MILTON MACIEL
Fim da 29ª
parte:
Então Bartira fez todos levantarem e levou-os para as
peles, que João Ramalho havia montado à maneira de uma cama alta européia.
Apagou a tocha e falou:
– Vocês já estão casados desde o momento em que João
Ramalho disse eu aceito. Mas estão os dois muito sem jeito e Irani deve estar
esgotada, cansada demais. Então vamos dormir, descanso é o que vocês mais precisam. Amanhã eu ajudo vocês e consumarem o casamento, a brincar de amor.
Aliviados e agradecidos, os dois beijaram Bartira e
trataram de dormir o mais rápido que puderam.
30ª parte: uma
festa de amor dentro água
Logo ao raiar da
manhã, após comerem algumas frutas que tinham na oca, foram os três para o
riacho, exatamente para aquela curva generosa em que a água, extremamente
límpida e transparente, se espalhava numa pequena praia de águas sempre mais
calmas e mais mornas.
Saltaram todos para
dentro e, como sempre faziam, nadaram,
pularam, jogaram água uns nos outros, riram e se divertiram por um bom tempo.
Sábia, Bartira prolongava o brinquedo, porque queria os outros dois muito à
vontade e muito relaxados, para levá-los ao outro modo de brincar que tinha em
mente. Com tranquilidade e agrado ela observou que João Ramalho já dirigia a
Irani olhares mais interessados, com evidente admiração pela beleza da moça.
Pronto, decidiu ela, estava na hora!
Subitamente
Bartira saltou sobre João e envolveu-o com os braços, começando a beijá-lo. A
seguir conferiu com a mão no alvo certo o resultado que sabia inevitável: o
homem estava novamente em brasa, pronto para revidar ao ataque, excitadíssimo.
Fez menção então de encaixar-se nele, abrindo bem as pernas sob a água. Quando
João esperava sentir a maciez interna de Bartira, ela fez um movimento muito
rápido e puxou Irani para seu lugar.
E a maciez que
João Ramalho, no instante seguinte, sentiu foi de sua nova mulher abrindo-se
inteiramente para ele, enquanto ela se abraçava ao pescoço dele e o cobria de
beijos intensos e famintos. João ainda olhou para Bartira, ali ao lado deles, e
viu que ela lhe sorria com ternura e aprovação. Então não teve mais que se
conter, entregou-se. E quando, instantes depois, sentiu-se esvair em gozo, foi
dentro de Irani que sua semente ficou pela primeira vez na vida deles.
O casamento
estava consumado. Bartira então lhes disse para saírem d’água e voltarem para
cima das peles, dentro da oca. E explicou:
– Aproveitem bem
este maravilhoso primeiro dia. Brinquem bastante, conversem muito, se conheçam
mais. Eu vou visitar meus pais em Inhapuambuçu. Só volto no fim do dia, a casa
é toda só de vocês. Só que tem uma coisa: quando eu voltar, eu vou estar com
muita fome. Aquela fome, entendeu, João? Então esta noite vais ter que ser
capaz de brincar com nós duas ao mesmo tempo. Esta noite e todas as outras
noites, daqui pra frente. Quero ver se aguentas duas guaianases em fogo em cima
das tuas peles, seu peró frouxo!
E saiu
esplêndida da água, filetes brilhantes a escorrer de seus cabelos negros e
longos. Amando-a mais do que nunca, João Ramalho ficou a contemplar-lhe a nova
curvatura da cintura e das ancas, sua Bartira mostrando cada vez mais a
presença do André tão esperado. Por alguma coisa misteriosa dos guaianases,
tanto ela, quanto Tibiriçá e Potira, sua esposa, não tinham a menor dúvida em
garantir que a primeira criança de Bartira seria um menino.
Quando sua
esposa (sua primeira esposa,
corrigiu-se, ao mesmo tempo em que se completava: primeira e única no meu
coração, por todo o sempre!) sumiu de vista, João Ramalho sentiu a pressão dos
braços de Iraci enlaçando-o e as mãos dela a percorrerem seu corpo pressurosas.
Não teve condições de fazer como Bartira dissera. Não foram para as peles
dentro da oca. Ali mesmo, ainda dentro do rio, viveram as primeiras horas de
sua lua-de-mel. A festa aconteceu dentro d’água!
Quando enfim saíram
do rio, João estava exausto. Irani, como se fosse Bartira, conduziu-o pela mão
para dentro da oca, fê-lo deitar-se na cama de peles e disse que ia caminhar um
pouco lá fora. Recomendou-lhe que dormisse bastante, o que o rapaz achou uma
ideia simplesmente maravilhosa. Adormeceu imediatamente e teve sonhos
intranqüilos, em que se via fracassado perante as duas indiazinhas, dando vexame,
incapaz para o amor sobre as peles, enquanto elas reclamavam e debochavam dele.
“O peró é um frouxo, o peró é um frouxo”, proclamava Irani para toda a tribo em
Inhapuambuçu. “Prefiro voltar para meu pai em Jurubatuba, esse marido é fraco
demais!”
Estava vexado
realmente quando acordou. Mas percebeu que despertava por causa do odor
magnífico de peixe assando nas brasas. Levantou, saiu da oca, viu o sol alto no
meio do céu. Ali fora, Irani tinha preparado uma fogueira e terminava de assar
um enorme peixe. Admirado, João Ramalho fez um sinal de interrogação para sua
nova mulher. Antes que ele abrisse a boca para falar, a moça apontou para o
arco que ela havia apanhado dentro da oca, o presente de Tibiriçá para João:
– Peguei o arco
e as flechas e fui pescar. Tive que andar bastante até achar um lugar com
peixes grandes. Mas valeu a pena, flechei dois, este aqui e outro que vou
preparar especialmente para Bartira e a gente come de noite, quando ela chegar.
Já está ali, secando no calor das brasas, dentro das folhas, mas só vou
terminar de assar de noite.
O português
assobiou admirado:
– Ora, menina,
com que então tu sabes usar arco e flecha tão bem assim?
– Bem? Só
pegando peixe? Ora, João, eu sei usar as armas todas e muito bem. Sei usar
arco, flecha e lança na guerra também. E tenho muita pontaria. Quer ver?
Apanhou o arco,
armando-o com uma flecha. Mirou um tronco de palmeira jovem, ainda macio, à
distância de uns cinquenta passos, e acertou-o no meio com uma seta. Depois
colocou mais uma no arco e acertou novamente o mesmo tronco, quase no mesmo
lugar. E repetiu a operação uma terceira vez.
– Irani, Irani!
Pois tu atiras muito melhor que eu, criatura!
– Ora, João só
aprendeu agora, não tem experiência ainda. Eu atiro desde criancinha. Mas pode
deixar, eu ajudo meu marido a aprender. Quer treinar comigo?
– Quero, sim.
Mas só depois que devorar esse teu peixe que cheira tão bem. Estou com uma fome
de bicho fera!
Dez minutos
depois o peixe tinha desaparecido quase por inteiro dentro da barriga do português.
Iraci comeu uns poucos pedaços e foi buscar as frutas que havia recolhido na
mata nessa manhã: araçás dourados, guabirobas sumarentas, pitangas vermelhinhas
e, delícia das delícias para o português encantado com a novidade, um enorme
monte de jabuticabas escuras e brilhosas, com um sabor divino que ele não
conhecia.
– João deu sorte. É época de jabuticaba. Isso
só dá uma vez por ano e por muito pouco tempo. A árvore fica linda, preciso
levar João pra ver, tem uma aqui perto. Vamos?
– Sim, minha menina.
Até que uma boa caminhada cai bem depois de tudo o que eu comi!
E saíram de mãos
dadas para a mata próxima.
Quase ao cair da
noite, Bartira estava de volta. Trazia uma alegria e uma tristeza para dividir
com João. A alegria era vinda da certeza que seu João e sua Irani eram agora
bons amigos e bons amantes – marido e mulher, como convinha. A tristeza ela não
iria dividir nesta noite, a primeira noite de núpcias a três, noite muito
importante para ser estragada com qualquer tristeza. Esperaria para amanhã.
Então contaria para João sobre o destino que aguardava Apinajé.
Mas esta noite,
não. Queria apenas comemorar com muito emoção e com muito prazer a chegada de
Irani a seu ninho de amor. Ali estava sendo intensamente feliz com seu peró,
ali haveria de ser ainda mais feliz agora que sua prima querida estava ali para
dividir tudo com eles. Ah, a vida era tão boa com ela! Como se não bastasse ter
o amor do homem mais desejado por todas as mulheres de Piratininga, do homem
forte e valente prestigiado e admirado por seu pai Tibiriçá e por todos os
homens da aldeia, ainda recebia a graça de ter a doce Irani como parceira de
vida e amor. Quanta felicidade!...
Irani, toda
feliz e sorridente, apresentou a Bartira o peixe que pescara e prepara
especialmente para ela, bem do jeito que sabia ser o favorito da prima.
Beijaram-se sorridentes e comeram a iguaria com gestos delicados, contrastantes
com as afoitas bocadas do português. Depois apagaram a tocha e foram para a
grande cama de peles.
E naquela noite
Bartira deixou que toda a felicidade enorme que sentia se irradiasse para seus
companheiros de leito, enquanto usava suas técnicas intuitivas enlouquecedoras
para deixar o seu peró em condições de aplacar a apetite de duas adolescentes
guaianases famintas de amor.
Combinou uma
estratégia com sua prima e as duas começaram a provocar o marido ao mesmo
tempo, esfregando-se nele e tocando-o a todo instante. Mas quando ele,
excitadíssimo, procurava abraçar uma delas para definir o ataque, esta se
evadia e vinha a outra colocar-se em seu lugar. Fizeram esse jogo de
agarra-solta, de esconde-esconde, até que o português estivesse literalmente
enlouquecido de desejo. Por fim Bartira deixou-se capturar e logo a seguir o
mesmo aconteceu com Irani.
Feliz e exausto,
João Ramalho honrara as calças que um dia usara e que há muito tempo não usava
mais, agora que, sendo um guaianá ele também, andava sempre nu. Graças aos
céus, o fracasso com que sonhara não aconteceu. E ele pôde então adormecer
tranquilo entre suas princesas, suas duas jovens rainhas, porque agora tinha
uma certeza: Ela, Bartira, a sábia e infalível Bartira, sempre saberia o que
fazer para deixá-lo em ponto de bala. Não precisava mais temer o fracasso,
bastaria que fizesse sempre como sua esposa do coração lhe indicasse.
Sim, Piratininga
era o Paraíso e Bartira era o seu grande anjo.
CONTINUA