sexta-feira, 1 de julho de 2016

A FICÇÃO E SEU MERCADO NO BRASIL
MILTON MACIEL (extraído do livro “A ARTE E A TÉCNICA DO ROMANCE” – Milton Maciel, IDEL, 2016)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm
. (trecho de “Autopsicografia” – Fernando Pessoa)

Mestre Pessoa diz tudo. O poeta, que é um ficcionista tanto como o contista e o romancista, é um fingidor. Na verdade, devemos dizer que é também um bom... mentiroso.

Eu e você, ao escrever ficção, vamos mentir muito para o nosso leitor. Vamos inventar uma história que não acontece, cheia de gente que não existe. Mentimos descaradamente! Mas esse é um jogo de cartas marcadas: a gente finge, mente, e o leitor acredita. Ri conosco, chora conosco, fica furioso, ama e odeia personagens. Se não somos bem sucedidos nas nossas mentiras, então ele odeia os nossos livros e nos odeia a ambos.

Mas, de qualquer forma, o que nós fazemos com nossas mentiras cuidadosamente arquitetadas é provocar-lhe emoções. É para tê-las que ele compra nossos livros. A vida dele não se completa sem isso. Ele precisa disso. Isso é ARTE!

ARTE é o que fazemos ao escrever ficção. Tiramos da nossa memória, dos nossos conhecimentos conscientes, das nossas pesquisas, da nossa própria vida, da nossa experiência, das nossas relações, do nosso inconsciente – e até do inconsciente coletivo – as ideias e as emoções que transmitimos à mente e à sensibilidade de quem nos lê. Fingimos tão completamente que as pessoas que lêem o que escrevemos passam a sentir a dor – ou a alegria – que elas não tinham até então. Simples assim.

Simples de conceituar. Não tão simples de construir, isto é, saber mentir bem. Ou seja, não basta saber mentir, é preciso saber mentir muito bem! Senão o leitor não sente as emoções que pagou para sentir. E nunca mais compra um livro seu ou meu.

Bem vindo, portanto, ao reino da fantasia, do fingimento, da mentira piedosa ou maldosa: o reino da Ficção.

Falando honestamente

E já que vamos nos aventurar no reino do fingimento e da mentira, a primeira coisa que vamos fazer é sermos absolutamente honestos. Com você, explique-se, não com o pobre do leitor. Esse a gente vai seguir enganando, que é para isso que ele nos paga.

É a honestidade que permeia este livro e os seguintes da série “Como Escrever Ficção” que me obriga a ser direto e franco com você. A começar por chamá-lo de mentiroso. E a continuar por elogiar em você justamente a sua capacidade de mentir bem. Você vai ter que se tornar um ótimo, um esplêndido fingidor, para poder escrever boa ficção.

Só que, antes de estimulá-lo a entrar neste oceano encoberto de brumas da vida de escritor, eu quero lhe falar umas poucas verdades que aprendi na prática de fingidor, editor e professor de escrita e marketing de livros. Vamos começar bem pelo começo e não creia que o que vem a seguir, já no próximo parágrafo, está fora de ordem. Não, ocupa o exato e devido
primeiro lugar na ordem de prioridades.

POR QUE SER ESCRITOR?

O que você, o que eu, o que Stephen King, o que Machado de Assis, o que Paulo Coelho querem ou quiseram ao se tornarem escritores profissionais?

Eu diria que, antes de mais nada e acima de tudo, o que queremos é produzir arte. Falei de propósito de King e de Coelho, porque eles são grandes sucessos de bilheteria, faturam milhões de dólares anuais. São, ao mesmo tempo, exceções absolutas.

Nosso mais famoso e competente escritor, o velho e ótimo Machado, não conseguiu enriquecer com seus muitíssimos livros. Livros tão bons que são sucessos até o dia de hoje, mais de 100 anos depois de sua morte. E o mesmo acontece com a ampla maioria dos ficcionistas mais talentosos deste nosso país. País ainda de poucas letras, onde o dinheiro para as letras é sempre dos mais escassos – especialmente quando as letras foram aplicadas no papel ou na telinha através de autores brasileiros.

O que quero dizer, com toda a crueza é o seguinte: se você quer escrever para ficar famoso e rico, pode começar a contar com mais dificuldades do que pode estar esperando. O famoso até que é possível: como vamos ver bem mais à frente, é muito mais uma questão de investir em uma boa assessoria de imprensa e não tem muito a ver com a qualidade do seu trabalho.

Já o ficar rico a la Paulo Coelho... Bem, não vou dizer com rudeza cruel para você tirar o seu cavalinho da chuva. Acontece. Às vezes. Com um em cada 10 mil autores, algo assim. Portanto, se você quer escrever para ficar rico rapidamente, recomendo-lhe que o faça tendo ao lado do teclado ou da caneta alguns volantes da Mega Sena. As chances podem ser maiores com a Caixa Econômica Federal.

Então, sem deixar de lado a visão otimista que, de vez em quando, surge um novo Paulo Coelho milionário no Brasil – e esse pode ser exatamente você! – vamos considerar o que sobra de possibilidades.

CONTINUA


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