A FICÇÃO E SEU MERCADO NO
BRASIL
MILTON MACIEL
(extraído do livro “A ARTE E A TÉCNICA DO ROMANCE” – Milton Maciel, IDEL, 2016)
O
poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm. (trecho de “Autopsicografia” – Fernando Pessoa)
Mestre Pessoa
diz tudo. O poeta, que é um ficcionista
tanto como o contista e o romancista, é um fingidor. Na verdade, devemos dizer
que é também um bom... mentiroso.
Eu e você, ao
escrever ficção, vamos mentir muito para o nosso leitor. Vamos inventar uma
história que não acontece, cheia de gente que não existe. Mentimos
descaradamente! Mas esse é um jogo de cartas marcadas: a gente finge, mente, e
o leitor acredita. Ri conosco, chora conosco, fica furioso, ama e odeia
personagens. Se não somos bem sucedidos nas nossas mentiras, então ele odeia os
nossos livros e nos odeia a ambos.
Mas, de qualquer
forma, o que nós fazemos com nossas mentiras cuidadosamente arquitetadas é
provocar-lhe emoções. É para
tê-las que ele compra nossos livros. A vida dele não se completa sem isso. Ele
precisa disso. Isso é ARTE!
ARTE é o que fazemos ao
escrever ficção. Tiramos da nossa memória, dos nossos
conhecimentos conscientes, das nossas pesquisas, da nossa própria vida, da
nossa experiência, das nossas relações, do nosso inconsciente – e até do
inconsciente coletivo – as ideias e as emoções que transmitimos à mente e à
sensibilidade de quem nos lê. Fingimos tão completamente que as pessoas que
lêem o que escrevemos passam a sentir a dor – ou a alegria – que elas não
tinham até então. Simples assim.
Simples de
conceituar. Não tão simples de construir, isto é, saber mentir bem. Ou seja,
não basta saber mentir, é preciso saber mentir muito bem! Senão o leitor não sente as emoções que pagou para
sentir. E nunca mais compra um livro seu ou meu.
Bem vindo,
portanto, ao reino da fantasia, do fingimento, da mentira piedosa ou maldosa: o reino da Ficção.
Falando
honestamente
E já que vamos
nos aventurar no reino do fingimento e da mentira, a primeira coisa que vamos
fazer é sermos absolutamente honestos.
Com você, explique-se, não com o pobre do leitor. Esse a gente vai seguir
enganando, que é para isso que ele nos paga.
É a honestidade
que permeia este livro e os seguintes da série “Como Escrever Ficção” que me
obriga a ser direto e franco com você. A começar por chamá-lo de mentiroso. E a
continuar por elogiar em você justamente a sua capacidade de mentir bem. Você
vai ter que se tornar um ótimo, um esplêndido fingidor, para poder escrever boa
ficção.
Só que, antes de
estimulá-lo a entrar neste oceano encoberto de brumas da vida de escritor, eu
quero lhe falar umas poucas verdades que aprendi na prática de fingidor, editor
e professor de escrita e marketing de livros. Vamos começar bem pelo começo e
não creia que o que vem a seguir, já no próximo parágrafo, está fora de ordem.
Não, ocupa o exato e devido
primeiro lugar
na ordem de prioridades.
POR QUE SER
ESCRITOR?
O que você, o
que eu, o que Stephen King, o que Machado de Assis, o que Paulo Coelho querem
ou quiseram ao se tornarem escritores profissionais?
Eu diria que,
antes de mais nada e acima de tudo, o que queremos é produzir arte. Falei de propósito de King e de Coelho, porque eles
são grandes sucessos de bilheteria, faturam milhões de dólares anuais. São, ao
mesmo tempo, exceções absolutas.
Nosso mais
famoso e competente escritor, o velho e ótimo Machado, não conseguiu enriquecer
com seus muitíssimos livros. Livros tão bons que são sucessos até o dia de
hoje, mais de 100 anos depois de sua morte. E o mesmo acontece com a ampla
maioria dos ficcionistas mais talentosos deste nosso país. País ainda de poucas
letras, onde o dinheiro para as letras é sempre dos mais escassos –
especialmente quando as letras foram aplicadas no papel ou na telinha através
de autores brasileiros.
O que quero
dizer, com toda a crueza é o seguinte: se você quer escrever para ficar famoso
e rico, pode começar a contar com mais dificuldades do que pode estar
esperando. O famoso até que é
possível: como vamos ver bem mais à frente, é muito mais uma questão de
investir em uma boa assessoria de imprensa e não tem muito a ver com a
qualidade do seu trabalho.
Já o ficar rico
a la Paulo Coelho... Bem, não vou
dizer com rudeza cruel para você tirar o seu cavalinho da chuva. Acontece. Às
vezes. Com um em cada 10 mil autores, algo assim. Portanto, se você quer
escrever para ficar rico rapidamente, recomendo-lhe que o faça tendo ao lado do
teclado ou da caneta alguns volantes da Mega Sena. As chances podem ser maiores
com a Caixa Econômica Federal.
Então, sem
deixar de lado a visão otimista que, de vez em quando, surge um novo Paulo
Coelho milionário no Brasil – e esse pode ser exatamente você! – vamos
considerar o que sobra de possibilidades.
CONTINUA
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