sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A  PEQUENA WANG LI  丽  
MILTON MACIEL

A pequena Wang Li empunhou com coragem o carrinho de mão. Pai tinha que trabalhar na lavoura de arroz. Mãe ainda tinha que ordenhar mais cabras. Mas o leite para entregar ao caminhão de Zhang Wei já estava ali no latão, quente dentro do carrinho.

Muito pesado para os seis anos de Wang Li! Muito longe para seus pezinhos, mais de um quilômetro empurrando aquele tambor de leite, a roda do carro de mão chafurdando no barro do caminho, época de chuvas. E de frio, muito frio. A pequena Wang Li largou o carrinho, soprou bafo quente em suas mãos duras de frio. Depois retomou a marcha, com o típico estoicismo que as crianças do campo aprendem com seus pais na China. 

Com as chuvas, o caminhão de Zhang Wei só podia chegar até aquele ponto tão distante. E ninguém mais podia levar o leite de Pai e Mãe para Zhang Wei vender. Só a pequena Wang Li. Consciente de sua importância no processo de ganha-pão da família, a garotinha apressou o passo e ainda conseguiu sorrir, apesar do esforço enorme que fazia. Pai ia ficar feliz com sua filha!

Foi quando passou pela beira do pequeno lago que viu a libélula. O animalzinho se debatia dentro d’água, batia as asas e as patinhas, de borco sobre a superfície. O coração de Wang Li apertou. A libélula parecia estar muito cansada. Ia morrer. Que dó! Tão bonita...

Não, o pequeno inseto não ia morrer! Não enquanto ela, Wang Li, estivesse ali. Apanhou um graveto, o maior que encontrou por perto, e se aproximou da água. Não, muito longe! A distância era três vezes maior que a altura dela. Já contando o graveto.

Então ela viu o pedaço de tronco boiando ali na beira. Wang Li não sabia nadar. Colocou os pés na água e ela estava gelo puro. Mas Wang Li achou que aprenderia a boiar com o pedaço de tronco. O lago era fundo. Mãe sempre dizia para ela ficar longe da beira. Mas agora ela não podia obedecer Mãe. O animalzinho ia morrer. E, assim como só ela podia levar o leite para Zhang Wei, só ela podia salvar a libélula agora.

E a pequena Wang Li entrou resoluta na água gelada. Perdeu o fôlego, se assustou porque afundava, mas agarrou-se com força no tronco que boiava. O tronco não afundou. Wang Li era muito pequena e muito magra, o tronco nem se deu conta que ela estava agarrada nele. E ela, intuitivamente, começou a mover suas pernas e o braço livre, precisava chegar na libélula antes que ela desistisse de viver.

Mas  Wang Li não tinha muita força nas pernas e nos braços. E não sabia o que fazer com eles, por isso demorou muito tempo até conseguir chegar onde estava o inseto. A pequena Wang Li não tinha força, mas era muito forte. Sua vontade era uma só e isso a fazia lutar sem parar: ela ia salvar a libélula!

E conseguiu chegar até ela, com o corpo todo quase congelando. Ela sentia muito frio, seus dentinhos batiam. Mas ela sabia que a libélula também sentia muito frio. E que a libélula só podia contar com Wang Li.

Os lábios roxos se abriram num sorriso, a mão direita mergulhou por baixo da libélula e a ergueu triunfante. Levou a mão perto da boca e começou a soprar bafo quente no bichinho. E a libélula começou a dar sinais que reagia, começou a mover suas asinhas com mais intensidade.

Wang Li pousou o inseto no tronco e começou a duríssima jornada de volta à margem. Não sentia mais as pontas do pés, as mãos estavam duras, o corpo todo tremia. E ainda tinha que cuidar para que o tronco não girasse, para não levar a libélula para a água de novo.

Quanto tempo ela persistiu no seu esforço sobre-humano, a pequena Wang Li não podia saber. Mas Wang Li era uma lutadora. E ela e sua libélula chegaram à margem. E saíram as duas da água! Ficaram ambas sobre a relva, exaustas, enregeladas, o tímido sol que ameaçava sair não as podia aquecer. 

Foi quando a pequena Wang Li ouviu o barulho do caminhão de Zhang Wei, lá longe na estrada. O caminhão parou, esperou um minuto e foi embora!

Não, Pai não ia ficar contente com sua filha. A pequena Wang Li tinha fracassado! O leite estava perdido, Zhang Wei só passaria ali depois de dois dias. Os lábios roxos da menina se abriram para deixar sair muitos soluços. Wang Li chorava. Pai ia ficar triste. Mãe ia ficar brava. Wang Li merecia castigo. Ficou com medo. Mãe ia castigar Wang Li. Se pudesse, não voltaria mais para casa.

Mas não podia. Tinha que voltar e contar a verdade. Suportar o castigo. Que Mãe batesse não importava tanto. Que Pai ficasse triste por causa do leite perdido, por causa do dinheiro que ia faltar... isso deixava Wang Li desesperada.

Colheu a libélula outra vez na mão direita, encobriu-a com a esquerda, fez uma concha, voltou a soprar bafo quente nela. Achou que ao menos a libélula devia estar contente. Wang Li ficaria muito contente também, se não tivesse que voltar para casa levando a terrível notícia.

Fez um esforço inacreditável, ergueu-se do chão. Então lembrou que o leite no latão ainda devia estar um tanto quente, saia fumegante das tetas das cabras. Tirou a tampa do latão com enorme dificuldade, muito dura para a pequena Wang Li. Mas ela não desistia nunca e acabou conseguindo girar a grande tampa. O vapor fumegante saiu de dentro do latão.

Wang Li mergulhou ali suas duas mãozinhas enregeladas e sentiu o calor maravilhoso a lhe devolver os movimentos. Depois fez concha com as mãos e começou a beber o leite morno. Achou que isso lhe daria mais forças.

Abaixou-se, apanhou a libélula que ainda não tinha forças para voar e a afastou do carrinho mais um pouco. Não queria molhá-la. Então voltou ao latão e começou a tirar com as mãos em concha o leite morno e a jogar sobre seu corpo gelado e sobre seus pés endurecidos. Ah, que sensação maravilhosa!

Quando achou que havia esvaziado muito mais da metade do latão, experimentou erguê-lo. Não tinha forças para isso, mas tinha que tentar... Conseguiu! E, então, começou a verter vagarosamente o resto do conteúdo do latão sobre o resto do seu pequeno corpo sofrido,a começar pelo alto da cabeça.

Minutos depois, a pequena Wang Li caminhava vagarosamente empurrando o carrinho de mão. Agora estava leve, todo o leite tinha sido derramado!

Toda molhada, suja de barro e leite da cabeça aos pés, o cabelinho liso de leite empastado, os pezinhos nus sem os chinelos perdidos no lago, a pequena Wang Li chegou em casa. Chorava muito.

Mãe a viu primeiro. Entendeu que o leite havia caído do carrinho de mão, que a filha havia feito algo muito errado. Mãe começou a gritar com a pequena Wang Li, que chorou ainda mais. 

Mãe pegou a fina vara de bater, a garotinha tremeu ainda mais.

Mas Pai chegou por causa dos gritos. Mandou Mãe parar. O que tinha acontecido?

A pequena Wang Li contou a verdade. Mãe tinha lhe ensinado que não se deve mentir, mesmo quando a gente fica com medo. Então Wang Li não mentiu. Mostrou o monte de folhas que havia juntado no carrinho, ali dentro delas a libélula estava protegida, ainda não queria voar.

Mãe ficou mais furiosa ainda. Filha desobediente, tinha entrado no lago perigoso! E tinha perdido todo o leite por causa de um mísero inseto. Pegou de novo a fina vara de surrar.

Pai arrancou a vara da mão de Mãe. Quebrou a vara. Abraçou a pequena Wang Li. Pai tinha lágrimas nos olhos. Sua filha podia ter morrido, isso o deixava agoniado. Mas sua filha tinha feito tudo aquilo para poder salvar uma vida, a vida de um serzinho indefeso que sofria e ia morrer. Isso o deixava emocionado. E orgulhoso, muito orgulhoso.

Sua pequena Wang Li era uma mulher de coragem e de compaixão! E de grande inteligência também. Pai mandou Mãe aquecer um monte de água, sua Wang Li agora ia ficar por muito tempo dentro da água morna, se limpar, se aquecer, parar de tremer para não ficar doente.

Mãe compreendeu que estava errada. Pela primeira vez na vida pediu perdão à pequena Wang Li. Correu para juntar a água e a lenha, ia ferver muitas panelas para sua filha. Pai pegou Wang Li no colo, pegou coberta, envolveu a menina colada nele, aqueceu-a com seu próprio calor, beijava-lhe os cabelos sujos de leite.

Wang Li estava feliz: Pai não estava triste! Pai não se importara com o leite perdido. Pai não deixara Mãe castigar Wang Li. Pai protegia e aquecia sua filha. Pai bom, Wang Li gostava muito de Pai. De Mãe também. Menos, porque Mãe muito gritona e nervosa, Mãe batia muito em Wang Li.

Mas Mãe veio e tirou Wang Li do colo de Pai. Levou-a para a grande tina de água quentinha. E lavou-a cuidadosamente. E desenredou seus longos cabelos negros e lisos. E abraçou sua filha, porque sabia agora que ela podia ter morrido no lago, afogada ou por causa da água gelada.

Mãe agradeceu em sua mente que Pai tivesse quebrado a vara. Não, sua Wang Li não merecia apanhar! Nem agora, nem nunca mais. Mãe tinha apanhado muito, muito, na infância, achava que era assim que se educava filha. Mas o sorriso surpreso de Wang Li, ali dentro da tina de água quente, lhe dizia que estivera errada. Ainda era tempo, tudo haveria de corrigir dentro de si mesma. Pai era um homem bom. Carinhoso, como mãe dele. Ela, Mãe, não sabia dar carinho, não tinha aprendido. Mas não ia mais ser bruta com sua menina.

Nesse momento, enquanto Mãe abraçava o corpinho de Wang Li dentro da tina, algo entrou pela fresta da janela.

Era a libélula, que tinha voado enfim. E voou ao encontro de sua salvadora. Pousou na beira da tina, depois no braço da menina. Ficou ali muito tempo, mexendo as asas lenta e ritmadamente.

E, enquanto duraram seus curtos dias de inseto, a libélula nunca mais se afastou daquela casa. Nunca mais se afastou de Wang Li.


quarta-feira, 29 de agosto de 2018

COMO É CARO SER MULHER 
MILTON MACIEL, Idel, 2a. edição - 200 pg

Este livro resultou de pesquisas e estudos feitos pelo autor nos Estados Unidos, onde residia, em 2012 e 2013 e no Brasil em 2015 e 2106. Mostra como é tão mais difícil para uma mulher conseguir poupar dinheiro para garantir sua tranquilidade futura. Isso porque ela se vê obrigada a gastar de 2 a 3 vezes mais do que um homem ao longo de toda a sua vida. 

Existem causas biológicas, causas comportamentais e causas mercadológicas que se juntam para tornar muito mais cara a vida de uma mulher. Grande parte das mulheres mais jovens não percebem a armadilha em que estão aprisionadas. Os homens, em geral, não têm a menor ideia disso. Acham que as mulheres gastam demais com roupas, cosméticos e cabelos, porque são umas vaidosas destrambelhadas. Nada pode ser menos verdadeiro!

Há despesas imensas, de causa biológica somente, que um homem nunca terá. O corpo de uma mulher custa-lhe demais durante a vida. E os gastos com roupas e cosméticos não são opcionais, são forçados por todo um sistema sociocultural e econômico, que se nutre fundamentalmente do trabalho e do dinheiro da mulher. Além disso, o mercado paga menos para a mulher do que para o homem, obriga-a a jornada dupla de trabalho e cobra mais dela do que dele pelos mesmos produtos e serviços.

Ao longo de uma “vida útil de consumo” de mais de 55 anos, uma mulher trabalha muito mais, ganha muito menos, gasta muito mais e dura muito mais anos do que um homem. 

Por causa disso, se ela não aprender a reconhecer as armadilhas que a cercam e não conseguir poupar reservas para se proteger, pode acabar muito mal, justamente quando deveria passar a usufruir do justo repouso da guerreira, na melhor fase da segunda metade de sua vida. Os números e os fatos que o livro apresenta têm a finalidade de mostrar essas duras verdades, usando bastante humor para ajudar a “rir pra não chorar”. De raiva!

Apenas R$ 25,00 - frete incluído
Mande seu pedido para delphos09@yahoo.com
PAGUE COM SEU CARTÃO DE CRÉDITO, DE DÉBITO OU BOLETO, no PAGSEGURO:

segunda-feira, 27 de agosto de 2018


LIVRARIAS FECHANDO. E você com isso? – 1
MILTON MACIEL

No artigo anterior desta série (iGen – A GERAÇÃO INTERNET e o FUTURO DO LIVRO - http://miltonmaciel.blogspot.com/2018/08/igen-ageracao-internet-e-o-futuro-do.html ) concluo escrevendo:

“Aproveitando, vou aplicar esses conceitos ao desafio do letramento e aos rumos que creio serem necessários para que consigamos formar leitores de livros dentro dessa geração hiper conectada.

Ou a metodologia muda proporcionalmente e nós conseguimos encontrar esses leitores dentro do mundo deles, ou estamos inevitavelmente a caminho da fossilização. Como livreiros, como editores e como autores. Como uso dizer, para horror e desconforto de muitos colegas, nós, "os velhinhos do papel" (todas as gerações nascidas antes dessa i-Gen de 1995 em diante) vamos morrer aos poucos e não vamos ser substituídos pelos jovens e estranhos leitores da IGen como consumidores de livros de papel. Tão inexorável quanto o destino dos discos de vinil!” 

Certamente isso pode dar aos meus leitores a ideia que acredito num iminente e dramático fim para o livro de papel. Devo dizer duas coisas:

Sim – eu acho que isso vai acontecer inevitavelmente.
Mas – eu não creio que isso seja imediato.

Vamos ter uma fase de acomodação e transição, como aconteceu com o disco bolachão de vinil, que transitou primeiro pelo campo dos Discos Compactos – os CDs – antes de se dissolver na Nuvem.

Uma transição tecnológica acontece agora no campo do livro: o nosso velho bolachão de papel transiciona temporariamente pela fase eBook, esse eBook tal qual o conhecemos hoje, parido ao mundo como um bebê viável em 2007, com o Amazon Kindle.

Creio ter uma clara ideia do que virá a seguir, depois deste CD/Kindle, num futuro muito próximo; mas este ainda não é o assunto de hoje.

Nosso assunto hoje é o presente, não o futuro. E, nesse presente, quero abordar todas as dores de parto que acometem esta nascente fase de transição, durante a qual se consolidarão mudanças dramáticas já em curso no campo do varejo e da distribuição de livros, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.

A consolidação dessas mudanças levará, no meu entender, a uma nova onda de reforço do livro físico e, consequentemente, a uma renovação do campo de varejo, distribuição e edição. Mas essa fase terá que conviver com o crescente avanço do mercado digital, o qual, no meu entender a médio prazo, tomará de novo um enorme impulso com a chegada da iGeneration à condição de consumidora com pleno poder aquisitivo definido.

Temos, portanto, um certo tempo de vida útil a aproveitar, quando podemos ganhar (ou voltar a ganhar) dinheiro com o livro de papel. Coerente com o que creio, mantenho-me como editor de livros de papel, mantendo inclusive uma gráfica para livros de papel.

Ao mesmo tempo, pela mesma razão de coerência, vou colocando todos os meus livros mais comerciais na Amazon do Brasil. E na Amazon, iBooks e Kobo no mercado internacional, nas versões em inglês e francês. 

Sou, portanto, um leal e dedicado soldado do livro físico de papel. E um entusiasta do Livro Smartphone, esse ente quase sobrenatural, ainda nos seus primórdios hoje.

O leitor de hoje ainda é, predominantemente, um leitor de livro físico. Isso vai se manter por um tempo suficiente para que as consolidações de mercado aconteçam. Muitas redes de varejo vão encolher ou acabar. Mas outras, mais enxutas, com e-commerces ou market places mais eficientes, vão ocupar os espaços disponíveis.

Preocupa-me, nessa refrega, a situação das livrarias de rua, mais vulneráveis à grande onda recessiva que fechou mais de 190 000 lojas de rua de todos os ramos no Brasil inteiro, nestes últimos anos.

Ora, o livro e a leitura são os patinhos feios das terras tupiniquins. Ler é apenas a 10ª opção de lazer do brasileiro médio. Ou seja, se a leitura não é obrigatória (escola), ela ocupa apenas uma fração mínima do interesse dos cidadãos.

De onde já se infere que a grande batalha a ganhar não é a do livro, mas a que vem muito antes dele, a batalha do LETRAMENTO.

(CONTINUA)





sábado, 25 de agosto de 2018

iGen – A GERAÇÃO INTERNET e o FUTURO DO LIVRO
MILTON MACIEL(*)

Ontem, no Washington Post online, encontrei uma matéria da Hannah Natanson, que me remeteu a um trabalho realmente genial, que eu não conhecia.  No WPost, Hannah publicou “Yes, teens are texting and using social media instead of reading books, researchers say”A pesquisa referida por ela foi realizada pelos psicólogos Jean Twenge, Gabrielle Martin e Brian Spizberg, da San Diego State University, na California (diferente do francês, Jean, em inglês, é nome feminino!)

Tradução: “Sim, adolescentes estão textando e usando mídias sociais ao invés de lerem livros, pesquisa diz.” 

O neologismo “textando” tem que ser adotado, como tantos na Tecnologia da Informação (TI) para descrever o ato de escrever textos curtos no smartphone ou tablet, usando seus ridículos teclados.

Imediatamente fui à Publishers Weekly da semana (que, aliás, reportava a recente joint venture entre a Rakuten Kobo e o Walmart, para venda de eBooks e eReaders nos EUA) atrás de livros dessa Jean  e, a partir da PW, à Amazon americana, onde comprei (US$ 12.90) no mesmo minuto o eBook genial de Jean Twenge (o título é mesmo enorme!):

“iGen – Why Today´s Super-connected kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy – and Completely Unprepared For Adulthood – and What That Means for the Rest Of Us”

(“IGen – Porque os garotos super conectados de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparados para a vida adulta – e o que isso significa para o resto de nós”).

Li um bom pedaço do livro esta noite. Caiu como uma luva num momento em que eu estava estudando o mercado asiático para eBooks em inglês, que acaba sendo ainda maior e mais promissor que o norteamericano e onde a Amazon não é o maior player. E onde a grande dispositivo de leitura é o smartphone – o único que eu uso para ler livros desde 2010, quando ainda morava nos Estados Unidos.

Afirma Twenge que, em 1970, 60% dos estudantes dos últimos anos de ensino médio (high school) americanos liam ou livro, ou revista ou jornal todos os dias. Hoje, na mesma faixa etária escolar, só 16% fazem isso. 

Mas 92% deles vão ao WhatsApp, Twitter, Facebook e Instagram várias vezes por dia, 80 vezes pelo menos, em média! Eles estão devotando a bagatela de SEIS HORAS por dia à mídia digital, maciçamente através de seus smartphones.

O fascinante trabalho de investigação científica, que envolveu mais de um milhão de adolescentes, aponta claramente para o que eu chamo de o futuro do mercado livreiro no mundo

Em 2013, em Aventura (Miami Dade, FL), escrevi um livro chamado “O Futuro do Livro, do Jornal e da Revista num Mundo Cada Vez mais Digital”. Em 2014, tirei uma pequena edição dele em português, que se esgotou rapidamente. Na capa eu tinha uma foto de uma loja da falida rede de livrarias Border´s em Miami, anunciando o fechamento (Store Closing); e uma foto do milagre de Wenchi, Etiópia, onde um grupo de crianças analfabetas se autoalfabetizou sem professores, somente com o uso de tablets levados a elas pela equipe de Nicholas Negroponte – e sem que os meninos e meninas tivessem qualquer tipo de instrução quanto ao uso. O e-milagre de Wenchi!  

Meus vaticínios audaciosos de então, a favor do e-book, da autoinstrução, da autoplublicação e da trajetória fulminante do smartphone na leitura de livros, revelaram-se muito exatos. Mas vejo      agora que ainda fui um pouco tímido. Meus estudos a respeito do letramento nos países asiáticos e da explosiva evolução do e-mercado de livros no sudeste asiático em geral e na China em particular, me convencem disso hoje.

E o trabalho de Twenge e de seus colegas de San Diego, com a parametrização rigorosa desta nova iGen, completando essa convicção, me deixou apaixonado!

iGen = iGeneration = Internet Generation; é a geração que nasceu com a comercialização da Internet (1995) e cresceu para receber o iPhone e o Kindle em 2007 e o iPad em 2010. Ou seja, são os primeiros adolescentes do mundo a terem disponibilidade permanente de Internet e smartphones o tempo inteiro.

Vou terminar de ler o livro de Twenge e aprofundar mais o assunto com meus leitores em breve. E, aproveitando, vou aplicar esses conceitos ao desafio do letramento e aos rumos que creio serem necessários para que consigamos formar leitores de livros dentro dessa geração hiper conectada. 

Ou a metodologia muda proporcionalmente e nós conseguimos encontrar esses leitores dentro do mundo deles, ou estamos inevitavelmente a caminho da fossilização. Como livreiros, como editores e como autores. Como uso dizer, para horror e desconforto de muitos colegas, nós, "os velhinhos do papel" (todas as gerações nascidas antes dessa i-Gen de 1995 em diante) vamos morrer aos poucos e não vamos ser substituídos pelos jovens e estranhos leitores da IGen como consumidores de  livros de papel. Tão inexorável quanto o destino dos discos de vinil!   

(*) Milton Maciel é escritor, com 39 livros publicados. É editor, diretor da Escola Brasileira do Escritor, de São Paulo, e presidente da Academia Joinvilense de Letras até outubro de 2018.