MILTON
MACIEL
A
moça linda, de esvoaçantes cabelos negros, enfiada em um algo esvoaçante
vestido verde, falou ao chegar à entrada:
– Por favor, vocês
poderiam me indicar daqui, discretamente, qual é a sua mesa 17?
Uma jovem de tailleur
preto dirigiu-se à recém-chegada, para poder responder em voz baixa, atendendo
à solicitação de discrição da cliente. Movia-se com uma leveza surpreendente, mais parecendo
uma bailarina do que a hostess de um
restaurante de hotel.
– Certamente, senhora. A mesa
17 é aquela em que está sentado o cavalheiro de malha cor de vinho. Aquele que
está lendo o nosso cardápio.
A morena linda agradeceu
à garota do tailleur, entregando-lhe seu melhor sorriso. Fez mais, tornou-a confidente, sussurrando-lhe:
– Sabe o quê? Eu marquei
um encontro com aquele cara, que eu nunca vi... Quer dizer, minha prima marcou
um encontro dele comigo... E eu escolhi este hotel, porque me falaram muito bem
do restaurante daqui – que eu também não conheço.
– Ah, a senhora vai
gostar muito do nosso restaurante, pode ter certeza. Eu vou me encarregar
pessoalmente de que nada lhes falte na 17. A senhora quer que eu a encaminhe
até à mesa e ao cavalheiro?
Luciana sobressaltou-se:
– Não! (Meu Deus, eu dei um grito! – pensou) – Não, quer dizer... desculpe. Ainda não. Bem,
eu estou nervosa, sabe como é... primeiro encontro... E este meu vestido...
– Um lindo vestido,
senhora. Perfeito, de muito bom gosto. E, se me permite comentar, lhe cai muito
bem, ressalta seu corpo elegante. A senhora é uma mulher muito bonita.
– Eu sou uma mulher
muito...insegura, isso sim! Mas, em todo caso, eu lhe agradeço o comentário,
quem sabe me anima um pouco mais. Sabe, esse sujeito é muito especial, segundo
a minha prima. E, agora que eu estou vendo como ele é... Bom, o cara é um gato! Deve estar assim de mulheres atrás
dele.
– Parece muito distinto,
é verdade. Mas eu acho que a senhora não precisa se preocupar com a
concorrência de outras mulheres, não.
– Ah, menina, você sabe
animar a gente. Eu queria que você fosse a minha psicóloga, não a minha
garçonete. Qual é o seu nome?
– Luciana, senhora, hostess deste restaurante, para servi-la.
– Céus! Luciana! Eu
também me chamo Luciana. Quem diria, nós duas aqui agora...
– Feliz coincidência,
senhora. Mas...
– Sim, sim. Olha, vamos
fazer o seguinte: Eu ainda não vou até à mesa. Estou vendo que o banheiro é bem
aqui em frente. Então vou até lá e aproveito para dar mais um toque no cabelo,
sabe como é... Assim tenho mais tempo para me acalmar.
– Como quiser, senhora.
Se desejar, quando sair do banheiro, pode voltar aqui que eu terei muito prazer
em acompanhá-la até sua mesa, como é do meu dever.
Mais descontraída agora,
Luciana cliente olhou com mais atenção para a Luciana hostess: (Meu Deus, ela é uma
bonequinha! Que coisa mais querida, uma loira tão bonita, uns olhos que parecem
de mel. E que classe, que delicadeza. Deve ser uma profissional nota dez).
– Eu volto sim, não
demoro – respondeu.
Entrou no banheiro, para
fazer o que realmente queria; tirou o celular da bolsa e ligou para a prima:
– Laurinha, eu já estou
aqui. Tô vendo o cara e ele ainda não me viu. Menina, ele é um gato, mesmo. Bem
como você disse. Qual é mesmo a idade dele?
– 34, meu bem. Um cara
bem de vida, bem resolvido, engenheiro. Está há muitos anos na nossa firma, mais
do que eu mesma. E, como eu já falei, divorciado há pouco tempo e sem filhos.
Vê se aproveita e lava a égua!
– Ai, Laurinha, que modo
de falar! E quem garante que ele vai se interessar por mim?
– Eu garanto, sua frouxa!
Eu! Eu que passei semanas fazendo a maior campanha, a maior propaganda de você
pra ele. Fui com tudo pra cima dele.
– Nossa, com tudo pra
cima dele, só pra falar bem de mim?
– Não, sua boba, eu fui
com tudo pra cima dele pra falar bem de MIM! Falar e o resto tudo... Eu fui pra
cima dele por que eu estava a fim de ir pra
baixo dele. Aliás, sempre estive, mesmo quando ele era casado.
– Menina, você é
demais...
– Pena que ele não tenha
achado isso nunca. Nem antes, nem depois de divorciar. Se há um cara que não
cedeu aos meus encantos e tramoias foi esse aí. Quando vi que não ia conseguir
nada com ele, então resolvi passar o bastão para você.
– Que nem em corrida de
revezamento...
– Não, sua tonta, o
bastão que eu estou mencionando é outro, vê se me entende. E vê se consegue
pegar por mim, já que eu não pude.
– Laurinha, você não tem
jeito mesmo! Sua maldosa.
– Maldosa é ser amiga
assim, passando o bastão pra você, fazendo sua campanha promocional? Ou seja,
aumentando e mentindo a seu favor, como qualquer boa agência de publicidade faz?
– Não, não, desculpe, eu
me enganei. Eu quis dizer maliciosa e disse maldosa. Eu sou uma besta mesmo.
– Ah, bom, isso você é mesmo, porque já está aí
faz tempo e ainda não foi pra cima do cara. Está esperando o que? Que apareça
uma perua na mesa ao lado e pegue o bastão pra ela? Vai lá, sua covarde, corre
e pula em cima do cara. Anda! Tchau, se manda, tô desligando pra você não poder
enrolar mais.
Luciana olhou-se um longo
tempo ao espelho, depois, com um fundo suspiro, decidiu que era hora de ir à
luta. Passou resoluta pela hostess,
fazendo-lhe um sinal. A moça loira, de tailleur preto elegantíssimo,
acompanhou-a, sorridente. Chegando à mesa 17, desempenhou a contento seu papel:
– Senhor, aqui está sua distinta
convidada. Tenham um ótimo jantar. E não deixem de recorrer a mim para qualquer
coisa especial que precisarem.
O rapaz ignorou
completamente a hostess loira, seus
olhos estavam arregalados, contemplando a belíssima figura de sua convidada:
– Oi, eu sou o Silvio.
Silvio Vieira, engenheiro e facilitador de eventos. Muito prazer.
Puxou delicadamente a
cadeira para que ela sentasse e, dali em diante, começou um longo diálogo de
mútuo encantamento. Falaram de si, de seus gostos, de suas aspirações e até de
seus problemas, famílias incluídas nisso. O engenheiro estudara tecnicamente o
menu do restaurante enquanto esperava, fez diversas sugestões, chegaram a um
denominador comum e desfrutaram de um jantar realmente fora de série, com um
bom vinho e uma sobremesa a caráter.
Depois de uma hora e meia
já se sentiam muito à vontade um com o outro. E francamente entusiasmados,
também. Luciana desculpou-se por precisar ir ao banheiro e levantou da cadeira,
com a ajuda bem-educada de seu companheiro de mesa.
A moça quase correu para
chegar ao banheiro, já tirando o celular da bolsa. Era tão certo que a prima
Laura estaria esperando que ela ligasse, como era certo que ela ligaria ali do restaurante
de novo:
– Ah, menina, o homem é
tudo o que você falou e mais um pouco! Sensacional. Estou adoraaaando!
– Eu não falei? Fica me devendo essa.
– Ah, priminha, devendo e
muito...
– E o bastão? Já pegou?
– Pára, sua tarada! O meu
nome é Luciana, não é Laura, tá. Eu tô falando sério, se o cara for metade do
que me parece, eu vou me apaixonar em dois tempos. E olha, tem mais: Eu acho
que ele também gostou mesmo de mim. Isso é o melhor. Você precisa ver como ele
está entusiasmado. E falando daquele jeito, aquele jeito mole, arrastado, como
você sabe que os homens ficam, quando estão a fim da gente.
– Ora, a fim de você
qualquer homem vai ficar, sua gatona. Qualquer um vai querer te comer, grande
novidade.
– Não é isso, Laurinha,
eu acho que ele está a fim de mim de uma maneira diferente, séria. Você
precisava estar aqui para ver o comportamento dele, o jeito como ele me olha o
tempo todo, sem parar. Eu acho que desta vez desencalho.
– Sua bobinha, você pode
estar tudo, menos encalhada. Com 25 anos só, linda assim, que bobagem...
– É, mas desencalho de
sair só com tranqueiras, só com homem que não presta pra nada, como tem sido
minha história nos últimos tempos. Você sabe, você acompanha...
Continuaram nos celulares
enquanto Luciana sentava ao vaso, retocava a maquiagem, ajeitava o cabelo.
Enquanto isso, o
engenheiro sucumbiu também à tentação do mal
du siècle, o celular. Calculou que teria uns bons 5 minutos para falar, até
que a morena fascinante retornasse do banheiro. Estava entusiasmado demais para
se conter:
– Alô, Gastão? Puta,
cara, que baita mulher que me apareceu aqui! Você não faz ideia, aquela maluca
da Laurinha me fez uma enorme propaganda dessa prima dela, mas eu não acreditei
é claro. Justo a Laurinha! Mas cara, pois não é que aquela doida estava certa.
Esta Luciana é demais, cara, é tudo de bom e mais um pouco. Um tesão: pernão,
coxão, bocão, uns olhos pretos... Não, a bunda não deu pra ver direito, a
roupa, sabe como é. Mas parece que não vai ficar devendo nada ao resto. Mas
cara, não é só isso, não. A mulher é muito mais... Tem substância... Tem
estudo, é fonoaudióloga, fala muito bem, é inteligente, boa família. Ué, que
mal tem se eu me interesso pela família dela? Ah, cara, não escracha. E se a
coisa der certo? Você sabe muito bem que, depois que eu me divorciei daquela
escrota da Marina, eu evitei todo e qualquer contato com mulher que não fosse
só uma comidinha rápida e depois hasta
nunca, baby! É, cara, é sério, sim. Pra você ver que eu estou fazendo algo
que nunca faço, ligar pra um amigo pra narrar o jogo ao vivo. Bom, eu vou
desligar que logo, logo, a Luciana está de volta e eu vou continuar mergulhando
naquelas águas profundas. Não sei se não vou me afogar, cara. Não sei não...
Foi quando estava
desligando o celular que ele ouviu uma voz musical à sua frente e levantou o
olhar. "Meu Deus, anjos existem!!!"
Ficou paralisado por um instante, depois ergueu-se de um salto e perguntou, com
a voz alta demais e estranhamente trêmula:
– Quem é você??!!
– Sou a hostess do restaurante, senhor, já falei
com o senhor hora e meia atrás.
"Meu
Deus, anjos falam!!! Não: cantam!" A moça loira, de
elegante tailleur preto, sorria-lhe alvos dentes nacarados e colocava sobre ele
um par de olhos de mel e abismo, que cintilavam como se tivessem luz própria. A
voz musical, novamente:
– Vim ver se está tudo a
contento do senhor e de sua companheira. Qualquer coisa a mais que possam
desejar...
Silvio engenheiro
gaguejou:
– Não... Não, tudo ótimo.
Qual é...o seu no...no... nome?
– Luciana, senhor, à suas
ordens.
– Luciana também! Puxa.
– Sim, o mesmo nome de
sua convidada, uma moça tão fina, tão bonita. Parabéns pelo bom gosto, senhor.
Vi que ela foi ao banheiro, passou por mim. Já deve estar voltando.
– Si... Sim. – E ele
deixou-se cair pesadamente sobre a cadeira, enquanto ficava a contemplar a hostess loira que se afastava, tentando descobrir
a razão da incoerência de não ver um par de asas emanando daquelas costas
perfeitas.
A outra Luciana chegou.
Ficou esperando que o
homem puxasse a cadeira para ajudá-la a sentar à mesa, mas ele parecia nem ter
notado seu retorno. Ela mesma manobrou a cadeira e sentou. E notou que o
companheiro parecia como que apatetado, com o olhar distante, vago, como em
transe. Que raios teria acontecido enquanto ela estava no banheiro?
Não descobriu durante a
meia hora seguinte, na qual o diálogo, antes de encantamento e sedução, de
abertura e sinceridade, tornou-se vago e entrecortado. A sobremesa, que o
engenheiro recomendara com tanto entusiasmo, chegou e ele nem tocou nela. A
conversa descambou para o trivial e o óbvio e Luciana correu de volta para o
banheiro, para comentar com o técnico do seu time no jogo, a tal corrida de
bastão.
– Laurinha, socorro! O
homem endoideceu, virou um zumbi, alguém fez uma lobotomia nele quando eu vim
ao banheiro antes.
– Que história é essa,
minha nega? Como assim, virou um zumbi?
– Ai, Laurinha, que
decepção, que vontade de chorar. O cara se arrependeu, algo aconteceu na cabeça
dele, todo aquele entusiasmo comigo passou. Ele está esquisito, distraído,
parece que perdeu o rumo...
E ficou mais alguns
minutos descrevendo tudo com minúcias para a prima.
Quando Luciana
fonoaudióloga foi para o banheiro de novo, o engenheiro ligou sua calculadora
mental e deu-se mais 5 a 7 minutos de tempo extra. Então, enquanto sua
companheira ia ao xixi, o engenheiro foi para céu. Atrás de um anjo.
Correu na direção da
entrada do restaurante. Lá estava o anjo loiro! E o rapaz tinha pouco mais de 5
minutos para fazer alguma coisa. Tinha que ser objetivo, matemático. Por isso
já chegou falando de longe:
– Você não é a esposa do
Maldonado?
– Desculpe, senhor. Deve
ser engano seu, eu não sou casada.
– Não! Mas por quê?! – a
pergunta, quase gritada, era ilógica, descabida, inconveniente e nada
‘engenheira’.
– Por quê?!... – a moça loira ficou sem saber o que dizer. Mas pousou
seus olhos de mel sobre os olhos esverdeados do engenheiro com atenção, pela
primeira vez.
O engenheiro chamou a
cavalaria, tinha pouco tempo, tocou o cavalo em cima, apelou:
– Bem, e o seu namorado,
ele não fala em casamento?
O maître, que passava por ali providencialmente, entrou na conversa:
– Que namorado, moço?
Quem dera!
– Paaai!!! – protestou,
veemente, o anjo loiro.
– O senhor é o pai dela?!
E ela não tem marido, nem namorado? Que maravilha!
– Maravilha?!! – protestou
outra vez o anjo de tailleur, olhando para o engenheiro indignada.
– Maravilha, sim. Se é
assim, e o senhor é o pai da noiva, eu lhe faço o pedido direto agora: o senhor
me concede a mão de sua filha em casamento?
O maître riu abertamente,
olhando para aquele maluco à sua frente:
– Olha que conceder eu
até concedia, só que eu não mando nada nessa menina desde que ela era uma
moleca, isso sempre tomou as rédeas nos dentes. Agora o duro, o que eu queria
ver, é o senhor convencer essa tal de feminista a casar algum dia.
– Bem, eu pensei que o
mais difícil era conseguir a aprovação da família. Agora que já tenho isso, com
ela pode deixar que eu me entendo.
– Ah, se entende?! – falou, furiosa, o anjo feminista –
Pouco convencido, não?
– Eu lavo os pratos, eu
lavo a roupa, eu não pergunto onde você vai.
O pai, os outros garçons,
o pessoal que passava por ali, todos riam divertidos com a cena surreal.
Mas o engenheiro,
apressado, continuava sua obra mestra de convencimento:
– Eu cuido das crianças.
– E quem lhe disse que eu
quero engravidar?
– EU engravido! Bom, se
não der, eu adoto.
– Ah, adota... Bem, adoção
sempre foi uma coisa que eu pensei um dia fazer. Engravidar, não. Você seria
capaz de não ter filhos naturais e ter filhos adotivos?
– Com você eu sou capaz
de ter filhos adotivos, biônicos, marcianos, robóticos. Ou nenhum, se você não
quiser.
Então a moça loira
encarou fundamente os olhos esverdeados daquele homem tão diferente e seus
olhos de mel estremeceram pela primeira vez. E, a partir desse momento, também
ela foi atingida pelo mesmo estado de quase transe em que o homem entrara. Os
dois olhares flutuaram um para dentro do outro e todos ao redor
desapareceram como por passe de mágica.
Os engenheiros sabem que
existe a compressão do tempo. Naquele minuto final, que precedeu a volta da
primeira Luciana à mesa 17, passaram-se anos, décadas, éons; durante eles, o
homem e o anjo se conheceram, se reconheceram, se reencontraram, se
transfundiram, se amalgamaram. Quando retornaram ao mundo real, viram que ele
não era mais o mundo real, nem era mais o mundo deles.
O engenheiro pegou a mão
do anjo, levou-a ao maître, e ambos o abraçaram longamente. Depois, de mãos
dadas, os dois saíram para o estacionamento, entraram no carro do rapaz e,
apenas com a roupa do corpo, iniciaram a longa viagem que os levaria para o
Nordeste, mais exatamente para a praia de Canoa Quebrada, no Ceará. Não sabiam
bem o porquê, mais sabiam que era ali. Ali estava o real mundo deles a
esperá-los. O resto era futuro, e o futuro não os interessava nem um pouquinho,
porque tinham um longo presente a construir.
Na mesa 17, uma morena
lindíssima esperava, sem nada entender. Tudo indicava, porém, que a vida lhe
havia mandado mais uma tranqueira, desta vez com requintes de crueldade. E,
inclusive, com uma conta de restaurante para pagar. Ah, Laurinha e suas
indicações! Ela ia ter que ouvir poucas e boas.
Angustiantes minutos
depois, o maître apareceu. Veio trazer-lhe pessoalmente a conta. Para surpresa
e alívio de Luciana morena, com 50% de abatimento. O maître, solidário e
generoso, confirmava com esse gesto a fuga do engenheiro na hora de pagar a conta. Ah,
aquele golpista miserável, devia fazer isso com muitas garotas incautas,
fazia-se de interessado, iludia as idiotinhas, comia e bebia do melhor num restaurante
bem caro e depois se mandava, deixando o cravo para a vítima da vez! Ah,
Laurinha, Laurinha! Nunca mais!
Precisava de socorro
urgente. A loirinha! Sua psicóloga de restaurante, o anjo capaz de levantar seu
ânimo. Perguntou por ela ao maître. Este, porém, deu-lhe uma resposta que
terminou de devastá-la:
– Nossa hostess acaba de ir embora, senhorita.
Motivo inesperado, de absoluta força maior.
Conformou-se, enfim, a
morena linda. Não era mesmo sua noite. Bem, pelo menos pagaria só pela parte
que comera e bebera. Entregou o cartão, o maître acionou a maquinha, ela digitou
a senha, pegou sua bolsa e despediu-se, agradecida.
E, enquanto contemplava
com dó aquela moça tão bonita de vestido verde ir embora desolada, o maître
pensou:
“Coitada, que azar. O
rapaz não devia ter feito esse papel tão feio com ela, deixar a conta para ela
pagar. Bem, pelo menos isso não é uma traição amorosa, afinal ele não é namorado dela ainda. E, pensando bem, o moço estava tão passado, tão nas nuvens
por causa da minha filha Luciana, que não podia mesmo lembrar de pagar a conta.
Afinal ele simplesmente apagou a Luciana morena de sua mente.”
Por um curto momento, atipicamente sentou na cadeira que a morena linda havia ocupado e relembrou:
“Uma louquinha, essa
minha filha. Louquinha adorável. Saiu à mãe completamente. Fonoaudióloga
formada, nem quis exercer a profissão. Disse que preferia gente barulhenta ao
seu redor. E veio trabalhar no restaurante de luxo onde o eu era o maître. Um sucesso!
O pessoal da casa e os clientes simplesmente babam por ela. Mas é louquinha
como a mãe. Aliás, a mãe é pior. Afinal, a filha fugiu com um completo
desconhecido que, pelo menos, ainda não era namorado da outra. E a mãe dela,
que fugiu na festa do seu casamento,
com um completo desconhecido, que era só um dos garçons que foi servir na
festa!”
Bendita loucura. De
ambos. Esse garçom, graças a Deus, tinha sido ele mesmo.
Pediu licença e saiu antes
de a noite acabar, sentiu um aguilhão de saudade, precisava voltar correndo
para casa, abraçar e beijar sua doidinha de toda uma vida. E contar para a louquinha-mãe
a grande novidade: que a louquinha-filha acabara de fazer o mesmo que ela, havia fugido, sabe-se lá para onde, com um completo desconhecido.
Uma hora depois, após
amarem-se com a mesma suave paixão de sempre, abriram um champanhe e
brindaram felizes:
– Às mulheres loucas e
fujonas desta família – propôs o pai, erguendo sua taça.
– Ao sucesso amoroso
dessas mulheres – respondeu a impetuosa mãe, batendo sua taça na dele – Porque
você bem sabe...
– Que vai dar certo para
a louquinha-filha também, é claro! Deus abençoe aqueles dois malucos, onde quer
que estejam agora. Que eles estejam começando a viver uma loucura tão
maravilhosa como a nossa.
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