sábado, 14 de outubro de 2017

“COM TODAS AS LETRAS” - ALBUM DE KLEITON E KLEDIR 
MILTON MACIEL

Sou escritor. Mas, músico afeito aos teclados e à harmônica, também sou compositor; e sou letrista para terceiros. Mais: dentro do meu curso de formação de escritores, tenho uma oficina especial denominada “A Poesia da Música Brasileira”, dentro da qual tocamos músicas e desconstruímos as suas letras, feitas pelos grandes poetas da MPB. Em seguida invertemos o processo e passamos a construir novas letras para aquelas mesmas melodias, cada participante aprendendo a fazer isso com métrica, prosódia e rima, criando sua própria letra, com outro tema, para uma música de, por exemplo, Chico Buarque. 

Além de poetas, escritores e estudantes em geral, temos tido músicos participando dessas oficinas, cuja grande dificuldade é exatamente escrever letras para as músicas que compõem. Agora mesmo em São Paulo, no início de Dezembro, vamos ter mais uma dessas oficinas no espaço da escola de música Clube da Música, do Ipiranga.

Por isso fiquei muito feliz ao ler depoimentos de escritores importantes do Rio Grande do Sul, quando descrevem suas reações ao pedido que Kleiton e Kledir lhes fizeram para escreverem letras para composições que os irmãos Ramil lhes submetiam.
Participaram desse trabalho, que virou depois um album musical notável, os escritores Caio Fernando Abreu (póstumo), Claudia Tajes, Luis Fernando Veríssimo, Letícia Wierzchowski, Daniel Galera, Martha Medeiros, Alcy Cheuiche, Fabrício Carpinejar, Lourenço Cazarré e Paulo Scott, com participação especial de Adriana Calcanhotto.

Transcrevo aqui dois desses depoimentos:
Luis Fernando Verissimo:

Letra de música não é prosa nem poesia, é outra coisa. Não me perguntem que outra coisa é essa, passei muito tempo depois que o Kledir me pediu uma letra tentando descobrir como se fazia. Consegui, finalmente, mas não sei o que fiz. A experiência só aumentou minha admiração pela dupla K&K e outros letristas como o Vinicius, o Chico, o Aldir Blanc, o Caetano e outros mestres da outra coisa. Poesia pode ser musicada, claro. Em Nova York vi um espetáculo extraordinário, a cantora e atriz Audra McDonald interpretando Billie Holiday e cantando, entre outras músicas, numa imitação perfeita, “Strange fruit”, canção que nasceu como um poema de protesto contra o racismo no Sul dos Estados Unidos, inspirado na imagem de corpos de negros linchados pendendo de árvores como frutos estranhos. Há outros exemplos de poemas que viraram música, mas acho que a tese se sustenta. Letra é outra coisa.
Leticia Wierzchowski: (A Casa das sete mulheres)

Os desafinados também têm um coração Se tivessem me perguntado qual dom eu gostaria de ter, lá na grande repartição das almas ainda não-encarnadas, eu teria dito que gostaria de saber cantar. Durante a adolescência, flertei com a música e, por fim, ganhei um violão dos meus pais. Fiz uns dois anos de aulas, mas o problema todo era que, quando chegava em casa, ao tocar para minha plateia ansiosa, ninguém reconhecia a música. O professor era um hábil diversionista, enganando-me quanto à minha total falta de ouvido e ao meu desafinamento atroz. Aquele mundo charmoso do "um banquinho e um violão" não era mesmo pra mim, e aposentei o instrumento que, anos depois, virou fetiche dos meus filhos pequenos. Depois, comecei a escrever, enveredando pela vida de personagens ficcionais com muito mais afinação do que pelas cordas do meu violão esquecido no quartinho de guardados. Mas sempre admirei o poder de passar uma ideia, um sentimento, com uma letra de música. A precisão cirúrgica de provocar uma emoção em poucos minutos, e o que deve ser a energia de gerar uma emoção coletiva, vendo as pessoas cantarem em coro uma música - nós, escritores, escrevemos na solidão, esperamos meses, talvez anos, que o livro seja publicado, e depois dá-lhe solidão de novo, enquanto o leitor, lá na sua casa inimaginada, lê o nosso livro e experimenta as suas próprias emoções. Tudo exige muito tempo, e muita solidão. E não vou mentir que desgosto... Mas então os guris do K&K vieram com esta ideia de fazer música com escritor. Eles vieram com a sua alegria - não existe baixo astral com esses dois - e foram pacientes com os meus medos, com a minha timidez escorregadia e com as minhas pequenas e inúmeras bobagens - e então, dessas paciências todas, mais um pouco de cloro e tardes de sol, outro tanto de humor e de boas conversas, pois mate não teve, já que sou uma gaúcha de araque, foi que nasceu “Piscina”.

Esse material e toda a história do desenvolvimento do álbum está aqui:

Encontrei o pacote de CD + DVD + álbum ao preço de 50 reais em vários lugares da Internet.

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