segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

UM MILAGRE DE NATAL  
MILTON MACIEL   

Lita e Carmen Lúcia eram mãe e filha. Lita, a mãe.  43 e 18 anos. O marido e pai deixara as duas há mais de 10 anos. Nunca mais deu notícias. Viviam da mão para a boca, numa pobreza de Jó, numa minúscula casinha alugada na periferia. Lita costurava para pequenas confecções e ateliês, Carmen Lúcia arranjava as costuras, buscava os tecidos, levava as peças prontas, o resto do tempo ajudava a mãe. Eram sós no mundo, nenhum parente em São Paulo, nada.

Uma manhã, quando voltava para casa com tecidos, Carmen Lúcia viu um rapaz com uma mochila bem no fundo do ônibus quase vazio. Ele tentava esconder que chorava. Carmen Lúcia era boa demais para ver aquilo e não fazer nada. Foi sentar ao lado do moço. Ao poucos conseguiu extrair dele sua história: Otávio. Estudava, pagava seus estudos e a pensão, o dinheiro que ganhava como garçom não dava para tudo. Acabava de ser mandado embora da pensão. A faculdade era muito cara, mas ele disse que preferia viver na rua a parar os estudos.

Quando chegaram ao ponto mais próximo à casinha delas, Carmen Lúcia fez o jovem descer com ela e levou-o até à mãe. Naquele mesmo dia o rapaz começou a morar com elas. Ele estudava de manhã e de tarde, trabalhava à noite todos os dias, sem descanso algum. Elas também não tinham descanso. Um dia, cinco meses depois, o rapaz chegou radiante: tinha conseguido transferência para uma faculdade em outra cidade, onde teria bolsa de estudos integral. Despediu-se, escreveram-se umas poucas cartas e, meses depois, quando elas tiveram que mudar de casa, perderam todo o contato.

A custo, Carmen Lúcia completou o colegial. Depois, não pôde seguir os estudos. O trabalho era muito, a paga era pouca, entravam madrugada adentro. O aluguel subiu, a paga diminuiu, precisaram trabalhar ainda mais. Tiverem que mudar várias vezes de casa, sempre para mais longe. Os anos foram se passando, Lita não aguentou.

Seu coração fraquejou, foi internada às pressas  em um hospital público distante. Carmen Lúcia ficou com todo o fardo sozinha. O dia tinha só 24 horas, ela dormia só 3. Mas conseguia ir levando a vida, com a mãe sempre internada. Precisava transplante, estava na fila, muita a necessidade de cirurgia, pouca a esperança de consegui-la. A morte também esperava e, na fila dela, Lita tinha uma posição muito mais próxima.

Carmen Lúcia só podia visitar a mãe uma vez por semana. Hospital muito longe, condução muito cara, mais caro ainda um dia quase inteiro sem trabalhar, sem ganhar. Sorriam-se as duas. Tentavam enganar uma à outra, como se pudessem ter esperança. Não tinham.

Um dia, era 24, VÉSPERA DE NATAL, a filha chegou e não encontrou a mãe na enfermaria. Entrou em pânico, mal conseguia respirar: o pior?!... Da última vez Lita estava tão fraca!...

Mas Lita estava viva. E estava na UTI. E estava bem, garantiu-lhe a enfermeira da UTI. E tinha um coração novo! Carmen Lúcia mal podia acreditar. Um milagre! Mas como? Milagres não acontecem com gente como elas, há muito desaprendera de acreditar neles.  Aí quis saber de tudo, a enfermeira chamou sua chefe, as duas tentaram explicar, em meio à excitação total da filha:

O hospital tinha mudanças importantes, um novo subdiretor assumira na semana passada, parece que vinha com as costas quentes, com mais poderes. Decidia as coisas muito rápido, arranjava recursos, remanejava todos os setores, um fenômeno!

– Veja o caso de sua mãe, por exemplo. Nem bem conversou com ela, o homem saiu da enfermaria feito um azougue, mandou fazer os preparativos para a cirurgia enquanto ele ia pessoalmente atrás de um coração. E, inacreditável, poucas horas depois tinha arranjado um. Sua mãe foi operada imediatamente. Por ele mesmo, que é cirurgião cardíaco. Ele vem várias vezes por dia ver a paciente. E agora que ela já pode, eles conversam e riem que nem velhos amigos, você não pode fazer ideia.

Carmen Lúcia recebeu permissão para entrar na UTI. Sua mãe não estava entubada. Estava recostada, podia falar normalmente. Recebeu a filha com um sorriso de júbilo. Carmen Lúcia se aproximou exultante, mas com medo de provocar uma emoção muito forte na mãe, tão violenta como a que estava sentindo.  Falou com cuidado, quase sussurrando:

– Mãe!... Mãe, um milagre, mãe! Um milagre...

– Foi ELE, minha filha. Ele! Com a graça de Deus, ele me encontrou aqui, jogada naquela enfermaria. Foi ele, filha.

– Ele, quem, mãe? Ele quem?

Lita limitou-se a apontar o homem alto, de jaleco branco, que olhava sorridente da porta de entrada. O novo subdiretor, o cirurgião, o MILAGRE!

Carmen Lúcia voltou-se para ver e, apesar da pequena barba loira, que era nova, o rosto lhe era extremamente familiar. Só conseguiu dizer:

– Sim, é ELE! É ele. Otávio!!!

O Dr. Otávio Magalhães continuava sorrindo, imóvel na porta, esparramando em cima de Carmen Lúcia um olhar enternecido. Sim, era ele, o moço do ônibus, o hóspede gratuito que dividira a miséria com elas por cinco longos meses.

Então o médico entrou, anunciou a Lita que amanhã ela deixaria a UTI, que iria para um quarto particular. 

Particular?!! Mas quem iria pagar, se elas não podiam?

– Como, quem vai  pagar? Ora, já está tudo pago. Tudo isso e tudo o que ainda vier pela frente.

– Mas como? – quis saber Carmen Lúcia? Tudo pago, como?

– Tudo pago por cinco meses maravilhosos, os melhores da minha vida, que eu vivi na casa de vocês, filando a comida de vocês, recebendo a bondade de vocês, sem pagar um tostão. Eu, um completo estranho. Isso não tem preço, por mais que eu tente, nunca vou poder retribuir à altura.

– Ora, meu filho, que bobagem...

– Eu perdi o contato com vocês, quando consegui voltar aqui, depois de uns meses, vocês tinham se mudado. Procurei como um louco, mas nunca mais. E aí acontece essa coisa maravilhosa, de repente eu entro naquela enfermaria e o que vejo: o rosto da minha santa protetora. Isso sim é que é milagre!

Então ele avança alguns passos, estaca em frente a Carmen Lúcia, toma-lhe as mãos nas suas:

– E hoje o milagre está completo: além da minha santa protetora, aqui está o meu anjo salvador!

O médico retirou sua carteira do bolso, dela extraiu uma fotografia e uma mecha de cabelos loiros, entregou-as a moça.

– Aqui estão, devolvo, roubei do seu álbum, não tive coragem de pedir. Cortei o cabelo quando você estava dormindo. Durante estes anos todos, isso me manteve sempre conectado com vocês. Você, Carmen Lúcia, não saiu um só dia do meu pensamento. Estou solteiro até hoje porque sempre tive a esperança de reencontrá-la.

Completou-se o MILAGRE DE NATAL !

Casaram-se três meses depois. Hoje Carmen Lúcia está a três meses de concluir a faculdade de Psicologia. E Lita, que mora com eles, toma conta do casal de netos. 

Máquina de costura? Nunca mais! O doutor não quer... Diz que faz muito mal para pessoas santas.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018


VISITOU-ME, UM DIA, A MORTE
MILTON MACIEL

Visitou-me, um dia, a Morte. Foi quinta passada.
Manifestou-se de repente e percebi que tinha chegado a minha hora.
A Morte não é a magra, nem velha, nem feia, com foice na mão. Bobagem.
Também não é o rapaz bonito do filme do Brad Pitt.
A Morte é só a Morte. Não é ninguém, uma pessoa. É impessoal
É uma ...Coisa. Ah, e invisível, por sinal.
Você não vê, mas sabe que é ela, que ela chegou. E pra levar você!

Confesso que reagi mal. Também, me pegou assim de surpresa...
Devia ter sido mais delicado, menos grosso. Fui mal-educado. Muito.
Na hora fiquei irritado. Mais, fiquei furioso!

“Ora, vá encher o saco de outro. Tenho mais o que fazer do que morrer agora.”
A resposta não se faz ouvir, ela entra em sua mente, gritada em silêncio:
“Inegociável. Não há opção. Sem saída. Hora é hora.”

Xinguei. Palavrão que não escrevo aqui. Saiu!... Completei:
“Tou muito ocupado. Escrevendo um poema erótico. Você sabe lá o que é isso?”
Claro que a Coisa não sabia. Nunca teve Tesão em sua vida de Morte. Estranhou.
“Termine”, concedeu.
Terminei. Não ficou grande coisa, detesto escrever sob pressão. E falei:
“Ainda tenho que pagar estas duas contas – peguei os boletos e fui saindo – Você não vai querer que eu morra devendo estas merrecas, vai?”

Passei pelo meio da Morte. Senti que passava. “É agora que a filha da puta me pega!”
Não pegou. Não sei o que aconteceu. Acho que não esperava por isso, sei lá.
Fui à lotérica e paguei os boletos. Aí pensei na coitada da minha mulher.
Ia ter que encarar despesas de funeral, cerveja e salgados pra velório.
E uma roupinha preta, como é o costume da família caretona dela. Não ia ter grana.

Achei que devia pegar todo o resto do dinheiro que sobrou das contas e... jogar.
É, já que estava na lotérica... Vai que dava um terno, uma quadra, já ajudava a coitada.

Quando saí da lotérica, senti que passei pela Coisa de novo. Ela estava ali na porta.
‘É agora! Tomara que não doa...”
Mas percebi que a Coisa fez uma espécie de rodopio, deixou um vento e... sumiu!

Fiquei o resto da semana esperando por ela. Sei lá o que aconteceu. A Morte é esquisita!

Só sei que agora acabei de assinar todos os papéis aqui na Caixa Econômica.
No sábado passado a Mega Sena saiu inteirinha pra mim! Minha ex-futura-viúva está ali chorando de orelha a orelha, nos braços da gerente.

Rindo de contente é claro, uma grana desse tamanho! E chorando... bem, vai ver se deu conta que podia ter ficado com tudo só pra ela, se a Coisa tivesse cumprido direito o seu dever de ofício e ela fosse agora só mais uma viúva rica.

Ah, mas não vou ficar pensando essas coisas. Tá de bom tamanho assim. Só não posso esquecer de agradecer e de pedir desculpas quando a Morte voltar. Porque tá na cara que foi ela que me deu os números na lotérica. Na hora eu tive certeza. Não deu outra. A Morte é mesmo muito doida!



quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 7ª Parte
O livro é caro demais para o brasileiro
MILTON MACIEL


Como eu disse no artigo anterior NÓS COMEÇAMOS MUITO MAL. A coroa portuguesa encarregou-se de nos dar esse início da baixíssima cultura, negando-nos o acesso à imprensa, ao livro e ao ensino superior.

Mas as coisas também foram mais complicadas para o nosso lado do ponto de vista demográfico e do aproveitamento de recursos naturais. Nossos colonizadores brancos foram mais atrasados que os colonizadores brancos da América do Norte. Nossos índios eram muito mais atrasados do que os peles-vermelhas americanos, de forma que o genocídio que os norteamericanos promoveram lhes foi muito mais rentável do que o genocídio promovido no Brasil. E, para completar, dos 11 milhões de escravos africanos que chegaram vivos às Américas, a metade deles veio parar no Brasil. Que foi o último pais americano a abolir a escravidão. Ou seja, comparando as três etnias, brancos, índios e negros, saímos sempre perdendo.

Com os recursos naturais, a coisa não foi menos dramática Os Estados Unidos declararam sua independência em 1763. Nós, só em 1822. Isso fez com que nossa ‘corrida do ouro”, acontecida durante o século XVIII, se desse toda sob o regime colonial e nosso ouro fizesse a riqueza de Portugal somente. Assim como aconteceu com a prata e ouro da America Ibérica, que foram todos para a Espanha.

A corrida do ouro americana deu-se quando eles já eram uma nação independente, digamos que o ouro ficou ‘em casa’. Os indígenas americanos tinham um rebanho de mais de 60 milhões de bisões, que crescia há séculos nas pradarias sob a sábia gestão dos nativos. Os brancos mataram quase todos esses “búfalos”, levando-os quase à extinção, para roubar as peles principalmente. Nossos índios não manejavam rebanhos de animais e eram quase todos pré-agricultores ou totalmente paleolíticos. Não servindo para o trabalho escravo e esse trabalho escravo sendo proibido pelo Marques de Pombal, foram expelidos para o interior do país, refugiando-se nas selvas. Onde também foram caçados, aprisionados e mortos. Dos possíveis 5 milhões originais, hoje restam uns escassos 10% disso como população indígena no país.

Em resumo, os brancos norteamericanos enriqueceram muito mais com o extermínio dos seus índios, mais aculturados e mais ricos. E tiveram uma população de escravos africanos muitíssimo menor do que a brasileira. Libertaram-na progressivamente, desde 1808 até 1863. Nós fizemos o mesmo, desde 1831 até 1888. Mas abandonamos totalmente a população de libertos à sua própria sorte, sem qualquer política de habitação, absorção e emprego para eles. Condenados a uma miséria ainda mais faminta do que a que havia nas senzalas.

Mas, ao menos, tivemos ativa sempre a miscigenação, diferentemente dos norteamericanos. Hoje somos um país mulato, com 52% da população formada por “pardos” e negros. Os americanos do norte contabilizam somente 12% de afrodescendentes na população deles.

Findo o nosso ciclo do ouro (ciclo português), o café assumiu o lugar de maior produto de exportação do país (ciclo brasileiro). Tornamo-nos um país relativamente rico, totalmente agrícola, baseado no grande latifúndio e na escravidão. Com a chegada de milhões de imigrantes na segunda metade do século XIX e início do século XX, a mão-de-obra escrava tornou-se antieconômica e de baixíssima produtividade, levando à rápida substituição pela mão-de-obra assalariada europeia. A industrialização a partir do início do século XX viria a seguir, inevitável. Mas chegamos muito atrasados nessa corrida econômica.

E, em especial, na CULTURAL, que é a que nos interessa nesta série de artigos.

Desembocamos na seguinte situação hoje:

POPULAÇÃO:    Brasil – 208 milhões; Estados unidos – 325 milhões

PIB per capita:     Brasil – 9 000 dólares; Estados Unidos – 59 500 dólares

Renda média mensal: Brasil: R$ 2 780,00; Estados Unidos – R$ 19 000,00

Preço médio do livro: Brasil   R$      40,50; Estados Unidos – R$        48,00

Livro/salário mínimo: Brasil: 4%               ; Estados Unidos:  0,6 %

Ou seja, no Brasil o livro é caro demais para os brasileiros!
E produzir e comercializar livros, portanto, é arriscado demais para editores e livreiros.

Ante um norteamericano que ganha cerca de 7 vezes mais que um brasileiro, um livro que custa praticamente a mesma coisa aqui e lá nos deixa em completa desvantagem. Ficamos com uma grande demanda reprimida por conta do poder aquisitivo insuficiente da população que lê.

Com poder aquisitivo 7 vezes menor e um mercado leitor também várias vezes menor, o resultado é que as tiragens no Brasil são normalmente pequenas demais, encarecendo ainda mais o preço final do livro.

Então, seguindo a comparação, chegamos ao final inevitável:

Livros completos lidos anualmente por habitante:
Brasil – 2,4
USA –  8,4

Total de livros produzidos em 2017
Brasil – 42,3 milhões –  Faturamento:  R$   1,7 bilhões
USA -   2,72 Bilhões – Faturamento: R$ 119,7 bilhões

Total de escritores publicados:
USA – 45 000
Brasil – ???

Os Estados Unidos não são, contudo o pais de maior renda per capita do mundo. Antes deles vêm países ricos com populações muito menores:
PAIS                 PIB per capita
Catar                 105 mil dólares
Luxemburgo       80 mil
Singapura            62 mil
Noruega              60 mil
USA                    59,5 mil

E estão longe de ser o país cuja população mais lê. Esse país é a ÍNDIA.

Número de horas semanais de leitura por habitante:
(Fonte: World Culture Score Index, UNESCO)
1 – Índia            10,4 horas
2 – Tailândia       9,2
3 – China            8,1
4 – Filipinas        7,6
5 – Egito             7,3
,9 – França          7,0
14 – Venezuela   6,2
18 – Argentina    6,0
23 – USA            5,4
28 – Brasil           5,0

Já vimos que nosso primeiro problema é econômico. Mas isso ainda não é nada ante nossa TRAGÉDIA EDUCACIONAL, nosso próximo tema, quando mergulhamos fundo no perfil do leitor brasileiro. E onde começam a aparecer as primeiras luzes nesse longo, escuro e íngreme caminho do livro e da leitura no Brasil. Com o consequente e atual FECHAMENTO DE LIVRARIAS. 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018


Está lá na lista dos mais vendidos de 2018. Em FICÇÃO, o primeiro lugar deste ano é um livro BRASILEIRO! Uma raridade total. Mais incrível: É um livro de POESIA.
MILTON MACIEL, 19/Dez/ 2018

Vendeu 105 000 exemplares até agora. Mais que:
Jojo Moyes (Ainda sou eu), com 103 000
Dan Brown (Origem), com 98 000
Rupi Kaur (Outros jeitos de usar a boca), com 76 000
Augusto Cury (O homem mais feliz da história), com 68 000, o segundo brasileiro na lista.

Então qual é esse livro e quem o escreveu?

A resposta: Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente, de Igor Pires da Silva e Gabriela Barreira.

São textos poéticos escritos por Igor no ano passado, quando tinha só 21 anos.  Começou como uma página no Facebook, cresceu, encorpou e a Editora Globo resolveu bancar o projeto do livro. É meio poesia, meio autoajuda, a Globo farejou bem e acertou na mosca: tinha mercado enorme!

Muito surpreso, comprei o livro imediatamente, minutos atrás, um e-book pelo Google Play Livros, que custou apenas 9,46 reais. Comecei a ler imediatamente, uma vantagem que o livro eletrônico nos dá. É claro que ainda não tenho como opinar sobre o livro por enquanto. Afinal, ele me despertou a atenção como especialista que sou em mercado editorial.

E fui atrás de informações sobre o livro, os autores, a page. Entre as que encontrei, repasso esta aqui, para quem estiver interessado:


A propósito, este é o garoto, na foto: um típico brasileiro.
A propósito-II: a Rupi Kaur está na ponteira das vendas nos Estados Unidos, com o seu mesmo livro da boca. Sinal dos tempos... e quem tiver olhos de ver, que veja!



terça-feira, 18 de dezembro de 2018

REJEIÇÕES 
Para você, que desiste fácil
MILTON MACIEL

Pois é, desistir ante as normais dificuldades de um projeto ou ideia geralmente não é um bom negócio. Vou justificar isso dando alguns exemplos de escritores que foram rejeitados maciçamente, anos a fio, mas acabaram tendo sua persistência recompensada com a publicação e o subseqüente sucesso de seus livros.

Agatha Christie foi rejeitada por editores durante CINCO ANOS! Foram mais de sessenta rejeições. Nenhuma editora queria publicar aquelas ”bobagens”. Mas Agatha Christie  persistiu... Hoje a “Rainha do Mistério” é a autora britânica mais publicada depois de Shakespeare e J. K. Rowling.

O livro que deu início à carreira multimilionária de Stephen King (foto), “Carrie, a Estranha” recebeu TRINTA E UMA rejeições. King persistiu... Um dia mandou os originais para a 32ª editora de sua lista, a Doubleday. E esqueceu completamente do assunto.

Meses depois recebeu pelo correio um cheque com um adiantamento de 2500 dólares. A Doubleday aceitara o livro, que só foi publicado um ano e meio depois disso. Deu 3 milhões de lucro para editora só no primeiro ano. Virou filme. E começou a fazer de King um autor de imenso sucesso. Financeiro, acima de tudo.

“Recomendo que sua história seja enterrada debaixo de uma pedra por mil anos, Honestamente, é uma droga!”, dizia uma das muitas cartas de rejeição que um rapaz russo recebeu; cansado de ser rejeitado, ele foi para França e ali conseguiu publicar uma edição de 5000 livros. Era apenas LOLITA, de Wladimir Nabokov, que já vendeu mais de 50 milhões de livros até hoje.

Joanne K. Rowling teve seu manuscrito “Harry Potter e a Pedra Filosofal” rejeitado por DOZE editoras diferentes. Escrevia em trens e lanchonetes, vivendo de uma bolsa-família do governo inglês. Na 13ª vez, o editor também não gostou, mas resolveu fazer um teste: deu o primeiro capítulo para que sua filha de 11 anos o lesse. No outro dia a garota acordou o pai exigindo o resto do livro. O editor resolveu arriscar, mas escreveu à autora:

“Recomendo que você arranje um bom emprego, porque viver desse seu livro vai ser difícil.”

 Bem, o resto é história. Uma história de bilhões que fizeram de J. K. Rowling a escritora mais rica do mundo e garantiu-lhe um título de Damme do Reino Unido.

O último volume da série de seis vendeu, só na noite de lançamento nos EUA e Inglaterra, 11 milhões de exemplares.

Eu poderia citar dezenas de outros exemplos. Mas não num sábado como este...

Não quando você está pensando se não vale a pena desistir do seu sonho... Não, não vale a pena não.

(Publicado na coluna REFLEXOS, do Jornal de Pirabeiraba, Dezembro/2018)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 6a. Parte
COMEÇAMOS MUITO MAL!
MILTON MACIEL

1747: O primeiro livro brasileiro. Mas veio a proibição!

Sim, temos muitas livrarias fechando em 2018. E redes de livrarias, as maiores, em situação de concordata, arrastando para o limbo seus credores – em especial as editoras. Temos uma crise de livrarias, embora não tenhamos uma crise de leitores. O número de livrarias decresce, mas o número de leitores cresce. Nós estamos atrás de causas para explicar esse fenômeno do mercado livreiro do país. Pois agora estou disposto a começar exatamente do começo. Nosso começo como produtores de cultura, de escritos, de livros e de leitura. E nós começamos muito mal!

No período colonial, enquanto em todo o resto das Américas a cultura avançou rapidamente, Portugal, no afã de manter-nos sempre colônia submissa e produtiva, proibiu ferozmente que tivéssemos no Brasil imprensa e ensino superior. Isso só mudou com a chegada de Dom João VI e a Corte portuguesa ao Brasil, em 1808. Que Deus o abençoe, Napoleão Bonaparte!

A primeira instituição de ensino superior que tivemos foi a Faculdade de Cirurgia da Bahia, em Salvador. Logo a seguir, no mesmo ano de 1808, veio a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

São DOIS SÉCULOS E MEIO de atraso em relação à América espanhola! Obrigado, Portugal...

E eram apenas faculdades. Só que os colonizadores espanhóis tinham criado a primeira UNIVERSIDADE em terras americanas, a Universidade de Santo Domingo, na atual República dominicana, em 1538. E a Universidade Nacional Autônoma do México, em 1551.

Em 1808, quando foi criada a primeira faculdade no Brasil, na América hispânica já existiam VINTE E TRÊS UNIVERSIDADES! As primeiras da Argentina foram: Universidade de Córdoba – 1613; e Universidade de Rosário – 1653. Não admira que eles leiam muito mais do que nós até hoje!

Na America inglesa, mal chegaram os primeiro colonos -  na Jamestown de John Smith e Pocahontas, 1609, Virgínia; na Nova Inglaterra de Peregrinos (1620) e Puritanos (1629) – e já foi criada a primeira UNIVERSIDADE: a Universidade de Harvard, em 1636, quase dois séculos antes da nossa faculdadezinha de Salvador.

OS PRIMEIROS LIVROS IMPRESSOS NAS AMÉRICAS

Johannes Gutenberg inventou a máquina impressora com tipos móveis por volta de 1450. Cabral chegou à ‘Ilha’ de Vera Cruz em 1500. Mas a primeira máquina impressora tipográfica só teve autorização para funcionar no Brasil em 1808. 358 anos depois de Gutenberg! Obrigado pelo pequeno atraso, Portugal. Até então era proibido fazer impressos na colônia.

Contudo, muito antes de 1808, imprimia-se livros aos milhares em toda a América Hispânica e Britânica. Para se ter uma ideia, 32 anos antes, em 1776, ano da Declaração de Independência dos Estados Unidos, só o livro Common Sense, de Tom Payne, chegou a ter tiragens somadas de 400 000 exemplares. Quatrocentos mil! Não admira que eles leiam muito mais do que nós até hoje!

O primeiro livro produzido na América britânica, o Bay Psalm Book, um livro de salmos, foi impresso em 1640 em Massachusetts, apenas 20 anos depois da chegada dos Peregrinos a Plymouth. O primeiro editor e tipógrafo das Américas, Stephen Daye, imprimiu 1700 exemplares do livro por encomenda do primeiro livreiro da Américas, Hezekiah Usher.

(Extrema ironia: hoje, em 2018, 378 anos depois disso, a maior parte dos autores e editores brasileiros têm que pensar duas vezes antes de se aventurarem a publicar 1700 exemplares de um livro numa só tiragem!).

Na America hispânica, os jesuítas foram os primeiros editores. Precisavam catecismos para fazer a cabeça dos indígenas, aos quais concediam o beneplácito da alfabetização em castelhano. O primeiro livro foi publicado no México em 1539, o “Breve y Más Compendiosa Doctrina Cristiana  en Lengua Castellana y Mexicana”.

O primeiro livro publicado na América do Sul foi “Doctrina Cristiana y Catecismo para Instrucción de los Índios y de las Demás Personas que Han de Ser Enseñadas em Nuestra Santa Fé”. Foi em Lima, atual Peru, em 1584. Na Atual Argentina, o primeiro livro foi impresso pelos jesuítas em 1705. Na atual Cuba, em Havana, eles imprimiram o primeiro livro em 1707.

O PRIMEIRO LIVRO IMPRESSO NO BRASIL  

É a história de um malogro. Nosso primeiro editor e impressor foi Antonio Isidoro da Fonseca, um tipógrafo português que, tendo impresso em Lisboa um livro de nome “O Judeu”, acabou se dando mal com a Inquisição. Desgostoso e com justos receios, Isidoro fez as malas: embarcou com suas impressora e caixa de tipos para o Rio de Janeiro e abriu ali, em 1747, um “officina typographica”.
Imprimiu dois folhetos e, então, aventurou-se a fazer um livreto, que viria a ser o primeiro livro do Brasil, nesse mesmo ano de 1747:

 “Relação da entrada que fez o Ecxcelentíssimo e reverendíssimo Senhor D.F. Antonio do Desterro Malheyro, Bispo do Rio de Janeiro, em o primeiro dia deste prezente Anno de 1747 , havendo sido seis Annos Bispo do Reyno de Angola donde por nominação de sua Majestade, e Bula Pontifica, foy promovido para esta diocesi.”
O glorioso autor do nosso primeiro livro: Doutor Antonio Rosado da Cunha, Juiz de Fóra e Provedor do Defuntos, auzentes, Capellas e Resíduos do Rio de Janeiro.

O glorioso primeiro livro foi seguido por uma outra parte menor, pelo mesmo autor, com o título “Em aplauso do Ecxelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Frey Antonio do Desterro Malheyros Digníssimo bispo desta Cidade, Romance heroico”.

Percebe-se que o nosso primeiro Romance heroico é que inaugura a tradição brasileira de “E o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais, mais , mais...”

Estas duas obras primas – primas no sentido cronológico de primeiras mesmo – estão hoje acessíveis na Biblioteca Nacional, basta procurar na Coleção Barbosa Machado.

Só que o Isidoro deu com os burros n’água mais uma vez. Assim que as autoridades souberam das publicações que esse mau súdito ousara fazer na colônia, ele foi chamado de volta a Lisboa e obrigado a levar consigo de volta sua ‘officina typographica” para a Metrópole. Dupla audácia: Dar veículo a que homens da Colônia difundissem suas ideias. E contrariar os interesses comerciais dos impressores de Lisboa e da cidade do Porto, que detinham o monopólio da impressão de textos de autores da Colônia, como Santa Rita Durão, Basílio da Gama e os inconfidentes Claudio Manuel da Costa e Tomás Antonio Gonzaga.

Ora, apesar de Isidoro colocar ostensivamente na capa do livro “Com autorização do Senhor Bispo”, ele não tivera autorização nem do Santo Ofício, nem do Desembargo do Paço – ambos apenas expressão da boa e velha Censura, canônica e civil. Portanto, cautela e caldo de galinha, Isidoro: ponha-se de volta à casa com sua Officina. Garantindo-se, assim, a soberania da ordem régia de proibição de tipografias no Brasil.

Proibição que permaneceu até 1808, quando a primeira oficina tipográfica oficial chegou ao Brasil com os navios da Corte e foi instalada na casa onde foi morar o Ministro do Interior de D. João VI, o Conde da Barca, para depois ser integrada à Imprensa Régia. Operada pelo Irmão Veloso, religioso mineiro e tipógrafo, que veio de Lisboa com a Corte, a primeira publicação foi um folheto de 27 páginas e a Carta Régia. Foi a inauguração da imprensa oficial no Brasil, em 13 de maio de 1808.

Chegou a imprensa enfim. Mas não a imprensa livre. Porque, junto, chegou a Censura, é claro. Então os primeiros livros ‘particulares’, isto é, não impressos por iniciativa do governo, tinham que ser bem-comportados e saco-puxativos.  Como este, possivelmente o primeiro livro “particular’ do Brasil colonial não proibido:

“Análise da justiça do comércio de escravos com a costa da África”, onde o autor, o Bispo Inquisidor José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, explica, à luz das leis dos homens e das leis de Deus, como é justa e necessária a escravidão.

 Notável é a dedicatória do livro, onde o bispo escreve: “A vós todos dedico esta obra filha do meu trabalho e que só teve em vista o vosso bem; obra por cuja causa tenho sido insultado e perseguido pelo ocultos inimigos de vossa pátria e pelos desumanos e cruéis agentes de Brissot e Robespierre, esses monstros de figura humana que estabeleceram a regra: ‘Pereça antes uma colônia do que um princípio’ – princípio destruidor da ordem social e cujo ensaio foi a florescente colônia de São Domingos abrasada em chamas, banhada em sangue”. (Como aparece no livro de Jorge Caldeira História de Riqueza no Brasil, Estação Brasil, 2017, pg 196)

 Evidentemente, o bispo se refere aos princípios da Revolução Francesa, que via como inspiradores da revolução dos escravos que levara à independência do Haiti, a segunda colônia a libertar-se (em 1804) nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos (1776).

COMEÇAMOS MUITO MAL

Agora fica claro por que razões escrevi no início que, em termos de cultura e publicações, começamos muito mal. Estabelecido o paralelo com nossos vizinhos americanos do Sul e do Norte, isso fica muito claro. Enquanto os colonos hispânicos e britânicos nadavam, séculos antes, em um mar de universidades e publicações, nós amargávamos o fracasso de Isidoro e a Pasárgada de nossos primeiros livros – onde só publicava quem era “amigo do rei”.

Vamos continuar falando de livros e livreiros, mas antes vamos ter que fazer mais uma parada obrigatória, num campo chamado ESCRAVIDÃO. Que nos inspire em sabedoria e justiça Sua Excelência Reverendíssima Dom José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, DD Bispo Inquisidor do Rio de Janeiro.

CONTINUA

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O FECHAMENTO DE LIVRARIAS - 5a Parte
MILTON MACIEL 

Neste ponto da série sobre fechamento de livrarias, simplesmente insiro o artigo que escrevi e publiquei em agosto passado, por ser absolutamente pertinente e ficar na ordem certa na série. Ele aponta ainda mais dramaticamente para a evolução da leitura digital e antecipa uma solução que vou apontar para o problema do encolhimento do número de livrarias físicas e a sobrevivência do livro de papel, ao final da série.

iGen – A GERAÇÃO INTERNET e o FUTURO DO LIVRO
MILTON MACIEL(*) 
25/8/2018 

Ontem, no Washington Post online, encontrei uma matéria da Hannah Natanson, que me remeteu a um trabalho realmente genial, que eu não conhecia.  No WPost, Hannah publicou “Yes, teens are texting and using social media instead of reading books, researchers say”

A pesquisa referida por ela foi realizada pelos psicólogos Jean Twenge, Gabrielle Martin e Brian Spizberg, da San Diego State University, na California (diferente do francês, Jean, em inglês, é nome feminino!)

Tradução: “Sim, adolescentes estão textando e usando mídias sociais ao invés de lerem livros, pesquisa diz.” 

O neologismo “textando” tem que ser adotado, como tantos na Tecnologia da Informação (TI) para descrever o ato de escrever textos curtos no smartphone ou tablet, usando seus ridículos teclados.

Imediatamente fui à Publishers Weekly da semana (que, aliás, reportava a recente joint venture entre a Rakuten Kobo e o Walmart, para venda de eBooks e eReaders nos EUA) atrás de livros dessa Jean  e, a partir da PW, à Amazon americana, onde comprei (US$ 12.90) no mesmo minuto o eBook genial de Jean Twenge (o título é mesmo enorme!):

“iGen – Why Today´s Super-connected kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy – and Completely Unprepared For Adulthood – and What That Means for the Rest Of Us”

(“IGen – Porque os garotos super conectados de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparados para a vida adulta – e o que isso significa para o resto de nós”).

Li um bom pedaço do livro esta noite. Caiu como uma luva num momento em que eu estava estudando o mercado asiático para eBooks em inglês, que acaba sendo ainda maior e mais promissor que o norteamericano e onde a Amazon não é o maior player. E onde a grande dispositivo de leitura é o smartphone – o único que eu uso para ler livros desde 2010, quando ainda morava nos Estados Unidos.

Afirma Twenge que, em 1970, 60% dos estudantes dos últimos anos de ensino médio (high school) americanos liam ou livro, ou revista ou jornal todos os dias. Hoje, na mesma faixa etária escolar, só 16% fazem isso. 

Mas 92% deles vão ao WhatsApp, Twitter, Facebook e Instagram várias vezes por dia, 80 vezes pelo menos, em média! Eles estão devotando a bagatela de SEIS HORAS por dia à mídia digital, maciçamente através de seus smartphones.

O fascinante trabalho de investigação científica, que envolveu mais de um milhão de adolescentes, aponta claramente para o que eu chamo de o futuro do mercado livreiro no mundo

Em 2013, em Aventura (Miami Dade, FL), escrevi um livro chamado “O Futuro do Livro, do Jornal e da Revista num Mundo Cada Vez mais Digital”. Em 2014, tirei uma pequena edição dele em português, que se esgotou rapidamente. Na capa eu tinha uma foto de uma loja da falida rede de livrarias Border´s em Miami, anunciando o fechamento (Store Closing); e uma foto do milagre de Wenchi, Etiópia, onde um grupo de crianças analfabetas se autoalfabetizou sem professores, somente com o uso de tablets levados a elas pela equipe de Nicholas Negroponte – e sem que os meninos e meninas tivessem qualquer tipo de instrução quanto ao uso. O e-milagre de Wenchi!  

Meus vaticínios audaciosos de então, a favor do e-book, da autoinstrução, da autoplublicação e da trajetória fulminante do smartphone na leitura de livros, revelaram-se muito exatos. Mas vejo      agora que ainda fui um pouco tímido. Meus estudos a respeito do letramento nos países asiáticos e da explosiva evolução do e-mercado de livros no sudeste asiático em geral e na China em particular, me convencem disso hoje.

E o trabalho de Twenge e de seus colegas de San Diego, com a parametrização rigorosa desta nova iGen, completando essa convicção, me deixou apaixonado!

iGen = iGeneration = Internet Generation; é a geração que nasceu com a comercialização da Internet (1995) e cresceu para receber o iPhone e o Kindle em 2007 e o iPad em 2010. Ou seja, são os primeiros adolescentes do mundo a terem disponibilidade permanente de Internet e smartphones o tempo inteiro.

Vou terminar de ler o livro de Twenge e aprofundar mais o assunto com meus leitores em breve. E, aproveitando, vou aplicar esses conceitos ao desafio do letramento e aos rumos que creio serem necessários para que consigamos formar leitores de livros dentro dessa geração hiper conectada. 

Ou a metodologia muda proporcionalmente e nós conseguimos encontrar esses leitores dentro do mundo deles, ou estamos inevitavelmente a caminho da fossilização. Como livreiros, como editores e como autores. Como uso dizer, para horror e desconforto de muitos colegas, nós, "os velhinhos do papel" (todas as gerações nascidas antes dessa i-Gen de 1995 em diante) vamos morrer aos poucos e não vamos ser substituídos pelos jovens e estranhos leitores da IGen como consumidores de  livros de papel. Tão inexorável quanto o destino dos discos de vinil!   

ACRESCENTO AGORA O QUE PUBLIQUEI NA SEMANA SEGUINTE:


Certamente isso pode dar aos meus leitores a ideia que acredito num iminente e dramático fim para o livro de papel. Devo dizer duas coisas:

Sim – eu acho que isso vai acontecer inevitavelmente.
Não – eu não creio que isso seja imediato.

Vamos ter uma fase de acomodação e transição, como aconteceu com o disco bolachão de vinil, que transitou primeiro pelo campo dos Discos Compactos – os CDs – antes de se dissolver na Nuvem.

Uma transição tecnológica acontece agora no campo do livro: o nosso velho bolachão de papel transiciona temporariamente pela fase eBook, esse eBook tal qual o conhecemos hoje, parido ao mundo como um bebê viável em 2007, com o Amazon Kindle, apenas 11 anos atrás!

Creio ter uma clara ideia do que virá a seguir, depois deste CD/Kindle, num futuro muito próximo; mas este ainda não é o assunto de hoje.

Nosso assunto hoje é o presente, não o futuro. E, nesse presente, quero abordar todas as dores de parto que acometem esta nascente fase de transição, durante a qual se consolidarão mudanças dramáticas já em curso no campo do varejo e da distribuição de livros, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.

A consolidação dessas mudanças levará, no meu entender, a uma nova onda de reforço do livro físico e, consequentemente, a uma renovação do campo de varejo, distribuição e edição. Mas essa fase terá que conviver com o crescente avanço do mercado digital, o qual, no meu entender a médio prazo, tomará de novo um enorme impulso com a chegada da iGeneration à condição de consumidora com pleno poder aquisitivo definido.

Temos, portanto, um certo tempo de vida útil a aproveitar, quando podemos ganhar (ou voltar a ganhar) dinheiro com o livro de papel. Coerente com o que creio, mantenho-me como editor de livros de papel, mantendo inclusive uma gráfica para livros de papel.

Ao mesmo tempo, pela mesma razão de coerência, vou colocando todos os meus livros mais comerciais na Amazon do Brasil. E na Amazon, iBooks e Kobo no mercado internacional, nas versões em português, inglês e francês. 

Sou, portanto, um leal e dedicado soldado do livro físico de papel. E um entusiasta do Livro Smartphone, esse ente quase sobrenatural, ainda nos seus primórdios hoje, um bebê que por enquanto ainda mal engatinha.

O leitor de hoje ainda é, predominantemente, um leitor de livro físico. Isso vai se manter por um tempo suficiente para que as consolidações de mercado aconteçam. Muitas redes de varejo vão encolher ou acabar. Mas outras, mais enxutas, com e-commerces ou market places mais eficientes, vão ocupar os espaços disponíveis.

Preocupa-me, nessa refrega, a situação das livrarias de rua, mais vulneráveis à grande onda recessiva que fechou mais de 190 000 lojas de rua de todos os ramos no Brasil inteiro, nestes últimos anos.

Ora, o livro e a leitura são os patinhos feios das terras tupiniquins. Ler é apenas a 10ª opção de lazer do brasileiro médio. Ou seja, se a leitura não é obrigatória (escola), ela ocupa apenas uma fração mínima do interesse dos cidadãos.

De onde já se infere que a grande batalha a ganhar não é a do livro, mas a que vem muito antes dele, a batalha do LETRAMENTO.

CONTINUA



quarta-feira, 28 de novembro de 2018

UM BURRO CARREGADO DE LIVROS
Por MILTON MACIEL

O psicólogo norteamericano Stephen Arroyo afirmou, a respeito da função Intelecto na psique :
“O Intelecto é um servo muito bom, mas pode ser um amo muito mau”.

Ele se refere ao aspecto bipolar da função intelecto, que tem duas vias: entrada e saída, input e output. Pela primeira via você absorve informação, pela segunda via você a expele.
Evidentemente, as pessoas ditas intelectuais são aquelas que têm um grande predomínio da função Intelecto na psique.

Existe uma natural tendência de sobrealimentarmos a função input, isto é, procurar sempre mais e mais informação; saber mais, ler mais, acumular mais conhecimento. Há pessoas que hipertrofiam de tal maneira a função input, que se tornam quase incapazes de exercer a função output.

De um modo geral, essa pessoas se tornam teóricas, estão sempre à cata de novas informações, novos livros, mais livros, novos cursos, mais cursos, novas graduações, novas pós-graduações, ad infinitum. Não se dão tempo, não gostam, não se sentem seguras, se tiverem que produzir algo concreto com essa interminável corrente de entrada de informações. São teóricos, assimiladores. Sua segurança emocional está em ostentarem o tamanho da massa de informação que foram capazes de adquirir, embora, nem sempre, de reter na mente. Com isso é que buscam se distinguir, é onde colocam o seu orgulho. Procuram impressionar com o tamanho de suas bibliotecas, os autores todos que dizem ter lido. São os absorvedores do conhecimento produzido pelos outros. A posição é centrípeta e egoística, visa satisfazer a necessidade do indivíduo de assimilar compulsivamente mais e mais informação.

Já o pessoal da saída, do output, mal assimila uma unidade de informação, tudo o que deseja é colocá-la em prática imediatamente. São, portanto, práticos, produtores. São fazedores e com isso é que buscam se distinguir: com a qualidade e/ou a quantidade de suas obras realizadas. De um modo geral são indivíduos que adoram ensinar, transmitem o conhecimento à medida que o vão assimilando, não o represam em si. São os distribuidores do conhecimento produzido pelos outros e por si mesmos. A posição é centrífuga e altruística, visa satisfazer a necessidade de ação, compartilhamento e distribuição da informação.

Mas o Intelecto só fica equilibrado quando as duas funções, input e output, são exercidas em partes iguais.

 No entanto, é muito mais fácil vermos a hipertrofia da função input. Justamente porque ela é mais prazerosa e não implica necessidade de trabalho prático, pois é centrípeta. Ler, assistir vídeos, ouvir, aprender é sumamente agradável para o intelectual tipo input. É fonte de prazer e de autogratificação.

O mesmo psicólogo Arroyo diz a respeito deles:

“Uma pessoa instruída, que, o tempo todo, só quer buscar mais e mais informação, sem fazer nada de prático com o conhecimento que acumulou, tem o mesmo valor que um burro carregado de livros”.

É nesse sentido que ele afirmou que o Intelecto pode ser um amo muito mau. Exatamente quando ele assume o controle e o indivíduo age movido quase integralmente pela função input.
Dirigindo-se especificamente a escritores, o romancista paranaense David Gonçalves costuma sempre perguntar:

“E a obra? O que é que estão produzindo, escrevendo? Cadê a obra?”

Na minha opinião pessoal, a acumulação de conhecimento nos torna automaticamente responsáveis por ele e devedores dos outros. Esse conhecimento que nós fomos buscar, nos veio integralmente dos outros, dos nossos predecessores, dos nossos instrutores, dos livros que lemos. No instante em que nos adonamos, pelo esforço de aprendizado, desse conhecimento, temos a obrigação moral de passá-lo adiante. E não apenas como ele nos chegou, mas acrescido da nossa colaboração pessoal. O conhecimento não pode chegar e parar num indivíduo. Tem que ser enriquecido na sua mente e imediatamente compartilhado, espalhado e difundido, caso contrário todo progresso humano para. O que se aprende tem que ser ensinado.

E a enorme massa de conhecimento que o escritor acumulou tem que ser constantemente transformada em livros e mais livros, em palestras, em filmes, em cursos.

Está certo David Gonçalves: Cadê a obra?

E você? O que você está produzindo?