quinta-feira, 10 de outubro de 2024

O GHOSTWRITER E SEU MERCADO DE TRABALHO-2

O Ghostwriter e seu mercado de trabalho-2

MILTON MACIEL – Escritor, editor e ghostwriter bilingue. Editor-chefe da Revista ESCREVER. Coordenador da EIDEL – Escola Internacional do Escritor Lusófono.

No primeiro artigo desta série relatei alguns eventos mais incomuns de minha carreira de ghost writer. Agora quero dar atenção a outros assuntos que interessam diretamente a quem já é e a quem deseja tornar-se esse tipo de ‘fantasminha camarada’.

Em primeiro lugar, vamos estabelecer algumas diferenças e caracterizar o que é um ghost writer exatamente.

O QUE FAZ UM GHOSTWRITER?

O GHOSTWRITER escreve o livro todo para você e você fica com o crédito da autoria. Ponto final.

Um COAUTOR escreve um livro JUNTO com você, o crédito autoral é de AMBOS.

Um EDITOR de desenvolvimento melhora o livro que você JÁ escreveu. O crédito autoral é seu.

Um MENTOR de escrita ajuda você a escrever o livro do início ao fim, oferecendo orientação teórica e prática, aconselhamento e revisões, ajudando-o a tornar-se de fato um escritor profissional. O crédito autoral é todo seu.

Muitas vezes o cliente acha que precisa apenas de um editor de desenvolvimento, quando, na verdade, o que ele precisa é mesmo de um ghostwriter para fazer todo o trabalho inicial. Mais de uma vez, trabalhando para editoras de São Paulo no papel de editor de desenvolvimento autônomo, tive que recomendar a adoção de um ghost writer para REESCREVER TUDO.

 

O que acontecia: a IDEIA do livro era muito boa, tão boa que o sucesso comercial estava garantido. Mas a forma de estruturar e a forma de escrever do autor era um desastre total. E, com isso, ele matava para si e para a editora uma potencial galinha dos ovos de ouro. Nesse caso, trabalhando-se com cuidado o amor-próprio ferido dos autores e adotando-se o ghostwriting, os resultados finais foram sucessos de vendas em suas respectivas categorias.

Outras vezes o cliente acha que precisa de um ghostwriter quando o que lhe é mais conveniente é um mentor de escrita. A gente percebe que o autor está no meio do caminho – nem estrutura da obra, nem escrita são primárias e vale a pena investir na formação do profissional. Por quê? Porque para a casa publicadora todo o investimento que vai ser feito na promoção desse autor e de seu primeiro livro terá um retorno muito maior se ele for capaz de continuar escrevendo novos livros para mesma editora. Aproveita-se o investimento inicial no autor, que não é pequeno.

Cabe à agência de ghostwriting, ou ao profissional individual de ghostwriting, ‘educar’ o cliente potencial e discutir com ele quais suas reais necessidades e o que lhe pode ser proposto como serviços.

TIPOS DE GHOSTWRITERS

Nos parágrafos acima eu me referi a trabalhos com LIVROS e editoras. Contudo não se restringe o campo do ghostwriting somente a livros.

Há um enorme campo na escrita de conteúdo para mídias sociais; para newsletters, blogs e sites; teses acadêmicas, artigos profissionais de negócios, artigos para revistas, assessoria de publicações e discursos para políticos, marketing de conteúdo, infográficos e ebooks-ímãs para e-mail marketing. Podemos fazer a seguinte divisão:

1 – Ghostwriters de memórias e biografias, experientes em contar histórias de pessoas, famílias, empresários, políticos e famosos. Devem ser excelentes nas suas técnicas de entrevista e pesquisa dos históricos abrangentes das personalidades envolvidas, dos períodos históricos, hábitos, costumes e preconceitos de décadas atrás. A pesquisa geográfica também pode ser muito intensa, em função das locações nacionais e estrangeiras dos segmentos das histórias.

2 – Ghostwriters de ficção. São profissionais que escrevem romances e séries dos mais variados gêneros, como policial, mistério, erótica, românticos, históricos, entregando o produto pronto para o cliente simplesmente colocar seu nome como autor. É essencial que sejam muito bons como ficcionistas, conhecendo a fundo as técnicas de escrita e as exigências dos leitores de cada gênero e subgênero que cobrem.

      Em alguns casos faz-se necessária a combinação desses dois primeiros tipos de escritor fantasma em um só. Vou dar um exemplo prático:

No primeiro artigo desta série, fiz referência à obra A GUERRA DE JACQUES, que comecei a escrever como ghostwriter e terminei na qualidade de coautor, a pedido dos clientes, materializando-se o fantasma.

O que tínhamos neste caso, como ponto de partida, era um digesto de 80 páginas que os clientes elaboraram com resumos, em ordem cronológica, dos acontecimentos reais da vida de seus pais durante a 2ª Guerra Mundial. Em cima disso realizamos várias sessões semanais por Zoom, discutindo capítula a capítulo, à medida que eu os escrevia.

Fui contratado para ROMANCEAR esses fatos reais e transformar essa memória ‘mecânica’ num livro de “ficção”, com emoção, suspense e amor. Consegui passar de 400 páginas!

Para você ter uma ideia do trabalho de pesquisa necessário, só de livros de memórias de pilotos sobre batalhas aéreas eu li quatro (e em duas semanas!): dois de pilotos alemães, um de um britânico, outro de um norteamericano. Tive que estudar os tipos de avião usados, Stukas, Messerschmidt BF109G, Spitfires, fortaleza voadora B29 e seus respectivos armamentos, bombas, tripulações e formas de combate. E os saltos de paraquedas, a sobrevivência à queda no mar, o resgate e a troca de pilotos abatidos.

Tudo isso para depois criar só DUAS batalhas aéreas de 9 páginas cada uma, num livro com um total de 408 páginas!

Tive que estudar a dura realidade do trabalho escravo a que eram submetidos os civis dos países invadidos, levados para minas, fábricas e campos agrícolas em outros países. E a ainda mais tétrica realidade dos campos de concentração e extermínio. Tive que ler muito sobre os bombardeios em que mais de 1000 aviões surgiam sobre uma cidade e a reduziam a incêndios, escombros, destruição e mortes de milhares de civis inocentes.

Tive que conhecer por dentro todos os detalhes externos e internos da catedral católica de Bruxelas, onde fiz celebrar um casamento, com direito a órgão e a vitrais fantasmagóricos. E, no final da guerra, bairros de Paris e toda a Rio de Janeiro e São Paulo do final dos anos 40 e início dos 50 do século passado.

E isso tudo é só um pálido resumo do trabalho desenvolvido. Por aí você pode concluir que, com mais do que justa razão, um tipo de ghostwriting assim tão amplo e complexo não pode ter um preço “econômico”.

3 – Ghostwriters técnicos. São experts das mais diversas áreas, desde ensino, ciência, indústria, negócios, TI, marketing. Aqui realmente o profissional tem que ter um perfil afim com o ramo tecnológico que vai cobrir, caso contrário não conseguirá se entender com os clientes, sua linguagem e  sua realidade profissional e técnica. Podem produzir excelentes catálogos, manuais técnicos, instruções de uso

Nesse caso, é cada macaco no seu galho. Eu já citei minha participação, nos EUA, como ghostwriter de textos de ensino de química e de agricultura orgânica. Já no Brasil, meu background técnico levou-me, a ser contratado para escrever um livro de medicina, porém num nível de divulgação científica.

A pesquisa envolvida também foi imensa. E, como ela acaba sendo praticamente toda em inglês, o passo lógico seguinte foi eu verter para o inglês a mesma obra e, sempre como ghostwriter, subi-la na Amazon para o cliente.

Fui sondado para atuar como ghost para livros de negócios. Declinei imediatamente. Não tenho a menor competência e nem a mínima sintonia. Mas tenho um portfólio de colegas dessa especialização para indicar.

4 – Ghostwriters de Mídias Sociais. Ah, esses são ases no desenvolvimento de newsletters, blogs, sites, sabem ocupar Instagrams e Facebooks da vida com matérias que mantêm vivo o interesse dos leitores e a satisfação de seus clientes, cujas personas mercadológicas conseguem incorporar, como bons fantasmas que são. Entendem de SEO e sabem dar voz a uma empresa e a  seus produtos.

5 – Ghostwriters genéricos. Como o adjetivo sugere (e, não, não é depreciativo!), o genérico aqui quer dizer eclético, polivalente, tipo pau pra toda obra, que não são experts em algum campo técnico em especial e por isso podem trabalhar em textos mais gerais, de matérias avulsas para propaganda a ebooks inteiros para email marketing.

(CONTINUA)

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