domingo, 28 de maio de 2017

O PERSONAGEM É A HISTÓRIA
MILTON MACIEL
(Excerto de “A ARTE E A TÉCNICA DO ROMANCE – Milton Maciel, IDEL, 2017)

Riobaldo e Diadorim; Gabriela e Nacib; Tieta do Agreste; Teresa Batista; Harry Poter; Frodo Bolseiro; Iracema e Martim; Capitu e Bentinho...

Grandes histórias giram sempre em torno de grandes personagens. Contar uma história é contar a história de ALGUÉM, que fez alguma coisa em algum lugar, em alguma época – em algum lugar no espaço e no tempo. Tente fazer diferente: contar a história de alguma coisa que aconteceu em algum lugar, em alguma época: por exemplo, a possível extinção dos dinossauros há 60 milhões de anos, na África. Muito bem, só que aí você não é romancista, você é historiador ou paleontólogo e a História que você conta é aquela com H maiúsculo.

As grandes histórias são mágicas, impedem que você largue o livro apesar do sono, transformam tudo ao seu redor, o seu quarto desaparece e vira uma ilha no Pacífico, o tempo se comprime ou se dilata, anda para trás e para a frente, você vê o veleiro se aproximando, o escaler sendo descido, o vento e a maresia entram-lhe pelos cabelos e pelas narinas, você é transportado pela magia das palavras, exulta, vibra, se emociona, participa, sente medo, combate...E, de repente, quando o escaler dos piratas dá à areia e eles descem atrás do Capitão Jonas, que é você agora,  alguém chama seu nome:

– Aristóbulo. Oh, Aristóbulo! Apaga essa luz, já é muito tarde, pô!

Pronto, acabam de cortar o seu barato! Eis você de volta, abrupta e violentamente, ao século XXI, no seu quarto atulhado, olhando atoleimado a cara fechada de sua mulher ou de sua mãe. Você fica furioso. Ainda bem que a espada que você estava segurando segundos atrás não está mais em sua mão.

Pobre Aristóbulo!... Condoo-me de você e fico-lhe solidário. Deixe eu lhe dar uma dica bem simples, então: baixe esse livro do Capitão Jonas como e-book no seu celular. Pronto! É assim que eu faço sempre. Minha esposa vai dormir às 9 da noite, eu às 3 da madrugada. Depois ela acorda às 6 e eu às 7.

(Treinei e aprendi a dormir menos quando eu tinha 21 anos de idade, era estudante full time de engenharia química, tinha minha própria microempresa de aparelhos científicos e tinha acabado de casar. E o dia, conservador e insensível, insistia em continuar com as mesmas 24 horas de sempre, das quais eu dormia 9.

Passei os 50 anos seguintes dormindo 3 horas e meia por dia. Disseram-me que eu ia morrer cedo, ficar velho antes do tempo, todo enrugado e acabado. Bem, erraram feio. Ultrapassei a marca dos 70 sem as tais rugas de cachorro sharpei e com o cabelo castanho de sempre. Mas não digo que todo mundo deve ou sequer pode fazer o mesmo e dormir menos que 7 horas por dia. Isso é algo totalmente individual e pode ter desvantagens também, conforme a pessoa. Acho que eu tive sorte. E, muito por causa desse dia enorme que tenho, estou prestes a bater, neste ano de 2017, a marca dos 40 livros publicados).

Mas deixando essa digressão explicativa de lado, que, na verdade, foi só para dar mais uma estocada a favor do livro digital, prossigamos: Sempre que não tenho que escrever ou revisar algo que tem urgência, sempre que não tenho que atender clientes do outro lado do mundo, de Los Angeles a Hong Kong, a quem dou consultoria via Skype e WhatsApp, recolho-me à 1 da madrugada para o leito, feliz como um pinto no lixo: Oba, vou ler outra vez!!!

Esse é um dos momentos mais deliciosos do dia para mim. Deito, desligo a luzinha de cabeceira, e aí é puro deleite: por pelo menos duas horas eu leio o que bem entender. Meu smartphone me dá acesso instantâneo a cerca de 200 livros que tenho só no Kindle da Amazon. E a luz do celular não incomoda nem um pouco minha esposa, que dorme o sono dos justos ao meu lado.

Faça isso também, Aristóbulo, e ninguém mais vai cortar o seu barato e arrancá-lo rudemente da sua mágica aventura de Capitão Jonas. Coisas da tecnologia, meu caro Ari, boas para você, que não é um daqueles dinossauros da África, é um sujeito antenado com o seu próprio tempo.

Fila de banco e lotérica, consultório de dentista e o próprio banheiro, Aristóbulo, são outros lugares onde eu leio sempre no celular. Como já contei em outra parte deste livro, esperar deixou de ser um problema para mim. Vezes há em que chega a ser uma delícia; até o momento em que aquela inconveniente da auxiliar do dentista me arranca da leitura e diz que está na hora de fechar a tela e abrir a boca, de babar e ficar à mercê da bendita maquininha zumbidora. Ao contrário do meu barbeiro camarada, que me permite ficar lendo enquanto corta o meu cabelo, o chato do meu dentista não quer que eu fique segurando o celular em frente aos olhos, enquanto ele me massacra, com aquele sorriso sardônico na boca cheia de dentes.

O personagem é a história, sim. E ele condiciona tudo.

Para que você possa ser bem-sucedido ao escrever a sua ficção, você tem que começar, como digo sempre, pela IDEIA, original e criativa. Mas, uma vez que você a tenha concebido, comece imediatamente a criar seus personagens com dedicação, trabalho persistente e muito cuidado. Se você quer escrever uma boa história, uma que vai ser publicada, lida, amada, recordada e recomendada por seus leitores, então isso só poderá acontecer pelo completo envolvimento deles com os seus personagens. Uma história é realmente grande quando ela se torna inesquecível. E uma história só será inesquecível quando o autor conseguir construir personagens inesquecíveis para ela. Como Riobaldo, Harry Poter, Iracema, Gabriela, Frodo, Capitu.

Ou, por outra, uma história inesquecível é somente a história de personagens inesquecíveis.
Por isso, embora você tenha que aprender muito sobre enredo, estrutura, tema, simbolismo, diálogo, cenário, voz, narração, descrição, emoção e ritmo, é no aprendizado da construção, crescimento e transformação dos personagens que você deve concentrar seus esforços iniciais e maiores.

No capítulo seguinte estaremos discutindo todos os segredos de fazer-se isso em ficção de qualidade, quando você aprenderá a comunicar tudo aos seus leitores com arte e com técnica, com leveza e profundidade. E, acima de tudo, com muita clareza. 

Clareza, sim, porque há uma coisa que você precisa aprender desde o começo a levar em consideração: seus leitores podem ler o seu texto, mas eles não podem ler a sua mente. Enquanto estão lendo o seu texto, eles ainda não sabem onde vai dar a estrada por onde você os leva. Mas você tem que colocar alguns postes de sinalização para eles, senão eles se perdem.




Nenhum comentário:

Postar um comentário