LECTINAS DOS CEREAIS PODEM CAUSAR RESISTÊNCIA À LEPTINA
MILTON MACIEL
(excerto de ‘A SOPA QUÍMICA, Nossa Alimentação
Suicida)
Uma nova linha de investigação científica
dos pesquisadores da Universidade de Lund, Suécia, está apontando para a
possibilidade de uma interação negativa das lectinas presentes nos alimentos da
dieta contemporânea com o funcionamento da leptina,
nosso hormônio da saciedade.
Observações anteriores, como o estudo de Kitava, demonstraram cabalmente que as
chamadas ‘moléstias da afluência’ são totalmente inexistentes entre grupos
humanos que, ainda hoje, seguem os padrões de uma dieta natural paleolítica,
recusando-se a passar para a prática da agricultura e, consequentemente,
deixando de usar os alimentos do neolítico que esta produz.
Há, portanto, evidência que as doenças da
afluência, como as cardiovasculares, a obesidade e o diabetes, devem ser
ocasionadas por algum fator que é específico das sociedades agrárias. O grupo
de Lund propõe que a dieta predominantemente baseada em cereais é esse fator específico.
Como um grande número de investigações
arqueológicas, às quais se aplicou a biologia molecular evolutiva, permitiram
demonstrar, o sistema humano de leptina
não está ainda especificamente
adaptado a uma dieta baseada em
cereais. A resistência à leptina dela decorrente é um claro
indicativo dessa inadaptação.
O estudo de Lund sugere que as lectinas,
proteínas de defesa dos cereais e leguminosas, são os constituintes da dieta
agrária suficientemente agressivo s para
causar a resistência à leptina, que
é, como já vimos, uma insensibilidade adquirida a altos níveis de leptina.
A leptina, produzida pelas células adiposas,
leva ao hipotálamo o sinal para que do cérebro saia o comando para que o
indivíduo pare imediatamente de comer. O mesmo comando habilita a estocagem do
excedente de açúcar como gordura nova a ser guardada nos adipócitos, o que
ajuda a proteger os tecidos periféricos não-adiposos dos efeitos tóxicos da
sobrecarga lipídica intracelular. Mas os
efeitos da leptina não se resumem apenas a conduzir o sinal químico que ordena
a saciedade e manda estocar a gordura nos adipócitos.
Ela também serve para regular o crescimento
dos ossos e dos vasos sanguíneos, afeta o sistema imunológico e o sistema
reprodutor. É, portanto, um hormônio muito mais importante do que se imaginou a
princípio.
Quando seu efeito de produzir saciedade foi
descoberto, acreditou-se que, enfim, estava ali a cura para a obesidade.
Bastaria fazer aplicações periféricas do hormônio e as pessoas iriam logo
perder apetite e peso. Isso, pelo menos, era o que acontecia com cobaias de
laboratório.
Mas isso não funcionou com os humanos.
Injetar o hormônio da saciedade em pessoas obesas não produzia o efeito
desejado. A observação desse fenômeno foi seguida pela descoberta que os obesos
(e mesmo pessoas com sobrepeso que ainda não chegaram à obesidade) tinham taxas
de leptina muito mais elevadas no sangue do que pessoas de peso normal. E essa
presença confirmada do hormônio da saciedade em altos níveis simplesmente não
estava resolvendo o problema, ou seja, a pessoa não se sentia saciada e comia
ainda mais. Aplicar mais leptina nessas pessoas não produz resultado algum.
Contudo, produz resultados nos roedores,
incluídos os gorduchos entre eles. Ora, roedores são eméritos comedores de
grãos e suas farinhas. Conclui-se, que eles já
tiveram tempo de se adaptar ao fator lectina dos cereais, coisa que os
humanos ainda hoje não conseguiram. Isso é fácil de entender quando se
considera o quanto a vida desses animais de laboratório é curta quando
comparada com a vida humana média.
Desde que a agricultura e a criação foram
desenvolvidas, passaram-se no máximo 500 gerações humanas. Em alguns lugares do
planeta, a agricultura chegou muito mais tarde ainda, o equivalente a apenas
100 gerações. Ora, isso é muito pouco tempo para que se dê uma mutação genética
num genoma de 125 mil gerações.
Mas, para os roedores, alguns poucos
milhares de anos significam vários milhares
de gerações. Isso explica por que razão eles podem responder à leptina aplicada
perifericamente: já tiveram tempo suficiente para se adaptar aos grãos e suas
cargas tóxicas de inibidores de tripsina e de lectinas defensivas. Nós, os
humanos, ainda não tivemos esse tempo.
A pesquisa de Lund mostra que essa falta de
adaptação tem a ver com a ação das lectinas sobre o sistema da leptina. O
estudo da evolução molecular da
leptina mostra que o gene humano da leptina não mudou significativamente desde
a emergência dos nossos ancestrais hominoides, há milhões de anos. E, enquanto
roedores e aves conseguiram desenvolver uma adaptação bem sucedida às sementes
de gramíneas e leguminosas, nós ainda não tivemos tempo – não tivemos um número
de gerações sucessivas suficiente para permitir a mudança completa da resposta
genética, gerando adaptabilidade.
Os estudos da evolução molecular da leptina
comprovaram que a diferença de resultados quando da aplicação de leptina em
humanos e em roedores de laboratório é devida à existência de adaptação por
parte desses animais, ao passo que a adaptação humana ainda não aconteceu.
Ou seja, embora o mecanismo de busca de
adaptação a uma dieta que depende maciçamente de cereais esteja evidentemente
em andamento, ele é, todavia, lento demais.
Um dos mecanismos através do qual agem as
lectinas dos grãos e também dos laticínios, ainda mais os fabricados a partir
de vacas alimentadas com grãos (rações atuais com milho e soja; farelo de
trigo), parece ser a ligação ao receptor de leptina.
Isso porque a leptina não é glicosilada, mas o receptor de leptina o é. As
lectinas aderem à partes de açúcar das moléculas na membrana de um receptor (da
mesma forma altamente prejudicial que o fazem nas células do intestino delgado)
e alteram sua função.
As lectinas dos cereais, por exemplo, são altamente
específicas para eles e estão presentes abundantemente em nossa dieta atual.
Elas são capazes de se ligar a estruturas glicosiladas nas células dos vilos
intestinais, desvirtuando a barreira defensiva e invadindo a corrente
sanguínea, onde serão tratadas como antígeno, provocando resposta imediata. Uma
vez distribuídas pelo sangue, as lectinas dos cereais podem se ligar a
estruturas glicosiladas de vários receptores, não só o de leptina, como também
o de insulina, o receptor do fator de crescimento dérmico e o receptor de
interleucina-2.
As lectinas de
cereais podem, portanto, causar resistência à leptina diretamente, ligando-se
ao seu receptor e impedindo o recebimento normal do hormônio, que passa a se
concentrar no sangue também. Mas o fato de as lectinas afetarem também os
receptores de outros hormônios, como
acima citado, faz supor que elas podem ter mais do que a ação direta sobre o
receptor de leptina. Elas podem ocasionar outros tipos de transtorno hormonal e
metabólico, que podem, por sua vez, ter influência indireta sobre a própria
resistência à leptina.
A SOPA QUÍMICA – Milton
Maciel – 3ª edição, IDEL, São Paulo, 2018 – pgs. 84 a 88)