MILTON MACIEL
– Pois é, esta aconteceu com o Conrado, meu primo, que você conhece.
– O marido da Yvone?
– Esse mesmo. Você conhece a mulher dele?
– Quem não conhece? Bom, me desculpe, ele é seu primo, mas... que mulher gostosa que ele tem! Que coisa mais linda!
– Não tem nada que se desculpar. Eu, que sou primo, também acho! Ela é linda demais! Mas não é só isso. Você precisa ver o caráter dessa mulher. É coisa muito séria, amigo. Se o Conrado hoje está bem de vida, agradeça a ela, que tem pulso firme nos negócios. Mas isso é outro assunto, eu estou querendo contar é a experiência paranormal do Conrado.
– Paranormal? Puxa, eu gosto disso. Como foi?
– Foi coisa de uns 9 anos atrás.. O Conrado estava dormindo, era ainda estudante de administração. De repente ele acordou sentindo um nítido puxão no pé. E aí levou o maior susto da vida dele. Ao pé da cama estava o Tio Cirilo, o falecido irmão do pai dele e do meu pai. Ele sorria para o Conrado e lhe mostrava um livro bem velho que ele tinha na mão. O nome do autor era Guerra Junqueiro, o do livro não dava para ver.
– Um Morto! Papagaio, eu saia correndo, acho que aos berros.
– É, mas o Conrado aguentou firme. Começa que ele é meio lento pra reagir a qualquer coisa. E depois, ele ficou foi contente, porque a gente adorava o Tio Cirilo. Então ele não teve medo e chegou a sentar na cama pra puxar conversa. Mas o tio só apontou para a estante de livros da sala, bem pra parte de cima, e logo desapareceu. Aí o Conrado achou que era um sonho, que ele estava fazendo era confusão e se espichou pra dormir de novo. Horas depois, quando ele acordou, lembrou imediatamente do sonho e foi até à sala ver a estante. Pois não é que, na prateleira de cima, onde havia vários livros velhos que foram do papai e do tio Cirilo, ele encontra o tal livro do Guerra Junqueiro!
– Caramba, mas que sonho mais estranho!
– Pois isso não é nada. O Conrado conta que, quando ele pegou o livro, de dentro saltou um papel. Era um volante de loteria, de Mega Sena. O tio era um apostador inveterado, nunca ganhou nada, mas apostava toda semana. Pois o volante estava todo marcado! Aí o Conrado pirou. Na certa o tio tinha vindo mesmo, em espírito ou em sonho, dar a dica pro sobrinho. Na certa, aqueles eram os seis números que iam sair.
E o sorteio era naquela quarta-feira mesmo. Ele correu para a lotérica do bairro e fez uma aposta simples, não precisava gastar mais nada. E aí ele passou o resto da tarde e o começo da noite no maior nervosismo. Até que conseguiu saber do resultado.
– E ele ganhou?
– Que nada, não acertou nenhum número!
– Puxa, mas que coisa mais sem graça! De que adiantou essa palhaçada, então?
– De que adiantou? Pois eu já lhe digo. A lotérica era num shopping, ficava aberta até às 10 da noite. O sorteio era às 8. Então ele ficou pelo shopping mesmo, agitado, tremendo, fazendo as contas do que ia comprar com o dinheiro. A toda hora ele ia à lotérica e infernizava a vida da mocinha que fez o jogo dele, para ver se já tinha o resultado do sorteio. Quando chegou e a moça mostrou pra ele, o Conrado começou a passar mal.
A moça o socorreu, abanou, trouxe um copo d’água, até que ele conseguiu falar. Aí ele contou pra ela a história do sonho com o tio, da certeza que ia ganhar, da tremenda decepção que estava amargando. De repente não se aguentou mais e caiu num choro sentido. A mocinha ficou firme ali, tratando de acalmar o rapaz, até conseguir que ele se conformasse.
– Pomba, que decepção, mesmo. Que sonho mais idiota! Tanta expectativa e no fim ele não ganhou nada!
– Engano seu. Ele ganhou sim, ganhou a Sorte Grande naquela noite!
– Ué, mas, como assim, ganhou a Sorte Grande? Pois se você mesmo disse que ele não acertou nenhum número.
– Ah, mas você já vai entender. Sabe a mocinha que cuidou dele, que tinha 18 aninhos e estava fazendo bico pra ajudar a pagar a faculdade? Pois é, o nome dela era Yvone!
– A Yvone?!!!
– Pois é, ela mesma! E então? Ele ganhou ou não ganhou a Sorte Grande? Mas se segure, que agora vem o mais impressionante: Quando tudo já estava mais calmo, quando a lotérica fechou e a moça ia pegar condução pra casa, o Conrado quis retribuir a atenção dela e convidou-a para jantarem ali mesmo na Praça de Alimentação, disse que a levaria para casa de carro, que ele tinha um Chevette velho meio descascado, mas que andava direitinho. Aí, enquanto esperavam que os pratos ficassem prontos, o Conrado lembrou que ainda tinha o volante do livro no bolso. Tirou e mostrou pra moça. Aí foi ela que estranhou:
– Ué, você já sabia o meu nome, é? Você escreveu ele aqui, na parte de trás. Sua caneta está ruinzinha, está um pouco apagado, mas é meu nome.
E o Conrado levou o maior susto de novo! De fato, no verso do volante estava gravado, com caneta de tinta roxa, bem grande: YVONE. Pois sabe da maior? Acredite se quiser. Lá em casa só quem usava tinta roxa era o Tio Cirilo. E o Conrado não teve a menor dúvida em reconhecer aquela caligrafia tão sua conhecida: a letra era DO TIO! O resto você já sabe ou pode imaginar. Eles interpretaram aquilo como um sinal, não se largaram nunca mais. Hoje estão aí, formados, casados, com filhos. E o Conrado, graças ao Tio Cirilo, não importa saber de que jeito, naquela noite tirou a Sorte Grande!
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