quinta-feira, 16 de março de 2017

AS PESSOAS SÃO CONTAGIOSAS – Parte 2 - O TADINHO
MILTON MACIEL

Pois é, neste mundo de pessoas-ameba, pessoas-salmonella e pessoas-H1N1, precisamos ter cuidado com MUITOS tipos diferentes de fontes de contágio. Já mencionei o CHATO e o CRÍTICO como fontes importantes de infecção, as quais podem minar sua saúde psicológica e, portanto, afetar inevitavelmente sua saúde física.

Agora vamos passar a um tipo muito perigoso de fonte de contágio: o TADINHO. Esse tipo se divide em dois subtipos igualmente danosos, como vamos ver a seguir.

O primeiro, o Tadinho Propriamente Dito, é um artista: “Um fingidor, finge tãocompletamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras...” NÃO sente! Mas que você acredita piamente que ele sente. Em dois tempos ele o convence disso. Consequentemente, consegue o que quer: você morre de dó do sujeitinho!

Ah, ninguém sofre mais no mundo que o Tadinho! Ele é infeliz, injustiçado, desvalido, vítima desse mundo cruel e de suas pessoas desalmadas. Pelo geral ele também é pobrezinho, porque não é nem um pouco dado a essa coisa esquisita que você tem que fazer todos os dias: TRABALHAR! Por definição, o Tadinho é um PARASITA. Muito rapidamente ele comove você, alimenta sua compaixão, convence você que você é mais generoso que Madre Teresa... e passa a depender de você para sua sobrevivência – tanto psicológica como, principalmente, física.

Você paga uma conta aqui, empresta um dinheiro ali, paga um aluguel atrasado, compra comida, um tênis, uma roupinha, remedinhos para os dodóis dele... Uma amiga Tadinha e parasita tira de você o que quiser em dois tempos. Na hora você arranca do seu corpo o que tiver, para dar à Tadinha, pobrezinha. Tira a blusa, a calcinha, até o absorvente você retira para dar a ela, tanta é a piedade que você sente da coitadinha.

E a catástrofe fica completa quando você leva o(a) Tadinho(a) para morar na sua casa. Completamente instalada a infecção, na sua fase crônica agora, dali ele não sai NUNCA mais! Mas nem com reza brava, tanto que nenhum pai-de-santo aceita mais fazer trabalho para afastar Tadinho, porque isso está acima das forças dele e de todos os orixás juntos. Os únicos dois casos, que eu saiba, em que aconteceu esse afastamento, foram resolvidos por Raimundo Nonato da Anunciação, jagunço e pistoleiro de aluguel de infalível pontaria, glória do sertão alagoano. Só que Mundinho cobra caro, mas... guerra é guerra!

Em defesa do(a) Tadinho(a), devo reconhecer que ele(a) é uma pessoa muito grata. Vai dizer o tempo todo que você é a pessoa mais generosa do mundo, queima incenso o tempo inteiro ante o altar onde você é santa(o). Isso enquanto você estiver caindo na armadilha. No dia em que você acordar para a realidade da sua doença e descobrir que foi infectada por esse tipo de parasita, imediatamente ele(a) vai cantar e infectar em outra freguesia. Aí você passará a ser mesquinha, incompreensiva, unha-de-fome, mão-de-vaca, egoísta, cruel. Isso ela vai dizer para todo mundo, e, ainda mais especialmente, para sua nova vítima, a nova santa.

Mas, a essa altura, o Tadinho já causou um estrago brutal na sua confiança na humanidade e, com certeza, na sua conta bancária. Como o Tadinho é um ‘pobrezinho’, ele costuma deixar as pessoas que contamina bem mais pobres. Olho vivo, cuidado com ele!

O remédio para tratar essa infecção, a Tadinhite Crônica é difícil de encontrar. O tratamento deve ser basicamente preventivo. Quando o Tadinho começa a rondar e envolver você, quando você está ficando morto de compaixão, corra a procurar outras pessoas que ele possa ter infectado antes. Elas lhe contarão quem é a figura. Aí é tratar de mostrar que você já sabe, que o Tadinho corre ligeirinho para cantar e contaminar em outro quartel.

quarta-feira, 15 de março de 2017

MUNDINHO E RAIMUNDO NONATO  
MILTON MACIEL   

De longe o menino já escutou os gritos e o choro. Era mainha e eram as crianças também. Lasquera, que disgraça será que assucedeu-se?

Saltou do jegue na soleira da porta e entrou correndo. Dentro de casa, a mãe estava acocorada na sala de chão batido, aos gritos:

– Valha-me Deus Nossa Sinhora! Acuda minha filha, não deixe qui a disgraçera acunteça. Tenha dó da minha bichinha. Minha filha inocente... Deus Nossa Sinhora!

A mulher tinha o rosto inchado e o lábio inferior sangrando. Era evidente que aquele desgraçado tinha batido nela de novo. A caro custo, Mundinho conseguiu entender o que a mãe dizia, entre soluços e rogos:

– Ele levô sua irmã, meu filho. Dizque vai vendê ela pro bandido do Naldão, dizque que Naldão vai dá um bom dinhero pela bichinha. Dizque vai levá ela pra vendê pro fiho do coronel Justino.

– Vendê minha irmã, mainha?!

– Isso mesmo, meu filho. Dizque o home tá na fazenda do pai de visita, é aquele qui é adevogado lá no Recife. Dizque ele tá comprando minina novinha, pra botá na cama mais ele. Uma disgracera. I quem é qui pode cum um filho do Coronel?

– Mas painho foi vendê a própria filha dele? É isso?

– É. Eu supliquei, a Mariinha também, qui num quiria i. Mas num diantô. Aí seu pai bateu em nós duas i levô sua maninha pela corda, amarrada pelos pulso, qui nem bicho. Falô qui ela já tem 13 ano, qui é idade di trabaiá pra ajudá nas dispesa, qui o que ele vai ganhá vendendo ela é mais do que pode tirá num ano intero di vendê rapadura i melado.

– Arre égua, mainha! Mai eu num vô dexá essa disgracera acuntecê cum maninha. Pra qui lado eles foram?

– Seu pai saiu pro lados das venda, mais Mariinha. Faiz um tempão. Ainda arrenegô qui ocê foi montado no Tisnado pra iscola, qui ele ia tê qui andá toda essa lonjura a pé, mais a minina. Foi intregá ela pra Naldão. Qui Deus Nossa Sinhora, num dexe, num dexe!

Mundinho correu para fora, saltou de novo em Tisnado e tocou a galope em direção à picada das vendas. Após alguns minutos, viu ao longe que o pai já estava com Naldão. O menino parou o jegue atrás de uns mandacarus e ficou observando. Viu quando o pai recebeu e contou o que parecia ser dinheiro e, em seguida, transferiu a ponta da corda para o comprador. Maninha tinha sido vendida que nem boi!

O velho Bastião seguiu contente em direção à venda de Nicolau, que ficava a uns três quilômetros dali. Já Naldão, puxando e empurrando Mariinha com alguma violência, tomou a estrada de terra em direção oposta. Taí: ia levar maninha diretamente para a fazenda de Coronel Justino.

Mundinho esperou que o pai desaparecesse na estrada e começou a seguir Naldão e Mariinha bem devagar, a uma boa distância. Mas teve que acelerar o passo do jegue quando percebeu que o bandido estava passando a corda ao redor de um mourão de cerca, prendendo Mariinha no aperto. Então o homem levantou a saia da menina e começou a passar as mãos nela.

O menino viu tudo vermelho à sua frente e arremeteu a toda velocidade para cima do homem, que, quando escutou o tropel de Tisnado, afirmou os olhos para entender o que estava acontecendo e quem era aquele doido a galope pela estrada. Perdeu muito tempo com isso, o suficiente para que Mundinho se desviasse de repente,  chegasse até ele e lhe desferisse um tremendo golpe com a única arma que tinha à mão: sua sacola de pano, onde levava meia dúzia de livros de escola.

Atingido na cabeça, mais por causa da muita força do avanço do jegue do que por causa da pouca força braço do menino, o jagunço rolou por terra, meio tonto. Quando começou a levantar, Mundinho já estava em cima dele de novo. Desta vez o garoto pôde ouvir, nitidamente, o estrondo da batida do joelho do jegue na cabeça de Naldão, que rolou uns dois metros, e se estatelou no chão, já totalmente desacordado.

Agora é ele ou nós! – pensou o menino. E fez tisnado se afastar o bastante para voltar a galope para o ponto onde o homem estava caído. Na primeira vez, o jegue pulou sobre o corpo. Mas Mundinho repetiu a manobra e, nesta segunda vez, os cascos do animal pisotearam o corpo do bandido. Mundinho repetiu diversas vezes a manobra, até ter certeza que o afamado Naldão, jagunço de muitas mortes nas costas, tinha ido acertar as contas com seu patrão, o Coisa Ruim, lá embaixo.

Saltou do jegue, desamarrou Mariinha, que chorava e tremia apavorada, e a fez montar no animal. Examinou cuidadosamente os pertences do jagunço. Encontrou uma adaga e um garrucha de dois tiros, municiada. Tinha também material para mais três tiros. Colocou tudo em seu saco de livros. Depois montou ele também e tomou o atalho para a vila, por dentro dos pastos de Seu Eurico Benevides. Sabia muito bem onde deixar maninha.

Meia hora depois, os dois irmãos foram ouvidos por um atônito padre Torelli. O velho sacerdote ficou indignado e enfurecido, mal podendo acreditar que o pai daquelas crianças tivesse sido capaz de tal vileza. Mas prometeu tomar conta da menina, levando-a para a casa das irmãs Olivença, até que as coisas se esclarecessem. Mundinho podia voltar para casa tranquilo quanto à segurança de sua irmã. Nunca mais o padre permitiria que aquele pai desnaturado pusesse as mãos naquela filha.

O padre estranhou que as patas do jegue e o seu ventre mostrassem manchas de sangue, mas Mundinho disse apenas que ele pedisse explicações para Mariinha. E tornou a cavalgar seu fiel Tisnado de volta para casa. Agora, mais do que nunca, sua mãe e irmãos iam precisar dele. Tinha quatorze anos completos e, tudo indicava, acabava de matar um homem. E não qualquer homem, mas um bandido perigoso, com vários assassinatos cometidos, um matador de aluguel. Ele agora era Raimundo Nonato da Silva, também ele um matador de homem.

Estava na hora de deixar de ser criança. A vida o tinha obrigado a virar homem feito nesta tarde. Então estava também na hora de enfrentar aquele outro bandido, que era o velho Bastião, seu próprio pai. Era chegado o tempo de por um fim nos seus desmandos e nas suas violências contra a família. Mundinho podia ter ficado amedrontado até hoje, tanto tinha ele apanhado daquele pai desde bebezinho, tanto tinha ele visto a mãe e os outros irmãos serem barbaramente espancados também.

Mas agora ele não era mais Mundinho. Era Raimundo Nonato da Silva, cabra macho e matador de bandido. Agora o velho Bastião ia ter que respeitá-lo e ele não deixaria que o maldito batesse em mais ninguém de sua família. Palavra de Raimundo Nonato!

Quando o velho Bastião chegou da venda, feliz da vida com a dinheirama no bolso e com os cornos cheios de cachaça como sempre, entrou em casa antegozando a surra que ia dar na mulher. Sempre batia nela quando chegava bêbado, mas  os moleques corriam de medo, quase nunca podia pegar um daqueles porcarias de jeito. Covardes!

Mas, quando chegou na sala, quem estava a espera dele era Raimundo Nonato da Silva. O velho, de fogo, deu um empurrão no moleque Mundinho e foi em busca da mulher, que estava na cozinha. Já chegou batendo. Deu só um tapa, porém. Em seguida sentiu uma dor horrorosa nas costas e teve que se voltar: o filho acabava de lhe vibrar uma terrível pancada com a pá de mexer o tacho de melado.

Velho Bastião ficou possesso, com o atrevimento e com a dor que lhe desconjuntava os ossos. E partiu para cima do garoto:

– Eu vô matá ocê, seu desabusado! – e soltou um dos seus terríveis murros para acertar a cara do moleque.

Mas o menino, estranhamente, não estava chorando e suplicando para não apanhar. Estava tranquilo, com um olhar frio e penetrante, desafiador mesmo, que o velho Bastião nunca tinha visto naquele filho. Eram os olhos experientes do matador Raimundo Nonato.

E este agora era um homem feito. Esquivou-se  agilmente do murro e, para surpresa total do velho Bastião, contra-atacou com uma saraivada de socos fulminantes. O menino estava possesso, batia com uma raiva acumulada durante 14 anos. Batia sem parar. Velho Bastião não tinha como se defender daqueles golpes e acabou tomando uma enorme surra, apanhou durante mais de dez minutos. No fim ficou enrolado no chão, defendendo o rosto com as duas mãos e esperando a saraivada de pontapés que ia levar na barriga e nas costelas. Mas Raimundo Nonato da Silva não fez nada disso. Apenas falou:

– Se eu fosse covarde qui nem ocê, véio mardito, quebrava ocê a pontapé agora, como ocê sempre fez cum nóis, seu nojento. Mais eu num sô covarde qui nem ocê. Si já cansô di apanhá, se alevanta do chão e sai daqui, antes qui eu perca a cabeça i comece a le disancá di novo.

Para reforçar, apanhou do chão a pá de mexer o tacho de melado. E completou:

– Di hoje em diante fique sabendo qui num tenho mais medo di ocê. I é  bom qui ocê tenha medo di mim. Porque si ocê levantá essa mão suja outra vez para batê em mainha o nas criança, eu acabo com ocê. Acabo, le mato, compreendeu?

Velho Bastião levantou do chão com dificuldade e esgueirou-se para o lado de fora da casa. Sentou num banco do alpendre e ficou horas ali, pensando. O que será que tinha acontecido com aquele moleque, até ontem um covarde como os outros, que apanhava berrando e suplicando? De onde ele tinha tirado toda aquela força? A verdade é que o rapaz tinha mesmo crescido, estava praticamente da mesma altura que ele, mas era magro e franzino. Mas, de qualquer forma, aquilo não podia ficar assim. Aquela casa era a casa dele, era o seu terreiro e ali só podia cantar um único galo.

O velho esqueceu por um momento das dores e da humilhação, quando levou a mão ao bolso e retirou dali o maço com os mil e duzentos reais. Belo preço por um cabaço, apesar de que o bandido do Naldão devia ter mentido e ficado com um bom naco para ele também. Mas o filho do Coronel, aquele advogado gorducho e incompetente lá da capital, era mesmo viciado em tirar cabaço. Se soubesse disso, tinha ido lhe oferecer a menina muito antes, diretamente, sem precisar repartir nada com o patife do Naldão. A essas horas o safado devia estar fazendo um bom uso da sua parte da dinheirama.

Mas não tinha importância, ele tinha mais duas meninas em casa. Estavam muito novinhas, é verdade, mas com aquele doutorzinho da cidade pagando bem daquele jeito, era só uma questão de mais um par de anos e já podia negociar a primeira delas. E, um ano depois, vendia a terceira. Eita negócio bão! Se soubesse disso, tinha se dedicado a produzir filhas em quantidade e, não, rapadura, melado e cachaça. Até porque a pouca cachaça que ele fazia, ele mesmo se encarregava de consumir, toda ela, ao longo do ano.

Mas aí seu cenho franziu-se outra vez: Maldito moleque! Tinha que dar um jeito nele. E tinha que ser essa noite mesmo. Velho Bastião esperou que todos os candeeiros da noite se apagassem. Entrou sorrateiramente em casa e viu que todos já estavam deitados. A mulher e as crianças no quarto. O moleque, em sua enxerga, armada no chão da sala, ao pé da cozinha. Mariinha era agora uma ausência, certamente estava esperneando essa noite, conhecendo pela primeira vez o que era estrovenga de macho. Problema dela! Já tinha idade. Mulher só servia pra isso mesmo: abrir as pernas pra dar, abrir as pernas pra parir e, de resto, trabalhar muito para servir o homem que fosse o seu dono.

Mas o moleque desgraçado estava dormindo ali à sua frente, de cabeça para baixo, um cabeção tão grande como ele nunca tinha reparado. Lá fora fazia lua cheia e a visibilidade dentro de casa era melhor que escuridão plena. Então o velho não teve mais dúvidas. Foi até a parede, retirou o facão da bainha e se aproximou do insolente que dormia agora a sono solto. Viu  o cabeção que sobressaia sob o lençol em que o moleque se enrolava sempre para dormir, fizesse o calor que fizesse. Calculou direito a direção e a força do golpe e desceu o braço com toda velocidade em direção á cabeça, tentando encontrar o pescoço com a lâmina.

Estranhamente, o que viu foi algo parecido com uma bola que pulou de dentro do lençol e quicou no chão. Imediatamente, de trás da cortina que servia de porta para a cozinha, o velho viu um relâmpago de luz e um trovão entrou-lhe pelos ouvidos. Junto com ele, entrou-lhe no peito uma bala de garrucha.

O velho caiu no chão, estrebuchando, mas ainda lúcido para ver que o moleque acendia um candeeiro e se aproximava dele com uma garrucha na mão. E ainda conseguiu entender, antes que tudo ficasse para ele definitivamente escuro, como escura era sua alma, o que o menino dizia:

– Eu podia perdoá tudo em ocê um dia, quem sabe. Quem sabe até ocê, meu pai, tê tentado me matá. Mas eu nunca que le perdôo o que fez com minha irmã. Por isso, ocê morre agora.

E disparou o segundo tiro à queima roupa.

A mãe e as crianças chegaram na sala e se depararam com o ato final. O velho ainda tinha o facão na mão. No chão, a velha bola de futebol dos meninos estava encostada no suporte da talha de água.

– Mainha, eu achei que esse mardito ia querê mi matá mesmo. E armei um eu falso, com um cobertor i a bola di futebol como cabeça. Cobri cum o lençol. E ele, no escuro, achou que era eu. E, como oçês pode vê, tentou cortar fora a minha cabeça. É o segundo bandido qui eu mando pro inferno hoje. Agora só farta mais um.

– Como assim, meu filho, mais um? Porque ocê fala em segundo bandido? E qual é esse mais um. Sua mainha não tá entendendo nada.

– E nem carece di intendê agora, mainha. Agora eu já posso le dizê qui eu num deixei o bandido do Naldão levá maninha cum ele. Eu matei ele com a ajuda de Tisnado. Depois Mariinha le conta como foi, qui eu vô parti agora, pra buscá ela pra casa amanhã cedinho. Deixei maninha com padre Torelli, ela tá bem. Agora ocê manda os minino buscá cumpadre Inácio no rancho dele, conta qui eu matei o velho Bastião i conta porque. Ele vai sabê o qui fazê, inclusive cum puliça i tudo. Mas agora eu tenho que i, mainha.

E Raimundo Nonato da Silva, cabra macho e matador, matador de dois bandidos, um o seu próprio pai, montou Tisnado, o fiel Tisnado e seguiu noite adentro, em direção à vila. Amanhã, quando Padre Torelli abrisse a igreja para a missa das seis, teria uma surpresa. Ele e Tisnado estariam ali para buscar maninha. E esta ficaria aliviada quando soubesse que o velho Bastião nunca mais poderia vendê-la. Mas não contaria nada a Padre Torelli sobre a morte do pai. Não queria perder tempo, nem queria que o padre, com boas intenções, acabasse atrapalhando sua terceira missão. Tinha que liquidar o terceiro bandido. Depois, seria o que Deus quisesse. Que os homens fizessem com ele o que quisessem, também. Mas sua maninha e sua mainha estariam para sempre livres de perigo, livres de bandidos. E isso era uma bênção para a alminha de Mundinho, que amava demais aquela duas mulheres.

Às dez da manhã, Mariinha entrava triunfante em casa. No galpão da casa de compadre Inácio, era feita a sentinela do velho Bastião Silva. Mas ali não tinha ninguém. Só três velhas carpideiras, que cobraram adiantado, choravam e faziam suas ladainhas com esmero profissional. Pagos também tiveram que ser os dois homens que levaram o corpo na rede para o cemitério do povoado. Ninguém mais quis saber de acompanhar o cortejo do homem que tinha vendido a filha e tentado matar o filho.

O menino e seu jegue tiveram outra vez uma curta estada em casa. Seu Inácio confirmou que se encarregava de tudo, seu genro era sargento da polícia militar, ia dar um jeito. Iam livrar a cara do garoto. Então o menino se despediu com um abraço apertado em mainha e outro mais apertado ainda em Mariinha. Elas não sabiam, mas, para ele, era uma despedida. Dentro de poucas horas, o futuro iria se fechar para ele. Mas Mariinha não precisaria nunca mais temer o terceiro bandido.

Duas e meia da tarde, o menino Mundinho apeava do resistente Tisnado, à entrada da casa grande da fazenda de Coronel Justino. Um recado urgente de Naldão pro Dr. Amâncio, uma encomenda do doutor que vai demorar mais umas horas.

O doutor Amâncio chegou sonolento na sala, onde o menino esperava. Não havia mais ninguém na casa. O advogado tinha sido perturbado em sua sesta, estava de mau humor. Foi descontando no moleque:

– Então, seu porqueira, o que aquele idiota do Naldão fez que não me trouxe a minha garotinha. Eu paguei bem, a pequena é bonitinha mesmo. Qual é o recado dele, afinal?

– Este aqui.

Raimundo Nonato da Silva retirou da sacola de livros a garrucha de Naldão. Recarregada, perfeita. Olhou demoradamente, com olhos serenos, dentro dos olhos arregalados do homem gordo. Então o terceiro bandido rolou por terra. Missão cumprida. Ninguém tinha ouvido nada, percebido nada na casa vazia.

O rapaz voltou a montar em Tisnado e os dois partiram em direção ao futuro. Qual futuro? Mundinho não sabia. Raimundo Nonato não se importava!

segunda-feira, 13 de março de 2017

A INTENTONA DE 35  (conto de humor)  
MILTON MACIEL

No terceiro copo de chope, eu já sou um cara espontâneo. No quinto, fico sincero pra burro. No sexto, ousado. Assim, depois de uns... (bom, sei lá quantos, não lembro mais, com aquela comida árabe toda, aqueles charutos de repolho) lasquei direto pro Maguito:

– Tô louco pra pegá tua irmã! Muito gostosa!

O Maguito já devia ter passado dos dez, porque ele respondeu na lata:

– Eu também! Mas essa sociedade decadente inventou essa porra de incesto...

– Tô doido pra dá uns amassos nela.

– Taí, tu tem bom gosto! Já que eu não posso, eu te ajudo.

Dei um beijo no Maguito e gritei pro garçom:

– Mais charuto de repolho. E o meu maior amigo aqui não paga nada hoje.

E o Maguito:

– Salta mais chope também. O meu cunhado aqui não quer que eu pague nada hoje.

E aí ele me segredou:

– A Sílvia tá fácil, fácil, na comemoração do coroa. E como lá só tem velho mesmo, se a gente vai, você se dá bem.

– Que papo é esse de comemoração do coroa.

– Ah, é um barato do nosso avô. Hoje é 27 de novembro. E todo 27 de novembro, ele junta um monte de caco velho que nem ele e comemoram o aniversário de uma tal de Intentona.

– Intentona? Mas quem é essa Intentona? É uma velha da patota deles?

– Não pode ser. Porque eles falam que é a Intentona de 35. O velho tem pra mais de 80 anos. Pode ser uma pilantra de 35 anos, que dá mole pros velhos e arranca uma grana deles. Se bem que, no caso do meu avô, quem dá mole é ele mesmo. Dura é que ele não vai dar.

E o Maguito se afogou com o chope, de tanto que riu do velho. Aí eu mandei ver:

– Pô, vamo logo pra essa tal de comemoração, to doidão pra pegá tua irmãzinha.

Paguei e a gente errou a saída, saímos foi no pátio dos fundos do restaurante. Lá tinha uma moto com a chave no contato. A gente montou e saiu a toda. Na porta do restaurante tive a impressão de ver o nosso garçom correndo desesperado. Mas acho que foi coisa do chope.

Porra, o Maguito dirige moto mal pra burro! Ou vai ver que foi o chope! Afinal a gente chegou no tal clube não chegou? Tá certo que antes a gente entrou numas vielas bem pau da Rocinha, uns caras lá mandaram chumbo na gente, o maior barato, a gente caiu na gargalhada, porque os panacas atiravam mal pá caralho,  não acertaram um único teco na gente! Afinal, o tal clube ficava em São Cristóvão, não sei o que o Maguito foi fazer na Rocinha, se a gente saiu do Catete.

Mas o que importa é que nós chegamos lá. Aí o Maguito perguntou onde eu ia estacionar o meu carro. Arrepiei:

– Pô, é mesmo cara, a gente foi no meu carro, de onde saiu essa moto?!

Bom filosofia numa hora dessas não adianta nada, a gente já estava no tal clube, o negócio era entrar logo, porque eu tinha dois problemas agora: Um: eu tava louco pra encontrar a irmã do Maguito e dar uns amassos nela; Dois: aquela idéia de misturar chope com comida de boteco árabe e um monte de charuto de repolho tava me causando uma rebordosa no baixo ventre. Avisei o Maguito:

– Vai desentocando a gata pra mim, eu tenho que achar um banheiro antes, emergência!

Mas nessa hora a Silvinha apareceu, toda bronzeadinha, com um vestidinho branco que acabava meio palmo abaixo da calcinha (era branca também!). Aí eu pirei. Dane-se o banheiro, pra que um homem tem força de vontade?

A Silvinha agarrou o Maguito pelo braço e disse:

– Você atrasado como sempre! E ainda traz um amigo junto. Oi, Heleno! Olha, entrem de fininho, o negócio do velho já começou tem um tempão, eu aguentei o que deu, tive que ficar até o fim do discurso do vovô. Você sabe como é horrível, todo ano a mesma coisa, A tal da Intentona de 35. Agora fiz sinal pro coroa que tinha que ir no banheiro. Mas vocês entrem de fininho, por favor. Se o velho saca que vocês não estavam na hora do discurso dele, vai ser o diabo! Olha, tem uma porta lateral pequena, com uma cortina, entrem meio abaixados por ali, sai no meio do auditório. Mas não façam barulho, pelo amor de Deus!

Eu estava hipnotizado pela boquinha da Silvia. As coxas bronzeadinhas... aaah. Pô, não saquei onde era a tal porta lateral. O Maguito muito menos. Mas ele me deu um empurrão e disse:

– Vamos, vamos, onde tiver uma cortina a gente entra.

A gente deu umas três voltas e nada de cortina. Lá dentro já estavam lascando um velho hino, pelo som devia vir de um daqueles discos de 78 rotações que o velho tinha, era uma chiadeira só. Por fim encontramos uma cortina, até que grande pra burro e nos enfiamos meio abaixados. Saímos no meio do palco!

A velharada toda se agitou. Era um monte de coroas com fardas militares antigas.

 Pensei: Ih, fedeu! Mas o coroa do Maguito até que foi legal:

– Isso são horas de chegar, meninos?!  Mas nós não podemos reclamar, afinal é lindo ver que a juventude de hoje ainda sabe respeitar e prestigiar os verdadeiros heróis como meu pai, o terceiro-sargento Argimiro Saldanha.

– Viva Argimiro Saldanha! – gritaram todos os velhos.

Perguntei baixinho pro Maguito:

– Quem foi esse cara?

– O pai do meu avô. Minha mãe disse que o velho era doidão. Quando era apresentado para as pessoas, dizia que era um herói, que tinha levado tiro durante um tal de levante. Foi um tiro na bunda. E aí, pra provar, ele arriava as calças e a cueca e mostrava a cicatriz na bunda mole e murcha. O vovô tem o maior orgulho desse seu pai herói.

– Pô, velho muito doidão... Devia cheirar umas carreiras pesadas, não?...

– Sei lá. Mas olha: o coroa está chamando a gente pro meio do palco. Vamos lá.

No centro do palco havia uma coisa coberta com a bandeira do Brasil. O velho falou:

– Este ano vamos deixar que os jovens tenham o privilégio de abrir nosso relicário. Por favor, rapazes, vocês que representam o futuro heróico desta pátria amada:

E, com um só puxão, arrancou a bandeira de cima do... do CAIXÃO DE DEFUNTO!

Puta cagaço, quase me borro! Não, é verdade, a essa altura a coisa tava braba lá por baixo, minha barriga fazia barulho de cano d’água e eu comecei a suar frio. Um caixão de defunto!

O velho pegou minha mão, botou numa parte da tampa e disse:

– Você, meu jovem, vai ter a honra de abrir nosso esquife de 2016. Vamos homenagear nosso soldado desconhecido.

Na verdade ele é que abriu aquela tampa. Dentro tinha um cara morto, com farda do exército, um monte de coisa parecendo sangue na tal farda. Minha revolução intestina piorou muito. Mas o Maguito me deu um puxão e cochichou no meu ouvido:

– Se acalma, cagão! Eles fazem isso todo ano, é um MANEQUIM!

Olhei bem e senti que o sangue me voltava às faces. Mas algo continuava indócil mais embaixo. Caramba, eu tinha que correr para um banheiro já!

Com o tal esquife aberto, o velho comandou:

– Agora o momento culminante de nossa festividade. Todos em pé no auditório, vamos nos preparar para fazer um minuto de silêncio em homenagem a todos os valentes militares mortos pela Intentona Comunista de 35.

Eu fiquei impressionado e cochichei pro Maguito:

– Pô, essa Intentona era comunista é? E ela matou uns soldados?

– Comunistona. Irada! Matou  uma porrada de milico, cara. Daqui um pouco eles vão ler a lista, mais de 20, todo ano eles leem.

– Intentona! Que nome. Acho que deve ser apelido. E eu pensando que era amiga do teu coroa, que ele andava de cacho com ela...

– Não, eles falam mal dela pra burro. Era inimiga deles. Acho que chamam de intentona por que devia ser uma baita gordona. Só não lembro como é que ela matou tanto homem sozinha.

– Ora, mano, só pode ter sido uma bomba! Vai ver ela era gente do Bin Laden.

Um olhar severo do avô nos impôs silêncio. E o velho me colocou um calhamaço de folhas na mão:

– Esta ano, nosso jovem visitante aqui vai receber a grande honra de ler a nossa lista de heróis mortos pela Intentona de 35¸ esse bárbaro atentado contra o quartel, levado a efeito pelos comunistas aqui no Rio de Janeiro, naquela trágica noite de 27 de Novembro de 1935. E agora, por favor, todos quietos, chegou nossa hora mais solene: um minuto de silêncio em homenagem aos nossos heróis mortos pela Intentona Comunista de 1935!...

E o silêncio começou. Eu estava pasmo. A tal Intentona não era uma mulher gordona terrorista, era um atentado de uns malucos contra um quartel. Tinham matado uns carinhas e...E tinha sido em mil NOVECENTOS e trinta e cinco! Caramba, mas que idade tinham aqueles matusalens ali, então?!

O pior é que, assim que acabasse o tal minuto de silêncio, eu ia ter que ler um monte de nomes com biografias. E eu estava tremendo. Cara, a coisa na minha barriga estava demais! A pressão aumentando, aumentando, aumentando. Até que de repente, no meio do maior silêncio daquelas dezenas de pessoas, a pressão encontrou o caminho da liberdade. É, foi por lá mesmo, que outro caminho existe?  Eu arregalei os olhos, me apertei todo, mas não deu pra segurar. De repente, saiu um barulhão de canhonaço das minhas entranhas, em revolta contra charutos de repolho e comida árabe com chope:

– Brrrruuummmmmmm!... – em pleno minuto de silêncio.

O Maguito caiu na maior gargalhada, se dobrava de tanto rir. A Silvinha, que tinha voltado e estava bem na fila da frente do auditório, fez a mesma coisa. Os velhos do auditório até que tentaram segurar a gargalhada, era falta de respeito com o manequim no caixão, mas... Também não deu, a gargalhada foi geral. E crescente, cada vez mais alta.

O avô do Maguito ficou vermelho, furioso, apoplético! Parecia que ia ter uma coisa. Nunca um desrespeito tão grande tinha acontecido numa cerimônia solene como essa, em seus mais de 85 anos. O velho passou a mão numa espada velha, dentro da bainha, e veio pra cima de mim, ia me desancar com bainha e tudo.

Mas mal deu dois passos e teve que recuar apavorado. O CHEIRO, camarada! O cheiro ali no meio daquele palco tava um horror. Eu também tava apavorado. Mas muito mais apavorado fiquei quando o tal manequim deu um pulo de dentro do caixão e deitou a correr para o auditório.  A coisa tava braba demais, nem manequim aguentava! Mas aí, quando o manequim sentou e começou a se abanar, conversando com os velhos da frente, é que eu vi que aquilo não era manequim coisa nenhuma, era um daqueles caras mesmo, se fingindo de morto.

A essa altura o Maguito tomou coragem, entrou na nuvem do cogumelo atômico de repolho e me agarrou pelo braço:

– Vamos se mandar, cara, que a coisa vai feder é pro teu lado já, já. A velharada vai te esfolar vivo assim que a tua proteção abaixar. 

Não precisei de outro incentivo, saímos os dois correndo pra frente, ali em algum lugar a gente tinha deixado uma moto. Moto? Onde? E alguém lembrava? Pobre do garçom! O jeito foi sair correndo dali também, que as primeiras cabeças brancas começavam a apontar na porta do clube. Pegamos o primeiro ônibus que passava e nos mandamos. A Salvação!

Bem, só em parte. Depois de uns dois quilômetros eu tive outro acesso de liberdade em estado gasoso e os caras nos botaram pra fora do ônibus a tapa. Desceram junto todos eles, com cara de desespero. Escondidos, a gente viu que, depois de uns dez minutos o motorista, heroicamente, entrou e fez sinal pro pessoal: barra limpa!  Entraram todos e foram embora, maldizendo este seu pobre narrador aqui.

A Silvinha? Tá de gozação comigo cara? Até hoje, toda vez que eu não consigo me esconder dela, ela me olha e cai na maior gargalhada. E logo comenta com quem estiver perto dela. Maior vexame cara! Quem manda ser um ignorante em História  do Brasil?

domingo, 12 de março de 2017

O TELEGRAMA  
MILTON MACIEL    (Miniconto)


Os netos apareceram de repente na casa do avô, em Andradina. Chegaram com o pai e a mãe, logicamente, vindos de São Paulo. Conversa vai, conversa vem, vovô Malaquias disse para o netinho de 10 anos:

– Sabe menino, eu preciso ir até o correio, mas as minhas pernas hoje estão muito mal do reumatismo. Será que você podia ir para mim? É bem pertinho, ali na praça, não dá nem oito quadras.

O neto parou um momento de mexer no celular e perguntou:
– Pra mandar uma carta, vô?
– Não menino, carta é coisa do passado. Demora demais. Seu avô é um homem moderno. É pra mandar um telegrama.
– Um o quê?! Telegrama? O que é isso, vô?
– Ora, mas como? Não me diga que você não sabe o que é um telegrama, menino.
– Nunca ouvi falar dessa coisa, vô.
– Mas que absurdo! O que vocês aprendem na escola hoje em dia? Ora, um telegrama é uma mensagem que é passada através do telégrafo, pelo telegrafista. Ele bate no aparelho dele, o manipulador, e a mensagem chega no mesmo instante lá do outro lado do mundo, onde tem que chegar. Pode ser em Brasília, em Recife, não importa onde. É rapidíssimo. Imagine se o lugar é tão perto como a cidade do seu tio-avô, meu irmão mais velho Otaviano, ali em Sertãozinho.
– Ah, vô, porque o senhor não falou logo. É um e-mail, então.
– Um o que?! Ué, que bicho é esse?
– Ora, vô, uma mensagem instantânea dessas, como o senhor falou. Agora eu entendo. O senhor não tem computador, então quer que eu vá no correio para o homem passar um e-mail de lá. Tudo bem, qual é o endereço de e-mail do tio Otaviano e qual a mensagem?
– O endereço que eu tenho está neste papel, onde eu escrevi a mensagem. Leve lá no correio, que o homem sabe o que fazer.
O menino olhou e viu um endereço de rua e número, sem e-mail. Mas deduziu que, com esses dados, o homem do correio encontrava na hora o endereço de e-mail. A mensagem do avô era pequena e simples:

“Aqui todos saúde pt Quando vc manda dinheiro vg aquele das ovelhas pt  Abraço pt Malaquias”

O menino achou esquisito que o avô, sendo da velha guarda e fazendeiro, fosse do PT. Mas estava repetido três vezes na mensagem. Tinha também o tal de VG, devia ser o partido político do tio Otaviano.
Aí o netinho, muito esperto, quando viu que o avô tinha dado uma nota de vinte reais, resolveu que devia tentar ficar com aquela grana. Era só conseguir o e-mail do tal tio-avô e mandar a mensagem ali mesmo do celular dele. Foi perguntar para a mãe:
– Mãe, você tem o e-mail do seu tio Otaviano, lá de Sertãozinho, irmão do seu pai?
– Ora, Carlinhos, onde se viu seu tio, velho e reacionário daquele jeito, ter computador e e-mail? É claro que ele não tem. Mas eu tenho um e-mail de alguém de lá, já recebi uma mensagem da família de Sertãozinho. Deixa eu ver aqui no meu celular, está arquivada desde o ano passado. Ah, é da sua priminha Ana Luísa, filha do seu tio Aurélio. O Aurélio é filho do tio Otaviano.
– Ela é neta do tio Otaviano, então. Quantos anos ela tem, mãe?
– Acho que tem oito anos agora, filho. Mas o que você quer com o e-mail?
– Preciso mandar uma mensagem que o vô me pediu para mandar. É isso.
Omitiu, convenientemente, que o tratado com o avô seria ir ao correio e pagar para mandar o tal telegrama. A mãe passou-lhe o endereço de e-mail da netinha de tio Otaviano, através de um e-mail do celular dela para o do Carlinhos. O menino exultou: Oba, faturei uma grana! O vô disse que, se sobrasse alguma coisa dos vinte que ele me deu pra pagar o tal telegrama, podia ficar pra mim. Vou ficar com tudo, legal!

E escreveu e mandou o e-mail para sua priminha distante:

Oi, Ana Luísa, aqui é o Carlos Eduardo, neto do vô Malaquias, irmão do seu vô Otaviano. O vô Malaquias precisa que este recado chegue ao irmão dele. Você pode transmitir o recado e me mandar um e-mail com a reposta dele? Obrigado, Carlos Eduardo. Olha a mensagem do vô aí:

“Aqui todos saúde pt Quando vc manda dinheiro vg aquele das ovelhas pt Abraço pt Malaquias”

Menos de quinze minutos depois chegou a resposta da menina:

Oi, Carlos Eduardo, prazer. Já passei na casa do vô Otaviano e dei o recado. Aí vai o meu número, me adicione no WhatsApp, da outra vez que precisar, use isso, é mais rápido que o e-mail: 16-9874-5628. O vô me pediu para esperar, que ele passa daqui a pouco aqui em casa, com a resposta para o seu vô.
Abraços, sua prima.

Carlinhos adicionou a priminha na mesma hora. Meia hora depois o menino recebeu, por WhatsApp de Ana Luísa, a resposta do avô dela, para o avô dele:

Carlos Eduardo, meu avô passou aqui em casa e me disse o seguinte: Pode informar seu primo que eu já mandei a resposta pro Malaquias. Acabo de passar no correio e mandei um telegrama pra ele. Mais umas horinhas e ele recebe em casa o telegrama com a resposta.
Só não entendi porque ele disse, todo feliz, que é o tal telegrama (não sei o que é isso, você sabe?) é ligeirinho.
Abraços, sua prima Ana Luísa.