecidos do grande público. Como artistas de outra área. A venda estava garantida.

Agora observe o seguinte fenômeno. No início de 2013, um desconhecido autor inglês, um tal Robert Galbraith, lançou um livro, “The Cockoo’s Calling”. O livro teve muito boa aceitação da crítica, mas foi um fiasco de vendas: com tiragem de apenas 1500 exemplares, só 500 foram vendidos em todo o Reino Unido até Julho. Quem escreveu o livro ficou feliz com a crítica e acabou concordando com a editora (desesperada) que se divulgasse que Robert Galbraith era apenas o pseudônimo de Joanne K. Rowling – nada menos que a autora da super série Harry Potter. Então a editora (renascida das cinzas) mandou imprimir de cara 180 000 livros de uma primeira edição com o nome J. K. Rowling na capa. Esgotou-se em um mês! Foi preciso fazer muito mais!

Quem vende livro é a livraria? É a editora? É o desconhecido Robert Galbraith?

Não, é a conhecidíssima, a famosíssima, a riquíssima Dame Joanne Rowling. Quem vende livro é o autor!

Com uma boa plataforma, muito trabalho de corpo a corpo e muito jabá. Como o jabá que tem que ser gasto para formar a tal plataforma, para marketing pessoal, para marketing do livro, para pagar as livrarias, etc...

Ah, O terceiro lugar! Sim, há um terceiro lugar, não devemos esquecer. É o seguinte: Você ESCREVE BEM?

Sim isso é desejável. E você sabe que pode evoluir muito em sua escrita, é só se dedicar a aprender e praticar – ou seja: ler, estudar escrita, escrever -  ninguém nasce sabendo escrever BEM. Já discuti esse tópico no artigo anterior citado e, por isso, não vou me alongar sobre ele aqui.

Vamos só dar uma olhada derradeira no caso J. K. Rowling, aquela que foi da pobreza absoluta (no UK isso é viver de ajuda do governo, como ela vivia) à riqueza absoluta em 5 anos:

1 - Pode haver IDEIA mais original que um menino órfão que estuda em uma escola de magia que os trouxas não podem ver?

2 - Pode haver PLATAFORMA maior do que a da Dame J. K. Rowling, que vendeu 11 milhões de exemplares de “Harry Poter e as Relíquias da Morte” só no primeiro dia de lançamento no Reino Unido e nos EUA?

3 - Sim, J. K. Rowling, ESCREVE BEM até livros para adultos, a crítica britânica recebeu com elogios o primeiro livro de Robert Galbraith – que só vendeu 500 cópias num semestre inteiro, seu fracassado!


Um comentário:

  1. Então, Milton, o negócio é se jogar nas redes, nas portas, no mar. E nosso amigo andou por esse Brasil ajudando até Alceu Valença! Que lembrança boa! Agora fiquei animada!!!

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