segunda-feira, 22 de junho de 2015

Ah, O AMOR ! Sarau Lítero-musical

O Escritor MILTON MACIEL lança seu quinto livro de poesias “Ah, O AMOR ! “, apresentando poemas e tocando trechos de músicas ao piano e harmônica, em perfeita interação com cada poesia.  Imagens, vídeos e as letras das músicas permitirão que todos possam cantar juntos e interagir com o programa.

Em JOINVILLE, na BIBLIOTECA ROLF COLIN. Dia 30/06, terça, às 19:30 hs
ENTRADA FRANCA
Programa
HARMONIA – poema (Largo de Xerxes – Handel)
CONTRAPONTO – poema (Concerto Italiano – Bach)
CÂNONE – poema  (Canon – Pachelbel)
ADÁGIO – poema (Sonata ao Luar – Beethoven)

    Vídeos: Ignacio, “Entendez-tu les chiens aboyer?” – Vangelis

Vamos cantar juntos:
RECOMEÇO – poema (De volta ao Começo – Gonzaguinha)
CRIANÇA INTERIOR – poema (Bola de meia, bola de gude  – Milton Nascimento)
SANTO POVO – poema (Dia de Santo Reis - Tim Maia)

Porto Seguro – samba – Milton Maciel
Agora Ela Vai Voltar – samba – Milton Maciel
Negra Velha – toada gaúcha – Milton Maciel

The Sound of Silence – Paul Simon
Scarborough Fair – folclore ingles


Participação especial do escritor Marinaldo de Silva e Silva, que apresentará: “Aula de leitura”- poema ; e “A Vida  e Suas Figuras” – texto.

domingo, 7 de junho de 2015

UM CONTO ERÓTICO “EXPLÍCITO” DEMAIS  
MILTON  MACIEL   

Uma relação mui caliente!

Há meses ele estava de olho nela. Na verdade, desde que aquela gata sensacional havia se mudado para o prédio ao lado. Ela era mesmo demais, capaz de deixar qualquer um enlouquecido. A prova é que ele não era o único a suspirar por aquela musa, os outros caras do pedaço também viviam a fim dela. E como condená-los por isso?  

Ele sacou logo de cara que a concorrência ia ser braba! E viu que ia ter que apelar para algum artifício, porque não podia ter garantia alguma que ela fosse dar bola pra ele, que dirá aquilo ele queria que ela desse!

Aliás, a rigor, ela não dava bola era pra ninguém. Uma esnobe, isso sim. E que esnobe!  Se chegava à janela da frente, ignorava solenemente os caras prontos a se curvar até quebrar a espinha por causa dela. Com ele, então, a coisa era pior.

Isso porque um dia, quando ela passeava sozinha pelo jardim da casa dela, ele havia se aproximado um tanto afoito demais. Sim era preciso reconhecer: faltara-lhe classe e compostura. Chegou muito rápido, sem entabular uma boa conversa, um bom papo de aproximação. Foi só se chegando, se chegando. E aí, de repente, vendo aquela carinha mimosa a poucos centímetros dele, vendo aquele corpo enlouquecedor tão ao seu alcance, não se segurou: avançou demais o sinal, fez uma manobra de aproximação brusca e definitiva. O resultado foi que experimentou a mão dela na sua cara, num tapa que lhe pareceu, psicologicamente, uma verdadeira patada, as unhas dela lanhando o seu rosto descarado.

Depois disso é que a situação ficou muito mais feia pra ele. Se antes o esnobava, agora ela simplesmente virava a cara quando ele aparecia. Era evidente que não gostava dele. Também, ele havia sido imprudente demais!

Dessa forma passou-se mais um par de meses. Ele suspirando por ela, ela nem aí para ele. Verdade seja dita, porém: não estava nem aí para os outros caras também, para os seus concorrentes. Por isso quando, numa certa tarde, ela apareceu no pátio de casa com uma atitude totalmente diferente, ele estranhou demais. Ao invés do ar esnobe ou indiferente de sempre, ela desta vez deitou-lhe uma mirada de derreter iceberg e Titanic ao mesmo tempo.

Ela estava deslumbrante, mais fascinante do que nunca. Movia o corpo perfeito como se dançasse uma música sutil e envolvente, que só ela podia ouvir. Num certo momento ela se deitou no gramado, voltou-se para um lado e para outro, num movimento enlouquecedor. Ah, que coisa do outro mundo aquela gata! Era, sem favor nenhum, a mais linda que ele já tinha visto em toda a sua vida de malandro namorador. Deixava todas as outras no chinelo. A cara, os olhos de mel, a boca, o corpo e o... o rabo , com o perdão da má palavra. Ah, mas só falando assim: aquele rabo o deixava enlouquecido.

Como agora, toda aquela provocação estava lhe dando nos bagos. Tendo certeza que ia levar um novo tapa na cara, ele resolveu arriscar tudo. Nunca fora covarde, ia partir pro tudo ou nada. Pensou: ou dá ou desce. Acreditando que ele ia ter que descer, que ela não dava coisa nenhuma.

Mas ficou estupefato ao ver que ela agora não o repelia. Pelo contrário, parecia que o chamava com olhar e a postura do corpo enlouquecedor. Ele perdeu todos os receios e, com isso, perdeu também todos os modos. Aproximou-se tanto a ponto de tocá-la e abraçá-la de leve. Ela não o repeliu. Parecia gostar. Ali pertinho, ele aspirou o suave aroma que vinha daquele corpo escultural. Estava bem diferente hoje daquele do dia em que levara o doloroso tapa. Era doce, suave, instigante. Afrodisíaco, sem dúvida!

Aquilo deu-lhe nos bagos, e ele perdeu todo o controle. Ainda tentou se segurar, cantando para ela, como para se dar tempo e poder ganhar um mínimo de autocontrole. Ela não pareceu surpresa e, contrário a toda expectativa dele, pareceu ter gostado do seu canto e da sua voz, que ele mesmo achava feia e desafinada, tipo taquaral inteiro rachado. Mas, se a gatinha estava a fim, não era ele que ia perder a oportunidade. Encheu os pulmões e desatou na cantoria mais alta e gritada que já tinha feito na vida. Para ele estava horrível, mas para ela parecia a mais delicada serenata, pois ela se aproximou ainda mais e começou a se esfregar nele, delicadamente.

Ele então sentiu toda a força da sua masculinidade intumescer e a enlaçou por trás. Ela aceitou a abordagem e então os dois explodiram numa cena de sexo intenso e explícito ali mesmo, em plena grama do pátio. Ele não parava de cantar, porque parecia que o seu canto tinha o condão de enfeitiçá-la e de excitá-la. Aproveitou-se da aceitação passiva dela e de repente, assim mesmo como estava, às costas dela, com uma brusca manobra muito bem feita, conseguiu penetrá-la com uma só e certeira estocada. Ela pareceu delirar, revirando os olhinhos de mel e soltando uma série de gemidos entrecortados.

Aquela seria a relação sexual mais perfeita de sua vida, teve convicção naquele momento. Mas houve algo que veio atrapalhar a perfeição’total, embora não chegasse a lhe tirar a sensação de euforia e vitória. Na hora H, quando ele se sentia esvair dentro das entranhas dela, sentiu como uma cachoeira de água fria caindo sobre suas costas. E, ao mesmo tempo, escutou uma voz de mulher aos berros:

– Seu Chico, Seu Chico, acode aqui rápido! O seu gato está pegando a minha gatinha, pobrezinha! Já joguei um balde d’água neles e não adiantou. Seu Chico, corre aqui, pula o muro, pelo amor de Deus. Que horror, como é que eu não vi que a Penélope tinha entrado no cio???

quinta-feira, 28 de maio de 2015



A  SENTINELA DO ONOFRE 
MILTON  MACIEL 

Bueno, esta aconteceu quando correu a notícia que o Onofre tinha morrido. Todo mundo um dia bate com as dez. O Onofre bateu com as duas – as duas guampa no chão! Falseô o pé numa escadita de nada, foi ajudá a pegá um rolo de fumo na pratelera de riba, no bolicho do Clemente, e paft! Lá se veio o índio velho, com todo aquele tamanho e peso e estatelou-se no chão. De cabeça! Diz que fez um barulho de porongo rachando tão forte que assustô os vivente tudo que tava por lá charlando e tomando canha. Mas nunca que ele acordô mais!

Bueno, por estas banda não tem médico, tu sabe, que dirá hospital! Mandaram chamá Siá Balbina, benzedera respeitada, uma tripa coalhera velha de quase cem ano, prá benzê e vê se dava pra salvá o home. Mas Siá Balbina, nem bem botô a mão na testa do Onofre, garantiu, com toda a sua autoridade, maior que a de qualqué dotorzinho da cidade: Tá morto, foi acertá as conta com o Patrão Velho lá de Cima; Pode velá e enterrá!

Entonces levaram o Onofre pra casa mesmo e deitaram o índio velho nuns pelego no meio do galpão. É que do jeito que o home era conhecido e relacionado, ia aparecê miles de gentes pra assuntá a sentinela, tomá umas canha, contá causo, mateá e comê uma boa costela. Nunca que o Onofre ia querê que no seu velório faltasse boa carne, bom chimarrão e muita canha!

Tanta gente veio que a viúva até se animô: mandô o Terêncio buscá a cordeona, o Ademar, o violão, e barbaridade! O vanerão correu solto até de madrugada, em honra do finado, que parecia más regalado que nunca, ali espalhado nos pelego, só ouvindo as vanera, as milonga, as ranchera. E, com certeza, arriscando um olho pra dentro das saia das china dançando, que ele podia enxergá lá do chão. Tu precisava vê a cara de feliz do índio velho. Oigalê, velório animado!

Quando se alembraram que tinha que enterrá o defunto, tão distraído tava todo mundo com o baile e com a charla, que o dia já tinha acabado há muito tempo. E a noite também. Não dava pra segui o enterro, já era mui de madrugada. E, pra maior dos pecado, desabô o maior temporal, horas e horas de chuva da grossa que era um causo mui sério.

Não dá, disseram uns, se abrí cova, enche de água na mesma hora, o finado não havéra de gostá, ia pensá que morreu afogadoNão dá, falaram outros, não se pode enterrá cristão em noite alta, vira boitatá! Não dá, disseram mais outros aindaaliás a maioria, que é pecado pará o baile agora que ta tão bom, o falecido não havéra de gostá.Concordaram todos.

Bueno, entonces seguiram com o baile e, como a toda hora chegava mais gente e as carreta com as guria e as china não pararam de cruzá pela portera a tarde toda, tiveram que tirá o Onofre do meio do galpão, que tava atrapalhando. E também que tava levando muita pisotada de bota e espora, que os índio já tava tudo mui mamado e dançava a  lo loco nomás, a toda hora eles tropicava e pisava em cima do defunto sem querê. Os mais borracho dançavam uns com os otro, crente que bailavam com mulher, achando que o poncho do otro vivente era o vestido da china. Por aí tu vê....

Aí não houve outro jeito, tiveram que jogá o Onofre do lado de fora, na chuva, pra mode ele não atapalhá o salão de baile – o galpão. Acomodaram o índio velho debaixo de uma carreta, no barro mesmo, que não valia a pena sujá os pelego. De manhã, antes de levá pra cova, jogava-se uns dois baldes d’água no bruto e pronto: lá ia s’imbora ele, limpito nomás, pra baixo dos sete palmo, todo feliz e orgulhoso da grandeza do seu velório.

Bueno, pensando bem, por que velório? Pois se não tinha vela nenhuma, nem gentes de rezas por ali, todo mundo mui animado bebendo, comendo e dançando. Tinha era um monte de lampeão a querosese e a única vela que acenderam foi um toquinho pro Negrinho do Pastoreio, pra ele ajudá a achá a pá cavadera boa pra hora de abri a cova, que  tava sumida. E claro que o Negrinho achô!

Mas aí aconteceu uma cosa que acabô com aquela alegria toda da morte do Onofre. Pois não é que o Terêncio, que o que tinha de bom gaitero tinha também de borracho, já tinha mamado uns dois litro de canha? Entonces teve uma hora que ele não aguentô más e desabô, com cordeona e tudo, no chão. Ainda tocô uma última marca deitado ali mesmo, mas depois se apagô. Dormiu que nem com um monte de pontapé nas costela acordava mais. Aí o Ademar largô o violão e foi vê se ainda podia corrê umas china, já que o ruim de sê tocador é que tu só pode ficá vendo os outro apertá as mulher e tu mesmo não pode fazê nada!

Entonces, como já devia sê pra lá de três da madrugada, o pessoal, sem a música pra dançá, acabô se desanimando e as canha foram fazendo mais efeito ainda, porque eles tava tudo de corpo quente e pararam de dançá. Não deu nem meia hora e todo mundo tava dormindo embolado por ali. A única coisa que lembraram foi que a viúva do Onofre deu uns grito com os home antes de dormí, que ela não queria sem-vergonhice na sentinela do marido, mandô os home desafastá das guria e das china. E eles que não se fresqueassem, que o Onofre na certa tava olhando tudo ali de riba. Bueno, deu certo, que os bagual e os maula se aquietaram e foram dormi mais pro canto dos arreio. As mulher se espalhô nos pelego do Onofre e nas carreta adonde vieram.

Entonces o dia amanheceu, mas nada do povo acordá cedo pra tocá o enterro do Onofre, que já devia de tá impaciente pra ir s’imbora pra nova morada lá em cima. Só lá pelas sete, com o sol já meio alto naquele verão, é que a indiada começô a levantá e a corrê pra trás dos tronco das árvore, pra descarrega as bexiga. As mulher, a viúva teve que levá pra perto de casa e elas formaram fila pra usá a casinha, cosa que muitas não aguentaram esperá e entonces se desapertaram por ali mesmo, no meio dos eucalipto.

Aí, é claro, o pessoal tava com fome e com sede, entonces botaram as chalera nas trempe de novo, pro chimarrão, fizeram fogo e já aproveitaram pra assá mais umas costela, que era aquilo o café da manhã naqueles tempo. Quando terminaram de mateá e trinchá os dente nas carne, era bem pra lá de nove e meia. Bueno, era hora de pegá o Onofre e levá pro campo em frente ao potrero, que ali é que iam fazê a cova do bruto. Mas o home tava sujo barbaridade, era um barro só, que nem dava pra vê o rosto debaixo de tanta lama. O bueno é que, ao menos, tinha parado de chovê.

O Aldrovando pegô dois balde grande e foi pro poço, puxá água pra lavá o defunto. Ô, água más fria aquela, tchê! Em pleno verão, parecia gelo. Coitado do Onofre, ia ficá incomodado de levá aquela água gelada pelas fuça. Mas não tinha otro remédio. O Gaudêncio veio ajudá e jogô o primero balde no defunto, depois de puxá ele pelas perna de debaixo da carreta O barro respingô pra tudo que é lado, a barba e a cara do Onofre ficô quase limpa, mas sujô uma barbaridade de gente que tava assuntando a lavação ao redor.

Aí o Aldrovando se achegô e falô: Desculpe, meu padrinho, mas é por boa causa. E jogô o outro balde de água gelada. Pra quê!

Pois nessa hora o Onofre deu um pulo, incomodado com a água fria, pos-se de pé na mesma hora e gritô um monte de palavrão. Cuepucha, que foi só paisano espirrando pra tudo quanto é lado!!!

Uns deitaram a corrê pro potrero, pegaram os cavalo sem arreio, pularam em pelo mesmo e saíram a galope berrando com as montaria, tudo trocada, não importava quem era o dono do cavalo. As mulher que estava por perto nem fugiram. Umas quantas desmaiaram na mesma hora, as outra tão ocupadas estavam em gritá, que não pararam mais de fazê isso, até que o Aldrovando, quase ensurdecido, sacô do revólver e deu seis tiro pro ar.  

Funcionô, que o cagaço foi maior e a mulherada parô de berrá! E os guasca que não tinha fugido ainda, pararam pra olhá o que era o tiroteio. E foi aí que o Aldrovando botô as cosa no lugar:

– Seus burro, suas égua, vancês não vê que o padrinho não morreu?! Que ta vivinho da silva aqui na nossa frente!

– Que eu não MORRÍ?! Mas que barbaridade cabeluda é essa, compadre? Me explica o que faz todo esse povo todo aqui na estância, numa hora dessas da manhã.

Compadre Gaudêncio, feliz da vida, correu a abraçá compadre Onofre e começou a contar o que tinha acontecido. O Onofre mal que acreditava.

– Sim senhor, iam me enterrá vivo, que barbaridade! Então eu dei uma chifrada no chão lá no Clemente, apaguei e vocês já acharam que eu tava morto, seus maula!

– Foi Siá Balbina, padrinho. Foi ela.

Mas nessa hora a gritaria recomeçô, que agora era a viúva que tava chegando, foram contá a novidade pra ela em casa, que ela tava se emperequetando toda pro enterro e tentando lembrá como é que se fazia as choradera e os grito na hora das pá de terra. Quando chegô e viu que o Onofre tava vivo, ela soltô as gritaria da despedida mesmo, que era o que ela tinha ensaiado.Se agarrô no marido e fez um tal berrero que o Onofre perdeu a paciência e deu-le um pisão com toda a força com o tacão da bota, enlameando todo o chinelo novo e amassando o pé da mulher. A viúva, qué dizê, a mulher do Onofre, deu um baita dum grito de dor e parô na mesma hora a ladainha.

– Caturrita! – ainda rosnou o Onofre entre os dentes.

Mas foi aí que ele se deu conta de toda a barbaridade, da cosa más estranha que tinha se passado com ele. E alegrou-se! Mandô acendê os fogo tudo de novo, que o gaitero tocasse (o do violão, nessa hora, tava na casinha), mando buscá más carne pro churrasco e más canha e aí foi o Onofre que mateô, charlô, churrasqueô e dançô o resto da manhã e a tarde intera com as china e com as guria. Tinha que festejá! E como! Pois se estivera a ponto de ser enterrado vivo...

segunda-feira, 18 de maio de 2015

EM  VOCÊ  SUPÕE-SE  
MILTON MACIEL

Em você
supõe-se
a maciez da alma,
o obtemperar do sonho,
o obliterar do nunca,
o imaginar do antes
e o esbater do belo.

E há o enigma dos olhos,
o indecifrável da intenção,
o sorriso de pétala,
as mãos de nuvens
o flutuar de náiade,
o intangível da leveza...
E o desvanecer.

Em mim...
Esta perplexidade!

quarta-feira, 13 de maio de 2015

 NEGRA VELHA  
MILTON  MACIEL

     Porque hoje é TREZE DE MAIO, torno a postar este meu poema regionalista, que me é particularmente caro ao coração. Nele presto tributo a uma figura real, a TIA BELA, uma parteira e ama de leite que trouxe ao mundo e amamentou um grande número de crianças em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, na minha infância – inclusive dois primos meus. A mãe deles, branca racista convicta, de peitos murchos sem leite, abria uma exceção para essa negra notável, dizendo, com a maior desfaçatez: "Ela é negra, mas tem a alma BRANCA". Que horror! 

     E presto homenagem também a todas as inumeráveis gerações de Negras, que, enquanto escravas, por séculos e séculos se doaram em amor, alimentando do seu peito e cuidando do seu coração seus sinhozinhos brancos. Para, no geral, deles receberem, depois, a mais amarga e cruel ingratidão.

NEGRA VELHA 

Paro a lida pra te olhar, negra velha amiga,
Ver como avanças pouco, no teu passo lento,
Despacito nomás, a mão tateando ao vento.
Hay névoa nos teus olhos e muita mágoa antiga.

Teu peito encarquilhado, que pra frente se curva,
Esconde a vida que ele deu pra tanta gurizada...
Pois quanto piá amamentastes nesses seios então fartos,
Filhos de brancas sem leite de quem fizestes partos!
Mas que hoje te esqueceram, na tua pobreza turva,
Porque, qual vaca velha, tu fostes descartada.

Quantos homens de importância trouxestes tu ao mundo
E quantos deles só viveram pelo leite no teu peito?
Quanto piazito faminto foi no teu seio escuro aceito,
Porque ali dentro batia um coração de amor profundo!

Mas hoje chego aqui e te descubro nesta baita solidão:
Tua velhice desamparada e trôpega, cheia de tristeza.
Essa vista turva, esse abandono cruel, essa pobreza...
E de todos os que por ti passaram... nenhuma gratidão!

Vem, negra velha amiga, vem comigo, apóia no meu braço.
Não mamei do teu leite, mas conheço uma a quem salvastes:
Uma que hoje é a mulher da minha vida e a quem amamentastes.
Vem comigo, nobre negra, tu vais viver conosco, dá um abraço! 

Fac simile do decreto original da Lei Áurea - 13 de Maio de 1888:

segunda-feira, 27 de abril de 2015

A PAZ NO SEU AMOR  
MILTON MACIEL

No aconchego macio do seu abraço,
Sob a luz de seus olhos, fiéis amantes,
Se dissolve em ternura meu cansaço,
Sei que amo você mais do que antes.
E eu exulto, vivendo essa benesse
Do amor que comigo amadurece.

Na maciez do seu corpo, que eu enlaço,
Para viver o melhor dos meus instantes,
Eu me abandono e, pedaço por pedaço,
Sorvo a doçura, quadrante por quadrante.
E eu agradeço, numa silenciosa prece,
Por um amor que com o tempo não fenece.

Neste mundo de quereres inconstantes,
Só você ocupa todo o meu espaço.
Só com você os meus sonhos satisfaço,
Pois sei que amo você mais do que antes.
Só você dissolve em mim qualquer estresse,
Meu coração recebe mais do que merece.


sábado, 25 de abril de 2015

NÃO JULGUE ANTES DE SABER 
MILTON MACIEL

– Tire a calcinha e deite !

A voz do homem careca era fria e imperiosa, dominadora. Lucy sabia que tinha que obedecer, não lhe restava qualquer alternativa, não tinha saída.

Viu a cabeça calva afundar entre suas coxas, sentiu o toque das mãos do homem lá, contraiu-se toda, preparou-se para o inevitável. Quando este veio, foi menos desconfortável do que ela esperava. Não opôs qualquer resistência. Com o coração em tumulto, esperou de olhos fechados, tensa, que o homem fizesse tudo o que queria fazer.

Quando enfim ele acabou, Lucy viu a cabeça calva erguer-se com um sorriso de vitória nos lábios.

– Pode relaxar, Dona Lucy. Parabéns, a senhora NÃO está grávida.

Lucy deu um grito, erguendo-se da mesa ginecológica com um único salto estabanado:

– Tem certeza, doutor?! Pelo amor de Deus, me diga que é verdade, eu não estou grávida mesmo?

– Claro que não, Dona Lucy. Acalme-se, se esse era todo o seu problema, ele não existe mais. Esse seu teste de farmácia é fajuto ou a senhora fez a coisa errada.

Como um raio Lucy enfiou a saia, apanhou a bolsa e... E então voltou-se e deu um beijo estalado naquela careca salvadora, fazendo o médico arregalar os olhos estupefato. Na pressa, esqueceu de botar a calcinha.

– Obrigada, doutor. Obrigada, obrigada. Meu anjo salvador!

Correu porta afora, deixou a clínica voando, saltou no automóvel, dirigiu em disparada, o coração mais acelerado que o motor do carro. Só então se deu conta que estava sem calcinha.

“Não estou grávida! Não estou! Não estou! Maldito teste de farmácia! Bem, pelo menos serviu pra mostrar o grande cafajeste que é o Sílvio. Desgraçado, tirou o corpo fora, me deixou na maior fria. Esse nunca mais põe as mãos, que dirá outra coisa, neste corpinho gostoso aqui. Acabou!”

Sim, que situação aquela em que ficara: como explicar uma gravidez para o marido estéril?

Suspirou aliviada. Aliviou também o pé no acelerador, começou a dirigir mais suavemente. Agora, enfim, estava conseguindo se acalmar. Filha da mãe aquele Sílvio, um amante de primeira, mas um homem de última. Covarde! Não quis assumir, deu no pé, queria que ela abortasse, não aceitou a proposta dela de viverem juntos, deixando ela do marido, o chato do Osório.

Agora estava sem um caso. Mas ela se conhecia, sabia que não seria por muito tempo. Como aguentar o panaca do Osório, sem ter um bom amante para ajudar?

Lembrou do Doutor Eurico, seu anjo salvador. Um homem calvo de meia idade, delgado, aparência máscula, voz dominadora... Imaginou aquela careca entrando entre suas coxas, mas de outra maneira muito mais gostosa. Sentiu um frêmito de excitação.

“Meu Deus, estou sem calcinha, não posso molhar minha saia branca! Preciso pensar noutra coisa.”

Pensou no Osório.