MILTON
MACIEL
1841, Londres. É noite
alta na grande mansão do maestro George Friderik Handel, o grande compositor
nascido na Alemanha como George Friedrich Händel e naturalizado inglês desde
1815. Dois homens conversam, angustiados:
– Mr. Johan, não sei mais o que fazer. O
Mestre continua sem me atender, é como se não me ouvisse falar ou bater à
porta. Por isso lhe pedi que viesse aqui.
–Ele está trancado lá e não responde? Será
que ele teve um desmaio, uma síncope, meu Deus?!
– Não, Mr. Johann, não é isso, ele está muito
vivo, o piano não pára de soar. Ele compõe sem parar, há duas semanas,
obsessivamente...
– Como? Você me diz que ele está trancado
lá há duas semanas, sem sair, só compondo?
– Senhor, parece-me que o Mestre está
possuído por alguma força estranha e tenho certeza que ele não saiu nenhuma vez
da grande sala do piano.
– Mas, James, como pode ser isso? Se ele
não sai e não deixa ninguém entrar, como é que faz para se alimentar? E para
beber água, tomar um chá, ir ao banheiro?
– Não esqueça. Mr. Johann, que ali há um
banheiro interno, com água de excelente qualidade.
– Sim, é verdade, ia esquecendo. Mas... e
a comida? Como pode ele estar há duas semanas sem comer nada, se é um grande
garfo e sua gordura excessiva é uma das nossas preocupações com sua saúde? Então
ele se serve sozinho, de madrugada...
– Impossível, senhor. Mrs. Anthony, a
cozinheira, perceberia facilmente. Isso não aconteceu.
– Mas então a coisa toda é muito séria!
Deixe-me tentar eu mesmo, ele é meu professor e meu pai foi sempre seu secretário
e melhor amigo. E eu, você bem sabe, sou a única pessoa que ele aceita ensinar,
exceto as filhas do Príncipe de Gales.
Johann Schmidt bateu
temeroso à porta da sala, anunciando-se. Nenhuma resposta, mas o piano não parava
de soar, com uma melodia tão perfeita que o aluno sentiu-se comover. Colando o
ouvido à porta, pôde ouvir a voz do Mestre. E percebeu que George Handel falava
frases entrecortadas e chorava emocionado. Então, subitamente, tudo cessou.
No instante seguinte, a
porta se abriu, e mestre Handel surgiu radioso, com um calhamaço de folhas na
mão. Estava visivelmente mais magro, com uma barba crescida de vários dias,
cheirava levemente a suor, tinha os olhos vermelhos, mas um sorriso de êxtase
marcava-lhe o semblante. Vendo o aluno, falou-lhe, contente:
– Johann! Que bom que é você. Tome, pegue
este material, são partituras de um oratório que acabei de compor. Chama-se O
MESSIAS. Trabalhei nele por 24 dias, é enorme. E, nestas duas últimas semanas,
não consegui parar para fazer qualquer outra coisa. Fiquei como que num estado
de transe permanente. Não posso dizer se estava no meu corpo ou fora dele. Esta
última parte aqui é o coro ALELUIA. Leve tudo para Sir John, diga-lhe para
preparar a publicação. Mas, por esta parte especificamente, eu não quero um só
tostão de direito autoral. Esta obra NÃO É MINHA!
E,
deixando o discípulo atônito, um alegre e mais delgado mestre Handel correu a
banhar-se e a fazer a refeição que quebraria seu longo jejum. (O
fato é verídico!)
Este texto foi publicado no livro LETRAS ASSOCIADAS Vol 1, pela Associação das Letras, de Joinville, SC.
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