sexta-feira, 22 de julho de 2016

UM HOMEM ROMÂNTICO DEMAIS  
Microconto (*) nem tão micro assim   
MILTON MACIEL 

Romântico incorrigível, sofro desilusões amorosas que doem demais. Compreendam: Eu poderia tê-la amado por toda a vida; mas, dias antes do casamento, o pai dela, rico industrial, foi à falência! Foi um golpe duro demais e meu pobre coração sonhador se partiu em frangalhos.
Hoje estou para casar com outra mulher, que amo apaixonadamente também. Mas, desta vez, mais escolado, tratei de ganhar a posição de contador da indústria do pai desta. Afinal, gato escaldado... É que sei que meu coração romântico não vai resistir se sofrer outra desilusão igual à primeira. O mundo é muito cruel com pessoas sensíveis como eu... 

(*) Meu microconto favorito é este: “Uma vida inteira pela frente e a bala veio por trás” – Não sei quem é o autor, mas é um gênio! Sem alguém souber – comprovadamente! – faça a caridade de me informar, por favor. Adoro reconhecer a genialidade dos outros. (MM)

domingo, 17 de julho de 2016

FARINHA BRANCA E PÃO INTEGRAL – desnaturação e aditivos
MILTON MACIEL

1 - A FARINHA DE TRIGO BRANCA
   “De 200 anos para cá, os cereais foram empobrecidos ainda mais, pelo processo de “beneficiamento industrial”. Ou seja, pela remoção do farelo e do gérmen, fontes de fibras e micronutrientes e a conservação apenas do endosperma do grão, moído finamente para se transformar em farinha. Essas farinhas brancas (algumas até branqueadas artificialmente) são rigorosamente cereais desnaturados, ou seja, o que já não era muito bom acabou ficando muito pior!

    Historicamente, é bom comentar aqui, a farinha de trigo sempre foi integral, até que foi inventado o processo de retirar dela o farelo e o gérmen, o que resultava na coloração alva procurada e contribuía para que a mesma tivesse mais vida útil, pois os componentes oleosos do gérmen apressam a decomposição da farinha.

   O procedimento era inicialmente bastante caro, de forma que só os mais ricos podiam comer pães brancos, cabendo ao restante todo da população contentar-se em comer pães integrais. Exatamente o contrário do que acontece hoje, quando os pães integrais é que são substancialmente mais caros do que os brancos.

   Comer pão branco foi, assim, inicialmente um sinal de status. A cara farinha branca servia também a outra interessante função, esta de ordem estética: polvilhar as perucas dos nobres da corte, de modo que todos tivessem imensas cabeleiras rigorosamente brancas, como se vê nos filmes de época. Obviamente, esse procedimento era não apenas precário como anti-higiênico.

   As perucas iam deixando cair e espalhando farinha branca pelas roupas e ambientes. E, além disso, serviam como natural criatório para carunchos, larvas e micróbios à vontade, passando também por óbvios processos de fermentação, de onde se depreende que se desprende de tal adorno um cheiro tão desagradável que não há perfume francês que o logre ocultar. Tal era, na origem, a realidade das lindas cabeleiras, repositórios de farinha branca a adornar as nobres cabeças daqueles que eram os únicos a poderem comer pão branco.

   Evidentemente, à medida que o quadro se inverteu e a farinha branca, produzida maciçamente, se tornou mais barata que a integral, ela foi progressivamente se fazendo uma parcela cada vez mais ponderável na base alimentar contemporânea e virou comida de pobre!

   O que se vê agora é que, quanto mais pobre é uma população, maior vai ser a participação dos grãos e da farinha branca na base de sua dieta diária. Com carnes, peixes e laticínios consideravelmente mais caros e menos acessíveis, as populações de baixa renda se vêem obrigadas a depender cada vez mais dessa base de alto conteúdo de carboidratos e de baixíssimo teor de proteínas de alta qualidade e aminoácidos em equilíbrio.” (in A SOPA QUÍMICA – Milton Maciel, IDEL, 2008 e 2016)

2 - O PÃO INTEGRAL INDUSTRIALIZADO e seus aditivos
As pessoas que tentam fazer o pão integral em casa, usando exclusivamente farinha integral, se deparam com uma grande dificuldade: a massa quase não cresce, resultando num pão menor e pesado. Mas a indústria alimentícia encontrou uma fácil solução para isso, por meio de aditivos químicos alimentares, que são incorporados à massa.

Como o que dá ‘liga’ à massa e permite que as bolhas de gás carbônico produzidas pela ação do fermento fiquem retidas na mesma é o GLÚTEN, a primeira solução, também usada em receitas caseiras, é misturar a farinha integral com a farinha branca.  O outro recurso é a adição de mais glúten simplesmente. Mas, para uso industrial, isso ainda é pouco, de modo que outros aditivos, denominados genericamente de MELHORADORES DE FARINHA são empregados. O primeiro melhorador de farinha mais usado é o ácido ascórbico.

Mas isso pode ser ainda pouco, quando a participação da farinha integral é maior do que a branca. 

Esta costuma aparecer na lista obrigatória de ingredientes como  a denominação:

FARINHA DE TRIGO ENRIQUECIDA COM FERRO E ÁCIDO FÓLICO. Sim, essa é a farinha BRANCA!

Se ela aparecer em primeiro lugar na lista, então o pão tem mais farinha branca do que integral

Mas, quando a farinha a ser usada é 100% integral, então só o ácido ascórbico (a vitamina C, lembram?) é pouco. Nesse caso, a indústria lança mão, mais modernamente, de um novo truque químico: o segundo “melhorador” de farinha é a AZODICARBONAMIDA (ADA).

A azodicarbonamida é um produto químico usado na indústria de plásticos como ESPUMANTE, para produzir bolhas no material, deixando leve a flexível. Serve tanto para fazer plásticos tipo isopor como para fabricar tapetes de borracha/plástico muito leves e flexíveis, como os usados para prática de Ioga.

A indústria alimentícia aprendeu a usar a ADA para “melhorar” a farinha branca em geral e, aumentando a dose, a farinha integral também. Nos EUA temos mais de 500 produtos diferentes que incorporam ADA nas suas farinhas, desde pães, biscoitos e bolos até pizzas e vários tipos de salgados.

Há pouco tempo começou uma grita generalizada contra o uso de ADA nas farinhas e o EWG – Environmental Working Group mandou analisar centenas de produtos existentes no mercado americano, defrontando-se com o uso de ADA em mais de 500 produtos diferentes. Como resultado da campanha americana de mobilização contra a ADA, a rede SUBWAY concordou em banir o aditivo de todos os pães de seus sanduíches. Agora o EWG e outras associações pressionam outros fabricantes de porte para que façam a mesma coisa. 

Para terminar, vou colocar aqui a lista de ingredientes de um dos pães fabricados no Brasil usando só farinha 100% integral.

Trata-se do “Pão integral SEVEN BOYS de trigo e linho”. A embalagem expressa:

“100% da farinha utilizada é integral”. “O Pão Integral Trigo e Linho Seven Boys utiliza em sua receita exclusivamente farinha 100% integral, alem de sementes de linhaça marrom.”

Mas agora vamos à lista de ingredientes:

Farinha de trigo INTEGRAL
Glúten de trigo
Açúcar mascavo
Sementes de linhaça marrom
Gordura vegetal de palma
Sal
Conservador: propionato de cálcio
EMULSIFICANTES:
1) Mono e diglicerídios de ácidos graxos
2) Estearoil-2-lactil lactato de sódio
Acidulante: ácido lático
MELHORADORES DE FARINHA:
1) ácido ascórbico
2) azodicarbonamida (a famosa ADA que os americanos não querem!)

Bem, agora você pode entender porque a indústria alimentícia consegue, num produto típico como esse, oferecer um pão integral, com farinha 100% integral, crescido, aerado, fofinho e pré-fatiado. Ao passo que o seu, caseiro, só na base da farinha integral, fica aquela sola danada de dura.

O segredo deles é a moça americana, a tal de ADA!


sexta-feira, 8 de julho de 2016

SUA SAUDADE É IDIOTISMO  
MILTON MACIEL

Você já se sentiu idiota por ter sentido saudade de uma certa pessoa? Justo daquela?

Pois se isso já lhe aconteceu, saiba que isso pode ter sido uma idiotice de sua parte. Mas nunca um idiotismo SEU.

Mas saudade é, sim, um idiotismo. Sempre. Já idiotice é a qualidade ou atitude de quem é idiota. E idiotismo é uma coisa completamente diferente.

Idiotismo linguístico é uma palavra que não pode ser traduzida literalmente em nenhum outro idioma. É o que em inglês se chama de IDIOM e em espanhol é chamado de MODISMO. Se for uma expressão, será um idiotismo fraseológico. Como, por exemplo, “triste de mim”.

Idiotismos são o inferno dos tradutores. Traduzir a palavra saudade para outros idiomas é terrivelmente difícil.

Em compensação, pegue qualquer das muitas expressões idiomáticas do inglês e tente traduzi-las ao pé da letra para o português. Fica terrível, não é? Por exemplo “a piece of cake” (um pedaço de torta), quer dizer “algo muito fácil” de fazer. É um idiom, um idiotismo fraseológico do inglês.

E saudade é um idiotismo lingüístico do português. Portanto, você pode sentir saudade à vontade. Será sempre um idiotismo. Agora, se vai ser idiotice sua, bem aí são outros quinhentos. Ah, por favor, faça a gentileza de explicar esses other five hundreds para o tradutor que vai tentar dizer isso de forma compreensível a seus leitores de inglês.



sexta-feira, 1 de julho de 2016

A FICÇÃO E SEU MERCADO NO BRASIL
MILTON MACIEL (extraído do livro “A ARTE E A TÉCNICA DO ROMANCE” – Milton Maciel, IDEL, 2016)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm
. (trecho de “Autopsicografia” – Fernando Pessoa)

Mestre Pessoa diz tudo. O poeta, que é um ficcionista tanto como o contista e o romancista, é um fingidor. Na verdade, devemos dizer que é também um bom... mentiroso.

Eu e você, ao escrever ficção, vamos mentir muito para o nosso leitor. Vamos inventar uma história que não acontece, cheia de gente que não existe. Mentimos descaradamente! Mas esse é um jogo de cartas marcadas: a gente finge, mente, e o leitor acredita. Ri conosco, chora conosco, fica furioso, ama e odeia personagens. Se não somos bem sucedidos nas nossas mentiras, então ele odeia os nossos livros e nos odeia a ambos.

Mas, de qualquer forma, o que nós fazemos com nossas mentiras cuidadosamente arquitetadas é provocar-lhe emoções. É para tê-las que ele compra nossos livros. A vida dele não se completa sem isso. Ele precisa disso. Isso é ARTE!

ARTE é o que fazemos ao escrever ficção. Tiramos da nossa memória, dos nossos conhecimentos conscientes, das nossas pesquisas, da nossa própria vida, da nossa experiência, das nossas relações, do nosso inconsciente – e até do inconsciente coletivo – as ideias e as emoções que transmitimos à mente e à sensibilidade de quem nos lê. Fingimos tão completamente que as pessoas que lêem o que escrevemos passam a sentir a dor – ou a alegria – que elas não tinham até então. Simples assim.

Simples de conceituar. Não tão simples de construir, isto é, saber mentir bem. Ou seja, não basta saber mentir, é preciso saber mentir muito bem! Senão o leitor não sente as emoções que pagou para sentir. E nunca mais compra um livro seu ou meu.

Bem vindo, portanto, ao reino da fantasia, do fingimento, da mentira piedosa ou maldosa: o reino da Ficção.

Falando honestamente

E já que vamos nos aventurar no reino do fingimento e da mentira, a primeira coisa que vamos fazer é sermos absolutamente honestos. Com você, explique-se, não com o pobre do leitor. Esse a gente vai seguir enganando, que é para isso que ele nos paga.

É a honestidade que permeia este livro e os seguintes da série “Como Escrever Ficção” que me obriga a ser direto e franco com você. A começar por chamá-lo de mentiroso. E a continuar por elogiar em você justamente a sua capacidade de mentir bem. Você vai ter que se tornar um ótimo, um esplêndido fingidor, para poder escrever boa ficção.

Só que, antes de estimulá-lo a entrar neste oceano encoberto de brumas da vida de escritor, eu quero lhe falar umas poucas verdades que aprendi na prática de fingidor, editor e professor de escrita e marketing de livros. Vamos começar bem pelo começo e não creia que o que vem a seguir, já no próximo parágrafo, está fora de ordem. Não, ocupa o exato e devido
primeiro lugar na ordem de prioridades.

POR QUE SER ESCRITOR?

O que você, o que eu, o que Stephen King, o que Machado de Assis, o que Paulo Coelho querem ou quiseram ao se tornarem escritores profissionais?

Eu diria que, antes de mais nada e acima de tudo, o que queremos é produzir arte. Falei de propósito de King e de Coelho, porque eles são grandes sucessos de bilheteria, faturam milhões de dólares anuais. São, ao mesmo tempo, exceções absolutas.

Nosso mais famoso e competente escritor, o velho e ótimo Machado, não conseguiu enriquecer com seus muitíssimos livros. Livros tão bons que são sucessos até o dia de hoje, mais de 100 anos depois de sua morte. E o mesmo acontece com a ampla maioria dos ficcionistas mais talentosos deste nosso país. País ainda de poucas letras, onde o dinheiro para as letras é sempre dos mais escassos – especialmente quando as letras foram aplicadas no papel ou na telinha através de autores brasileiros.

O que quero dizer, com toda a crueza é o seguinte: se você quer escrever para ficar famoso e rico, pode começar a contar com mais dificuldades do que pode estar esperando. O famoso até que é possível: como vamos ver bem mais à frente, é muito mais uma questão de investir em uma boa assessoria de imprensa e não tem muito a ver com a qualidade do seu trabalho.

Já o ficar rico a la Paulo Coelho... Bem, não vou dizer com rudeza cruel para você tirar o seu cavalinho da chuva. Acontece. Às vezes. Com um em cada 10 mil autores, algo assim. Portanto, se você quer escrever para ficar rico rapidamente, recomendo-lhe que o faça tendo ao lado do teclado ou da caneta alguns volantes da Mega Sena. As chances podem ser maiores com a Caixa Econômica Federal.

Então, sem deixar de lado a visão otimista que, de vez em quando, surge um novo Paulo Coelho milionário no Brasil – e esse pode ser exatamente você! – vamos considerar o que sobra de possibilidades.

CONTINUA