O PERSONAGEM É A HISTÓRIA
MILTON
MACIEL
(Excerto de “A
ARTE E A TÉCNICA DO ROMANCE – Milton Maciel, IDEL, 2017)
Riobaldo e Diadorim; Gabriela e Nacib; Tieta do Agreste; Teresa
Batista; Harry Poter; Frodo Bolseiro; Iracema e Martim; Capitu e Bentinho...
Grandes histórias giram sempre em torno de grandes
personagens. Contar uma história é contar a história de ALGUÉM, que fez alguma
coisa em algum lugar, em alguma época – em algum lugar no espaço e no tempo. Tente
fazer diferente: contar a história de alguma coisa que aconteceu em algum lugar,
em alguma época: por exemplo, a possível extinção dos dinossauros há 60 milhões
de anos, na África. Muito bem, só que aí você não é romancista, você é historiador
ou paleontólogo e a História que você conta é aquela com H maiúsculo.
As grandes histórias são mágicas, impedem que você
largue o livro apesar do sono, transformam tudo ao seu redor, o seu quarto desaparece
e vira uma ilha no Pacífico, o tempo se comprime ou se dilata, anda para trás e
para a frente, você vê o veleiro se aproximando, o escaler sendo descido, o
vento e a maresia entram-lhe pelos cabelos e pelas narinas, você é transportado
pela magia das palavras, exulta, vibra, se emociona, participa, sente medo, combate...E,
de repente, quando o escaler dos piratas dá à areia e eles descem atrás do
Capitão Jonas, que é você agora, alguém chama seu nome:
– Aristóbulo. Oh, Aristóbulo! Apaga essa luz, já é muito
tarde, pô!
Pronto, acabam de cortar o seu barato! Eis você de volta,
abrupta e violentamente, ao século XXI, no seu quarto atulhado, olhando
atoleimado a cara fechada de sua mulher ou de sua mãe. Você fica furioso. Ainda
bem que a espada que você estava segurando segundos atrás não está mais em sua
mão.
Pobre Aristóbulo!... Condoo-me de você e fico-lhe solidário.
Deixe eu lhe dar uma dica bem simples, então: baixe esse livro do Capitão Jonas
como e-book no seu celular. Pronto! É
assim que eu faço sempre. Minha esposa vai dormir às 9 da noite, eu às 3 da
madrugada. Depois ela acorda às 6 e eu às 7.
(Treinei e aprendi a
dormir menos quando eu tinha 21 anos de idade, era estudante full time de engenharia química, tinha minha própria
microempresa de aparelhos científicos e tinha acabado de casar. E o dia,
conservador e insensível, insistia em continuar com as mesmas 24 horas de
sempre, das quais eu dormia 9.
Passei os 50 anos seguintes
dormindo 3 horas e meia por dia. Disseram-me que eu ia morrer cedo, ficar velho
antes do tempo, todo enrugado e acabado. Bem, erraram feio. Ultrapassei a marca
dos 70 sem as tais rugas de cachorro sharpei e com o cabelo castanho de sempre.
Mas não digo que todo mundo deve ou sequer pode fazer o mesmo e dormir menos
que 7 horas por dia. Isso é algo totalmente individual e pode ter desvantagens
também, conforme a pessoa. Acho que eu tive sorte. E, muito por causa desse dia
enorme que tenho, estou prestes a bater, neste ano de 2017, a marca dos 40
livros publicados).
Mas deixando essa digressão explicativa de lado, que, na
verdade, foi só para dar mais uma estocada a favor do livro digital,
prossigamos: Sempre que não tenho que escrever ou revisar algo que tem urgência,
sempre que não tenho que atender clientes do outro lado do mundo, de Los
Angeles a Hong Kong, a quem dou consultoria via Skype e WhatsApp, recolho-me à
1 da madrugada para o leito, feliz como um pinto no lixo: Oba, vou ler outra vez!!!
Esse é um dos momentos mais deliciosos do dia para mim. Deito,
desligo a luzinha de cabeceira, e aí é puro deleite: por pelo menos duas horas
eu leio o que bem entender. Meu smartphone
me dá acesso instantâneo a cerca de 200 livros que tenho só no Kindle da
Amazon. E a luz do celular não incomoda nem um pouco minha esposa, que dorme o
sono dos justos ao meu lado.
Faça isso também, Aristóbulo, e ninguém mais vai cortar o
seu barato e arrancá-lo rudemente da sua mágica aventura de Capitão Jonas. Coisas
da tecnologia, meu caro Ari, boas para você, que não é um daqueles dinossauros
da África, é um sujeito antenado com o seu próprio tempo.
Fila de banco e lotérica, consultório de dentista e o próprio
banheiro, Aristóbulo, são outros lugares onde eu leio sempre no celular. Como
já contei em outra parte deste livro, esperar deixou de ser um problema para mim.
Vezes há em que chega a ser uma delícia; até o momento em que aquela inconveniente
da auxiliar do dentista me arranca da leitura e diz que está na hora de fechar
a tela e abrir a boca, de babar e ficar à mercê da bendita maquininha zumbidora.
Ao contrário do meu barbeiro camarada, que me permite ficar lendo enquanto corta
o meu cabelo, o chato do meu dentista não quer que eu fique segurando o celular
em frente aos olhos, enquanto ele me massacra, com aquele sorriso sardônico na
boca cheia de dentes.
O personagem é a
história, sim. E ele condiciona tudo.
Para que você possa ser bem-sucedido ao escrever a sua
ficção, você tem que começar, como digo sempre, pela IDEIA, original e
criativa. Mas, uma vez que você a tenha concebido, comece imediatamente a criar
seus personagens com dedicação, trabalho persistente e muito cuidado. Se você
quer escrever uma boa história, uma que vai ser publicada, lida, amada, recordada e recomendada por seus
leitores, então isso só poderá acontecer pelo completo envolvimento deles com
os seus personagens. Uma história é realmente grande quando ela se torna inesquecível. E uma história só será
inesquecível quando o autor conseguir construir personagens inesquecíveis para ela. Como Riobaldo, Harry Poter, Iracema,
Gabriela, Frodo, Capitu.
Ou, por outra, uma história inesquecível é somente a história
de personagens inesquecíveis.
Por isso, embora você tenha que aprender muito sobre enredo,
estrutura, tema, simbolismo, diálogo, cenário, voz, narração, descrição, emoção
e ritmo, é no aprendizado da construção, crescimento e transformação dos
personagens que você deve concentrar seus esforços iniciais e maiores.
No capítulo seguinte estaremos discutindo todos os segredos
de fazer-se isso em ficção de qualidade, quando você aprenderá a comunicar tudo
aos seus leitores com arte e com técnica, com leveza e profundidade. E, acima
de tudo, com muita clareza.
Clareza, sim, porque há uma coisa que você precisa
aprender desde o começo a levar em consideração: seus leitores podem ler o seu
texto, mas eles não podem ler a sua mente.
Enquanto estão lendo o seu texto, eles ainda não sabem onde vai dar a estrada
por onde você os leva. Mas você tem que colocar alguns postes de sinalização para
eles, senão eles se perdem.