domingo, 3 de fevereiro de 2013


TIA  MEMÉIA – Uma história de felicidade 
MILTON  MACIEL 

Ela era realmente uma figura sui generis. Não havia, não poderia haver nada igual na nossa cidade pequena. E tão sui generis era que eu insisto em dizer NADA – e, não, ninguém, o que seria o óbvio. Mas Tia Meméia era mesmo única no gênero. Provavelmente, vocês vão me dar razão também.

A começar pelo nome: Meméia. Claro que esse não era o nome dela. Esse é o nome da bruxinha desastrada de Stanley, a Little Itch (Coceirinha), que no Brasil nós ficamos conhecendo através das histórias em quadrinhos da Luluzinha.  Meméia, ainda criança, era a aprendiz de bruxa de sua tia malvada, a bruxa Alcéia. Acho que a pessoa que deu o apelido à Tia Meméia, não só tinha lido muita Luluzinha, como sabia muito bem o que estava fazendo.

Porque a Tia Meméia tinha fama de ser bruxa. Muitas pessoas tinham medo dela, chegando algumas a garantir que ela realizava terríveis rituais de magia negra. Mas essas pessoas eram todas adultas. Porque, entre as crianças, Tia Meméia tinha uma enorme popularidade. Era a tal da bruxa aparecer pela cidade e elas corriam a cercá-la, a conversar com ela, ouvi-la contar histórias e mais histórias, brincar de roda e esconde-esconde com elas, pular amarelinha, ensinar canções infantis.

Algumas mães ficavam apreensivas, proibiam suas crianças de se aproximarem da bruxa malvada, mas era em vão. As crianças desobedeciam, fugiam, parecia que adivinhavam quando Tia Meméia estava por perto. Isso deixava aquelas mães ainda mais aflitas, crentes que aquilo era um sortilégio, um mau encantamento para atrair crianças, sabe-se lá com que malévola intenção!

Uma outra coisa que chamava atenção em Tia Meméia é que os animais também tinham um verdadeiro fascínio por ela, tanto ou mais do que as crianças. Também eles a cercavam e seguiam por onde ela fosse. Não só os cães que estavam soltos pelas ruas, mas os que estavam nas casas, limitados pelos muros e portões. Estes procuravam, aflitos, escapar para juntar-se ao grupo de Meméia. E, claro, isso deixava os moradores adultos ainda mais convictos que aquela mulher era mesmo uma feiticeira malvada, usando magia negra para atrair seus animaizinhos inocentes, para depois, com toda certeza, submetê-los a sacrifício em horrendos rituais de feitiçaria.

Só que, apesar de toda essa má fama com os adultos, nunca ninguém soube, em toda a cidade, que um só animal tivesse desaparecido. Assim como fugiam, horas depois eles estavam de volta, mostrando grande contentamento e muita fome e sede.


Eu era um moleque de onze anos quando mudei para aquela cidade e me tornei, imediatamente, um dos fãs de carterinha de Tia Meméia. Ela, desde o começo, mostrou uma atenção toda especial comigo. Achei que era por minha condição de novato, mas fiquei com receio que as outras crianças ficassem com ciúmes de mim. Mas não ficaram. Com o tempo passei a perceber a razão disso: perto de Tia Meméia, era impossível ter sentimentos ou até mesmo pensamentos ruins. Havia nela algo que nos levava a ver sempre o lado bom das coisas. Me dei conta disso uma tarde, quando duas meninas estavam se xingando quase ao ponto de se pegarem aos tapas. Pois, quando Tia Meméia se aproximou, elas mudaram completamente o tom de voz e saíram correndo, de mãos dadas, em direção a ela!

Tia Meméia era uma figura muito diferente mesmo: gorducha, bonachona, usava estranhos cabelos vermelhos armados em longas tranças e umas roupas compridas e largas, extremamente coloridas e berrantes. Usava sempre uma enorme sombrinha, multicolorida como um arco-íris, para proteger do sol a sua pele extremamente branca, mas um tanto avermelhada, que tinha um sem número de pequenas sardas espalhadas pelo rosto.

Ela morava numa casinha pequena, num terreno enorme na saída da cidade, com suas companheiras: uma cachorra bege, chamada Fulustreca, e uma égua branca, chamada Pombinha. Estranhamente, quando ela saía, nem mesmo a Fulustreca costumava segui-la, embora o portão da frente estivesse sempre aberto. Aliás, como vim a descobrir depois, a porta da casa nunca era trancada e as janelas permaneciam geralmente escancaradas, estivesse ela em casa ou não.

Bem, aí morava, para mim, não só a Tia Meméia, mas também o maior dos mistérios. Eu tinha uma grande vontade de entrar na casinha dela. Mas as outras crianças não tinham. Convidei diversas delas para tentarmos uma visita surpresa, de bisbilhoteiros mesmo, mas elas nunca se interessaram. A maioria nem sabia onde ficava a tal casinha.

Então eu resolvi aparecer lá sozinho. Uma certa tarde, em que Tia Meméia não apareceu na cidade logo depois do horário do almoço, como usualmente fazia, não tive dúvida. Inventei qualquer coisa em casa e saí apressado, quase correndo, só parando para pedir informações a respeito do lugar onde queria chegar. Em coisa de vinte minutos eu estava lá. Vi de longe a Pombinha pastando solene no amplo gramado atrás da casa. Mas estaquei apreensivo, pois acabava de avistar a Fulustreca, que avançava calmamente em minha direção. Fiquei com medo que ela latisse ou, quem sabe, até tentasse me morder. Nós nunca nos tínhamos visto, eu apenas sabia da existência dela através de Tia Meméia.

Quando vi aquela cachorra de porte médio, de cor bege claro, caminhando para mim, fiquei paralisado junto ao enorme portão escancarado. Mas, para minha enorme surpresa, Fulustreca, quando chegou a dois metros de mim, começou a abanar o rabinho e a me fazer festa, emitindo pequenos ganidos que me pareceram de contentamento. Achei aquilo incrível e ganhei então coragem de me aproximar mais da casa. Fui andando agachado, com um espião infame, que era exatamente o meu papel naquele instante.

A porta da casa estava aberta, a janela ao lado também. Enfiei cuidadosamente a cara através dela, para ver o que tinha lá dentro. Era a janela da sala e ali tudo o que havia eram livros, livros e mais livros: nas estantes, no sofá, sobre as cadeiras, sobre um tapete velho no chão. Nada de apetrechos de bruxa, que é o que eu receava encontrar em minha investigação. Apurei bem o ouvido, tentando deduzir em que peça da casa poderia estar Tia Meméia. A casa era pequena, só podia ter, no máximo, dois quartos.

Foi quando ouvi, distintamente, a voz de Tia Meméia conversando com Pombinha, a égua branca. E notei que Pombinha como que respondia, porque cada vez que Tia Meméia parava, dali um pouco a égua emitia uns relinchos suaves e longos.  Esquisito aquilo, mas na hora fiquei aliviado, porque isso significava que eu podia entrar na casa. Hesitei só um pouquinho, pensando no mau-caratismo do meu gesto, mas já que eu tinha chegado até aquele ponto, achei que não podia mais recuar. E entrei na casa. Que percorri, igualmente agachado e o pé ante pé, peça por peça.

E outra vez, agora para meu claro desapontamento, nenhum sinal de apetrechos de bruxa. Nenhum caldeirão, frascos com poções ou asas de morcego, nenhuma gaiola com corvos ou outros bichos, nem mesmo um gato preto, acompanhante fundamental de uma bruxa que se preze. Nada! Para variar, mais um monte de livros espalhados nos dois quartos. Havia também uma velha máquina de costura, que foi o mais que consegui encontrar de anormal. Finalmente entrei na cozinha, pequena e escrupulosamente limpa, com panelas areadas rebrilhantes penduradas numa parede. Nada de coisas de bruxa também.

E então a grande surpresa e o grande abalo: através da janela aberta da cozinha eu pude divisar Tia Meméia no quintal. Em frente a uma fogueira de lenha, mexendo um enorme caldeirão com uma grande pá de madeira. Ela mexia e cantava, aí parava a cantoria e conversava de novo com Pombinha – e a égua respondia, tenho certeza! E Tia Meméia mexia e remexia o caldeirão sem parar. E dele saía um vapor esbranquiçado e abundante, o que me assustou ainda mais.

Fiquei paralisado de medo. E de decepção. Justo eu, que gostava tanto de Tia Meméia, acabara de descobrir que ela era, realmente, uma bruxa! Sua atividade ao caldeirão não deixava qualquer dúvida. Céus, eu estava correndo um grande perigo! Se ela me descobrisse e soubesse que eu conhecia agora o seu macabro segredo, certamente ela não ia deixar barato. Fiquei gelado ao pensar no que ela poderia me transformar: num sapo, com toda certeza. Mas podia ser ainda pior: numa cobra peçonhenta. Ou numa barata asquerosa. Ou pior ainda, num monte de esterco da égua. Comecei até a sentir meu fedor de esterco, foi horrível.

Numa tentativa desesperada de fuga, me arrojei de barriga no chão e comecei a rastejar para a sala. Meu susto aumentou: Puxa, será que já estou começando a virar cobra?! Mas, na soleira entre a cozinha e a sala, Fulustreca me contemplava imóvel. Vi que agora ela não sacudia o rabinho. Pronto, é agora que eu ia virar uma cobra estraçalhada por um canídeo! Num gesto de desespero, arreganhei meus dentes, para a cadela ver o tamanho que já deveriam ter, àquela altura, as minhas presas cheias de veneno mortal. Fulustreca não mostrou o menor medo. Continuou a me observar com aquela cara de quem está olhando um doido rastejar pelo chão. E nesse momento eu quase tenho uma síncope fulminante, o maior cagaço da minha vida até então: Lá do quintal, a voz de Tia Meméia, com seu timbre agradável, nítido e quase musical, falou MEU NOME!

– Carlinhos, venha aqui no quintal, venha ajudar Tia Meméia.

Eu estava lascado! Tinha sido descoberto! Como, se eu tinha certeza que não me expusera à bruxa? Mas o fato é que ela, confirmando sua condição de feiticeira, tinha sido capaz de me ver ou me pressentir, mesmo estando o tempo todo no quintal, a uns vinte metros da casa e de costas para ela, onde eu me esgueirava corajoso e intrépido como 007.

Que remédio, era melhor atender à sua ordem. Levantei do chão da cozinha. Notei que ele estava estranhamente molhado no lugar onde eu estivera. Olhando melhor, vi que minha calça curta também estava molhada na frente. Céus, eu tinha me mijado de medo! Ia passar a maior vergonha com a bruxa, antes de ser transformado em cobra ou cocô. Mas, afinal, até mesmo uma vergonha dessas fica desimportante quando você está pra enfrentar a ira de uma bruxa má. Mesmo assim, tive um certo pudor. Passei a mão num pano de secar louça e o segurei displicentemente na frente do lugar envergonhado. E fui atender ao comando da feiticeira, morrendo de medo do que ia ver dentro do enorme caldeirão. Pedaços de animais ou pedaços de crianças al sugo?

Fui me aproximando em câmara lenta, tremendo de medo, pensando em manter os olhos fechados até o fim. Foi quando Tia Meméia falou com sua voz alegre de sempre:

– Que bom que você resolveu me visitar justo hoje, Carlinhos. Bem agora quando eu estou precisando de ajuda para mexer esse tacho pra mim. Venha, meu filho, é só por uns dois minutinhos, enquanto eu viro o tacho nas formas.

Tacho? Formas? Resolvi abrir os olhos. O caldeirão não era o dos filmes de bruxa, não era alto e preto. Era igualmente grande, mas era baixo e de cobre brilhante. Surpreendentemente, o cheiro, que eu agora podia sentir, era extremamente agradável e não me era de todo estranho.  E o que Tia Meméia falou então me fez cair das nuvens:

– Pegue a pá e mexa como eu estou fazendo, tem que fazer força, porque eu já dei o ponto e agora a massa está muito pesada. E continue mexendo enquanto eu viro o tacho e faço a massa escorrer para as formas. E aí procure usar a pá para remover a massa do lado do tacho, enquanto ela escorre. Ah, esta pessegada de hoje vai ficar um espetáculo!

Peguei a pá e comecei a mexer a massa do doce de pêssego com determinação e alegria. Meus olhos se encheram de lágrimas. Não me importei, podia botar a culpa no vapor. Mas eu estava comovido e alegre até às lágrimas, porque a minha boa, a minha querida, a minha adorada Tia Meméia não era uma bruxa malvada! Era uma doceira! Eu tinha acabado de descobrir como é que ela ganhava a vida!

Minutos depois eu estava sentado na varanda da frente da casa com minha Tia Meméia. MINHA tia! Ela havia colocado para esfriar uma pequena quantidade de pessegada e agora nós dois comíamos o doce com enorme deleite. Que doce maravilhoso! Eu nunca tinha comido algo tão bom assim... Repeti mais duas vezes, Tia Meméia me servia com evidente satisfação, enquanto passava os dedos carinhosamente entre meus cabelos escorridos. E aí é que veio a surpresa mesmo, tudo virou outra vez na minha cabeça:

– Meu filho, agora você vai no banheiro, toma um banhozinho rápido para tirar esse xixi. Aí você sai enrolado na toalha que eu já vou estar lavando e pondo pra secar essa sua calça curta. O sol está bem forte, vai secar ligeirinho.

Senti minha cara inchar, de tão vermelha que deve ter ficado na hora. Ela sabia! Mas como? E então, como se ouvisse minha pergunta, ela disse calmamente.

– Carlinhos, eu sabia que você vinha aqui hoje, então resolvi antecipar em um dia a minha fabricação caseira de pessegada. Assim eu teria quem me ajudasse na hora H. Sempre tenho que fazer isso sozinha e isso me faz perder um pouco de massa.

Engoli em seco e gaguejei:

– A... a... senhora... a senhora SABIA que eu vinha aqui hoje? Mas como?

– Ora, criança, por que eu sou uma feiticeira, é óbvio. Ou uma bruxa, como eles dizem por aí que eu sou. Pois é verdade, a mais pura verdade.

Voltei a gelar. Um arrepio percorreu minha espinha e eu fiquei totalmente sem voz.

– Não precisa ficar com medo, meu filho. Eu sou uma bruxa, mas sou uma bruxa DO BEM. Eu só uso os meus poderes para ajudar as pessoas, alegrar as crianças, curar os animais, cultivar flores, verduras e frutas. Nós, as bruxas do Bem, temos Dedo Verde, sabe o que é isso?

Fiz com a cabeça que sim, mais aliviado, dedo verde é um dom para fazer as plantes crescerem fortes e saudáveis, eu sabia, tinha lido o livro.

Fui tomar meu banho, Tia Meméia foi lavar minha calça e colocá-la para secar. Durante o curto tempo daquele banho, eu coloquei as minhas idéias e sentimentos no lugar. Sim, não havia mais dúvidas para mim: Tia Meméia era mesmo DO BEM, aliás era mais do que isso, era da Alegria, da Bondade, da Compaixão. Tia Meméia era a coisa mais linda e mais fofa que eu já tinha visto em toda a minha curta vida. Eu adorava aquela mulher, simplesmente! E me decidi: eu ia grudar nela, ia ficar o mais próximo dela que eu pudesse. E naquele momento me deu um enorme desejo de ser como ela, exatamente como ela era.

Saí enrolado na toalha e ela me levou para a varanda de novo. Sentei na mesma cadeira e ela então me falou:

– Carlinhos, hoje todas nós estávamos esperando por você, meu filho. Não é verdade meninas?

Fulustreca sacudiu o rabinho e pulou para o meu colo. Pombinha caminhou até mim, desceu a enorme cabeça até tocar o meu peito e esfregou-se nele três ou quatro vezes. As meninas concordavam!

– E sabe porque isso tudo aconteceu? Porque você foi a única criança desta cidade que teve vontade de vir aqui. E sabe por que nós já sabíamos que você vinha e estávamos à sua espera?

Balbuciei um tímido e ansioso não. Tia Meméia arrematou, então:

– Porque VOCÊ É UM DE NÓS, MENINO! Você é um bruxinho também. E nós viemos para esta cidade, alguns anos antes de você, para preparar as coisas para a sua chegada. Porque você não é só um bruxinho, você é um dos grandes na hierarquia, meu bem. E nós estamos aqui para acelerar agora a sua preparação, a sua longa formação. Você vai me suceder em tudo o que eu faço para a Natureza neste lugar. E depois, quando estiver pronto, vai partir para as suas maiores missões. Entendeu?

Sim eu tinha entendido TUDO. Não só o que ela havia falado naquele instante, como também tudo o que viria depois. Ela ia falando e eu ia vendo tudo com uma clareza infinita. Sim. Eu era um deles. Eu era como Tia Meméia, como Pombinha, como Fulustreca. E vi que eu viria morar ali com elas, a partir do dia seguinte. Ao ir embora hoje, eu levaria uma caixeta de pessegada para minha família. E meus pais e irmãs a comeriam e adorariam. E o filtro mágico faria seu benéfico efeito. Então, já no dia seguinte, viriam todos visitar Tia Meméia. E a amariam. E compreenderiam que tinham que trazer meus pertences com eles, numa malinha.

Sim eu era um deles! Ali era o meu lugar. Com minha Tia Meméia. Tudo ia mudar na minha vida: Enfim eu ia começar a ser eu mesmo!

foto: photopin



SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE - 34         Fev. 3  
MILTON  MACIEL    (A série termina no cap 37)  
(Trabalhando com os Sonhos - 3)  


sábado, 2 de fevereiro de 2013


O DRAMA DE TER COMIDA DEMAIS – 1ª. PARTE     
E suas conseqüência para a saúde e a beleza 
(Adaptado de A SOPA QUÍMICA – MILTON MACIEL, IDEL – 2008)    

   É importante que não se cometa o engano de concluir, simplisti-camente, que as pessoas que têm sobrepeso e as que são obesas são aquelas que comem demais. Porque, na verdade, TODOS comem demais, com exceção das pessoas famintas do mundo, das anoréxicas e daquelas que comem de forma perfeitamente proporcional às suas necessidades diárias – uma raridade absoluta!

   A partir do momento em que se tem acesso a muita comida, disponível em grande quantidade e em incrível variedade, ao alcance do bolso, na geladeira, lanchonete, restaurante ou supermercado, TODOS COMEM DEMAIS. Isso porque comer deixou de ser, há muito tempo, um ato fisiológico de manutenção da vida. O ser humano moderno, desde que com um mínimo de poder aquisitivo, COME PARA TER PRAZER!

   Fazendo uma comparação com nossos ancestrais caçadores-coletores do paleolítico, há uma imensa diferença entre comer a carne de um tamanduá que você, desesperado de fome, conseguiu enfim caçar (e esta é a única opção do menu, talvez por vários dias) e entrar num Mcdonalds, apontar o dedo e fazer a sua escolha (Número 5, com refrigerante e fritas gigantes!), pagar no caixa e, instantes depois, começar a devorar essa “caça” imediatamente na mesinha da lanchonete ou praça de alimentação.

   Ou, quem sabe, num ato de extrema paciência, você vai ao restaurante e espera todo o tempo necessário até que o garçom lhe traga sua porção de coquilles Saint-Jacques. Ou você pode encomendar uma pizza para entrega em domicílio.

   A dona de casa, quando decide o cardápio para o almoço de amanhã, tem que levar em consideração os gostos de toda a família: o marido não come se não tiver feijão e arroz. Os filhos só querem saber de hambúrguer, fritas e refrigerantes. Ela, para variar de regime, tem que se contentar com salada, duas colheres de arroz e 60 gramas de peito de frango grelhado. Já a cunhada, hóspede da casa, é vegetariana macrobiótica.

   Para a noite a coisa pode ser mais simples: o marido vai ter um jantar de negócios numa cantina italiana, a cunhada come na faculdade mesmo, sabe-se lá o que, e as crianças ficam na sala vendo TV, comendo pipoca de microondas, biscoitos doces recheados, cheios de açúcar, talvez rematados com um chocolate em barra. E, se a mãe não ficar atenta, lá vão elas para o refrigerante de novo.

   Uma visão mais atualizada do novo tipo de caçador-coletor dos dias de hoje pode ser encontrada no supermercado. Com seu carrinho de compras, ele coleta pacotes e mais pacotes de comida industrializada, garrafas e mais garrafas de estranhas beberagens com açúcar e/ou álcool, alguns poucos tipos de frutas que saíram das árvores há muitos dias e viajaram centenas ou milhares de quilômetros até ali.

   Ele também “caça” animais – previamente cortados em pedaços e embalados ao quilo, muitos deles congelados, como aquelas estranhas aves esbranquiçadas que, na nova ‘natureza’, ocorrem em gôndolas refrigeradas, em bandos imóveis e empilhados. Basicamente a nova caça e coleta dependem agora de saldo no cartão de crédito e combustível no carro para o transporte.

   É um exemplo bem sugestivo, esse da carne de aves.

   Para os nossos ancestrais, isso queria dizer carne de qualquer ave silvestre que conseguissem caçar, dentre as centenas que estavam ao alcance de suas flechas, pedras ou armadilhas. Viviam livres, exercitavam-se, voavam, eram magras e esbeltas.

   Para nós, carne de ave quer dizer, quase exclusivamente, carne de frangos criados em confinamento, alimentados somente com grãos (via rações industriais), estimulados com hormônios, defendidos preventivamente com antibióticos e sacrificados com um mês e meio de vida em linhas industriais que os abatem à taxa de 200 mil a meio milhão por dia, por abatedouro. Foi-se a diversidade de espécies, vieram a gordura saturada extrema, os resíduos de agrotóxicos nos grãos que originaram a ração industrial e os resíduos de antibióticos e hormônios que passam para nós através de sua carne, como se vê na abordagem que será feita ao Desequilíbrio Residual.

   Nossas aves são diferentes das de nossos antecessores: vivem presas, não voam mais, não se exercitam, são gordas, poluídas por resíduos químicos e biológicos (salmonelas, por exemplo) e sujeitas a muitas doenças. Como óbvia conseqüência, suas carnes nos fazem gordos – ou obesos – e suscetíveis a muitas doenças, como as que se menciona neste trabalho.

  Situação muito semelhante ocorre quando comparamos os OVOS consumidos nas duas dietas.

   Para os caçadores-coletores paleolíticos (que é o que nós somos, ainda hoje, constitucionalmente, geneticamente) ovos eram apanhados diretamente dos ninhos das aves, no alto das árvores, que eles tinham que escalar. E comidos de imediato, fresquinhos e crus!

  Mas para nós, os modernos, ovos são especificamente os produzidos por galinhas criadas em gaiolas suspensas, em grandes confinamentos com dezenas ou centenas de milhares de aves apinhadas, comendo ração à base exclusiva de grãos e, obviamente, recebendo também doses de hormônios e antibióticos através dessas rações. A diferença é que não precisamos mais subir nas árvores para consegui-los.

   Para todos os efeitos, ovos são, para nós, alimentos de formato característico ovóide, que dão em caixinhas de plástico expandido ou de papelão, em dúzia exatas, encontráveis nos supermercados. Para obtê-los, ao invés do desconforto de trepar em árvores, precisamos apenas dirigir nossos automóveis até o supermercado mais próximo, gastando para isso uma certa quantidade de petróleo, às vezes similar àquela que foi gasta para produzir, embalar e transportar esses ovos até colocá-los ao alcance do nosso cartão de crédito.

   Como os pregos, os tapetes ou os telefones celulares, ovos são simplesmente produtos industrializados, produzidos em grandes linhas de montagem. De vez em quando acontecem alguns problemas numa dessas linhas e é preciso, como com qualquer produto industrial, produzir um recall de ovos com defeito – o mais comum deles, que hoje produz um medo considerável nos consumidores mais esclarecidos, sendo a contaminação com Salmonelas.

   Para centenas de milhões de crianças urbanas, ovos e frangos são, efetivamente, coisas que dão em supermercados: os ovos nascem em dúzias dentro de caixinhas e os frangos são aquelas coisas esquisitas, peladas, esbranquiçadas, sem pé nem cabeça, envoltas em plástico com muita água congelada por dentro, que dão em gôndolas refrigeradas de supermercado. Do animal em si, formam uma idéia aproximada, mais para as imagens vistas em desenhos animados da TV ou filmes de animação digital dos cinemas, do que para a realidade do bicho galináceo.

   Comparado com o nosso ancestral e seu tamanduá, nosso moderno “caçador-coletor de supermercado’ tem todas as vantagens, exceto uma: saúde. Não corre perigo constante de virar caça, como o outro corria. Os únicos riscos que tem ocasionalmente que enfrentar são o de levar uma multa por estacionamento proibido ou ter que encarar um assaltante tardio no caminho de casa, tornando-se, neste casos, sim, caça por sua vez, nas mãos armadas de um moderno predador.

   Mas, no quesito saúde, a coisa deixa muito a desejar. A enorme diversidade de coisas gostosas – que quer dizer ‘com gosto bom’, o que significa: que dão prazer! – e a grande acessibilidade desse manancial de alimentos ofertados aos milhares nas prateleiras, leva o consumidor ao erro quantitativo. Literalmente, ele se entope de comidas ‘gostosas’, refrigerantes, cervejas, uísques e doces.

   Os que têm tendência genética à obesidade, com maior compulsão a esse tipo de prazer oral, engordam mais e mais, como conseqüência. Os normais e os magros (ou seja, com genética mais favorável – ou desfavorável para o outro lado, o da magreza excessiva) igualmente se entopem dessas coisas a pretexto de alimentação. Apenas que estes eliminam mais facilmente os excessos pelos intestinos e bexiga, de forma que dão mais trabalho é para a companhia de esgotos da municipalidade. Nas cidades modernas, a conversão de alimentos em excrementos ocorre em uma taxa tão gigantesca quanto lamentável, escandalosa mesmo.

   Nossos ancestrais do paleolítico tinham que se movimentar todos os dias, se quisessem encontrar comida e água. Ainda não havia sequer o “ganharás o teu pão com o suor do teu rosto”, posto que não havia pão algum ainda. Comer e beber eram obrigatoriamente atos que demandavam esforço físico, muitas vezes extremo. Neanderthais ou Cro-magnons, eles faziam academia de graça, malhavam o tempo inteiro, comiam dietas total e absolutamente equilibradas para os seus corpos e estes, portanto, era saradíssimos! Caçador-coletor barrigudo não podia existir: simplesmente não conseguiria sobreviver como caçador, que dirá conseguir escapar à outra face da caçada: a possibilidade, sempre presente nas matas e savanas, de virar caça de um minuto para o outro.

   Hoje, comer e beber exige ainda esforço físico: sentar-se à mesa e mastigar! E, mais estafante ainda, brandir garfo e faca sobre o prato continuamente. Ou, ainda pior, ter o desgaste de andar até o refrigerador ou até o microondas. Isso sem falar no horror que representa o desgaste muscular de abrir as embalagens e – supremo sacrifício – transportar sacolas de compras até o porta-malas do carro e, deste, numa jornada ingente, carregá-las para dentro de casa, muitas vezes tendo o desgaste adicional de enfrentar um lance de escadas ou vários andares de elevador. Ufa!






SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE - 33         Fev. 2
MILTON  MACIEL
(Trabalhando com os Sonhos - 2)


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

DIA DE LUTO NACIONAL  
MILTON  MACIEL



DIA DE LUTO NACIONAL:

A PRESIDÊNCIA DE CALHEIROS,

NO SENADO FEDERAL,

É UM ESCÁRNIO AOS BRASILEIROS!


MAS, MESMO ASSIM, NINGUÉM VÊ

QUE O INIMIGO É O PMDB!


QUEM NOS HÁ DE LER?  
MILTON  MACIEL

Internet. E-mails, Google. Redes sociais. Internetês. Comunicação massificada, difusão ultra-democrática do conhecimento. Maravilhas!

Contudo, acompanhando a evolução da linguagem praticada através das infovias, há que se ter um pouco de preocupação também. Por um lado se enriquece a língua portuguesa com centenas e centenas de neologismos. Por outro lado, se empobrece o idioma à medida que as crianças e os jovens, ao se acostumarem à essa que vai ser a nova linguagem  – irreversivelmente, creio eu – se desacostumam da riqueza vocabular do nosso idioma, tão ciosamente preservada ao longo de séculos por nossa literatura e pelo esforçado ensino do Português em nossas escolas.

Tenho tido muita proximidade com professores e estudantes de nível básico e médio, numa parte do Brasil tida como bem aculturada: o Sul. E o que constamos, eles e eu, é que o hábito da leitura, tal qual o conhecemos por centenas de gerações, está mudando rápida e drasticamente. A leitura de livros se tornou mais e mais desinteressante para estas novas gerações. Elas migraram para a Internet, onde passam muitas horas do dia, justamente aquelas de que dispõem quando não estão assistindo televisão. Ou seja, estão sempre em frente a um ou outro tipo de tela, o que eu apelidei de TELA-educação.

Com seu batalhão de tablets, smart phones, netbooks e notebooks – tornados cada vez mais acessíveis a quase todos, em casa e na escola, (e isso é bom!) – os jovens, cada vez mais conectados à Internet e interligados pelas redes sociais, tendem a ler somente os livros que lhes são exigidos, impostos mesmo, pelos professores.

Precisamos estar à altura de reconhecer este fenômeno e abordá-lo de uma forma criativa, para tentar aprender com ele e descobrir como corrigir facetas eventualmente negativas; e investir no inegável potencial positivo que ele encerra.

Esse movimento, esta rápida transição, é de fato irreversível. Não podemos observá-lo com saudosismo ou pessimismo somente. Essas crianças e adolescentes, esses jovens adultos também, são os leitores de hoje e de amanhã. E eles estão maciçamente na Internet hoje.

Então é na Internet que nós devemos IR DE ENCONTRO a eles. É nos computadores, grandes ou pequenos (como os telefones inteligentes) que nós temos que nos comunicar com eles. Há toda uma nova linguagem a aprender e a desenvolver. O esforço deve ser nosso, enquanto educadores. Nós não vamos mais conseguir impor os mesmos valores e metodologias que serviram de esteio à nossa geração e às dos nossos pais e avós.

Lembro-me que, na terceira série do primeiro grau, eu costumava inventar mil pretextos para sair da aula e me enfiar, muitas vezes escondido, na biblioteca da escola. Ensinaram-me a ler muito cedo e ensinaram-me a ler livros. Eu ansiava por eles, queria ler todos os livros da biblioteca ao mesmo tempo! E essa era a única biblioteca a que eu tinha acesso com aquela idade.

Mas hoje tudo é muito diferente. Para todos, inclusive as crianças, existe a Internet e existem os buscadores como o Google. Bibliotecas inteiras podem ser arquivadas em telefones celulares. Porque, felizmente, agora existe o e-book.

Contudo, o que me preocupa é o tipo de leitor que nós, educadores e escritores, vamos encontrar nesse futuro que já está chegando. Qual vai ser o universo cultural desse novo leitor médio? Ainda temos gerações que passaram pelos bancos escolares e aprenderam a ler livros. Mas estas gerações serão – e já estão sendo – inevitavelmente substituídas pelas novas gerações de REDE-LEITORES (netreaders), um pessoal que só lê em telas de dispositivos eletrônicos.

E, mesmo que eles leiam o que publicamos na rede, como textos avulsos ou como e-books, que LINGUAGEM usaremos? Vamos ter, por exemplo, que baixar o nível vocabular e semântico de nossa comunicação para nos adaptarmos a um universo de crescente empobrecimento do vernáculo e, paradoxalmente, a seu crescente enriquecimento com neologismos incorporados às centenas celeremente, a maior parte meras adaptações de termos técnicos novos ou apenas anglicismos inevitáveis – em grande número e, pelo geral, de forma sintetizada ou abreviada.

Como escritor e como educador, preocupa-me o perfil do meu leitor daqui para a frente. Por enquanto ainda tenho leitores da – digamos – ‘velha guarda’. Só que essa ‘velha guarda’ tem todas as idades, inclusive gente bem jovem, pois esses foram os que aprenderam desde cedo a ler e a amar livros, os bons e velhos livros de papel, que constituíram sempre o nosso universo de leitura.

Mas os tempos mudaram. Muitas das pessoas que, pouco tempo atrás, você veria nas ruas e parques com livros nas mãos, hoje você encontra é às voltas com tablets e celulares, lendo também. Mas lendo o que? E em que linguagem?

Grande parte está lendo e-mails, lendo e mandando mensagem de texto, vidradas em Facebooks ou Orkuts. Até mesmo ao atravessar ruas ou ao dirigir carros! Sim, essa pessoas estão lendo. Mas... o que? E, quando estão em casa? E quando querem ler por puro prazer, qual será a sua leitura?

Aí está o grande desafio que se apresenta a todos nós como escritores, educadores e como mães e pais esclarecidos e responsáveis. Há uma revolução em curso. Isso é inegável. Isso não é mais futuro, já é presente. E a pergunta que se impõe é:

COMO VAMOS ENSINAR NOSSAS CRIANÇAS A LER NESTES NOVOS TEMPOS?

Vai ter que ser valorizando o livro de papel, mas, em grande parte, terá que ser também pelas infovias, onde o pessoal da ‘velha guarda’ da leitura (insisto: que tem hoje de 6 a 90 anos de idade), está trocando rapidamente o livro impresso pelo e-book.

Mas pouco importa se é impresso ou e-book: é LIVRO! E como vamos conseguir que esta nova forma de leitor, de ciber-leitor, de rede-leitor, se interesse por ler LIVROS? Esse é o desafio em si. Ou será que é o próprio conceito de LIVRO que vai mudar, engolido pela nova realidade?

Para citar apenas um exemplo, num dos livros que estou escrevendo no momento comoghost-writer, para um cliente de área técnica, estou incorporando quadros e imagens coloridas fantásticos, fotografias (policromias que inviabilizariam um livro impresso, certamente), ANIMAÇÕES flash e VÍDEOS. Além disso, há links no livro que levam aowebsite do meu cliente, para aprofundar o diálogo com o leitor e criar vínculos comerciais potenciais. E, nas referências bibliográficas, grande parte da lista é formada por links ativos, que levam o leitor diretamente para os artigos publicados ali referidos. Claro, isso na versão E-BOOK. Mas... que livro é esse? Sim, sem sombra de dúvida, um NOVO LIVRO, um livro vivo e interativo e que, para completar, vai ser atualizado MENSALMENTE. Ou seja, a tal da nova edição, revista e ampliada, torna-se simplesmente automática.

Mas, deixando de lado esse caso em particular, e pensando em todo tipo de literatura e livro, não-ficção e ficção, volto à pergunta do título:

QUEM NOS HÁ DE LER?... E... Como vamos escrever para eles?  (MM)
SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE - 32         Fev 1
MILTON  MACIEL
(Trabalhando com os sonhos - 1)