quinta-feira, 7 de novembro de 2024

DAS DELÍCIAS DE ESCREVER ROMANCE HISTÓRICO (Ou: O Ovo do Cuco)






MILTON MACIEL     Photo by Roger Culos

O cuco é um diabo de um passarinho esperto. Não faz ninho próprio nem cuida das crias. Bota os ovos, devidamente camuflados, no ninho de outra espécie de pássaro, que vai chocá-lo e alimentar o filhote de cuco. Que sai do ovo antes dos filhotes legítimos e joga os ovos de onde estes nasceriam para afora do ninho, matando-os. Os pais adotivos o alimentam e ele cresce sozinho, fica enorme em 21 dias e se manda, vai viver sua vida.

Pois é, eu me sinto meio cuco quando escrevo romances históricos, coisa que adoro fazer. Primeiro vou para o ninho do pássaro historiador. E é ali que coloco meus ovos de cuco, de ficção. Explico melhor.

O historiador está completamente preso à realidade objetiva dos fatos históricos. Ele conta o que de fato aconteceu. Ou, ao menos, o que a sua pesquisa o leva a concluir, honestamente, que aconteceu. Não pode tomar licença alguma.

Já o romancista histórico chega ao ninho onde o historiador botou seus ovos cinza-chumbo da realidade e começa a entremeá-los com os seus próprios ovos multicoloridos da imaginação e da emoção. É meio-cuco. Se for cuco completo, joga fora do ninho todos os ovos do historiador e os substitui inteiramente por ovos imaginários. Eu prefiro ser meio-cuco. Deixo os ovos fundamentais da história, sem mudar sua posição. Atenho-me a personagens, datas e eventos reais. E, em cima e ao lado deles, coloco os meus.

O historiador escreve em seu livro o que aconteceu. Eu escrevo no meu, sobre o mesmo acontecimento, o que o personagem SENTIU, imaginou, sonhou, sofreu, riu, se emocionou, planejou. Dou-lhe VIDA, transformo-o em um ser real de carne e osso, ele que até então era só um ente histórico, formado de antecedentes, consequentes, datas e números. Uma múmia.

O engraçado, o divertido é que, para tornar meu personagem real, de carne e osso, bem como o leitor aprecia, eu fantasio e uso a imaginação. O personagem real histórico se torna o personagem real humano, na base da fantasia. Não é um paradoxo?

E aí vem o melhor da festa: a gente INVENTA personagens que não existiram e os coloca em ação com os personagens reais. É o máximo para o autor. Quem não lembra o bom Alexandre Dumas?  É claro que precisa haver coerência, muita pesquisa histórica, conhecimento total do que se sabe sobre os personagens e os acontecimentos reais, sua época, seus costumes, suas roupas, cabelos, adereços, maquiagens, sua religião, sua alimentação, suas tecnologias, suas necessidades e seus medos. Os personagens fictícios precisam encaixar-se dentro desse ambiente, desses cenários e desse modelo comportamental.

Mas, feito esse encaixe, a gente tem uma enorme liberdade para criar. Se o historiador descobriu que o rei deitou com a esposa do marquês, ele faz o registro secamente. Já eu entro na alcova real e ... sai de baixo! Ou de cima, conforme o gosto dos personagens. Só o bom senso e, necessariamente, o bom gosto, ditam os limites do que eu posso contar, como testemunha ocular do doce embate que sou.

Em meu romance histórico “O CERCO”, que se passa na Gália romana em 451 DC, o fato central é a batalha dos Campos Catalaúnicos, travada por gauleses, romanos, visigodos, alanos, burgúndios e francos, coligados, contra os hunos e seus aliados, gépides, ostrogodos, hérulos e alamanos. São reais o Imperador Valentiniano III, o general Flávio Aécio, e os reis de todos esses povos combatentes, a começar por Átila, rei dos hunos. É real o resultado final da batalha. Mas o resto...

Curti demais inventando três sacerdotisas celtas e um eunuco ostrogodo, quatro personagens femininas que são as grandes protagonistas desse entrevero do mundo dos machos guerreiros. São elas que salvam os francos e vencem a guerra.

O rei dos francos se apaixona desesperadamente pela sacerdotisa mais jovem. Ele é real. E acontece que a moça também é! Virou rainha dos francos de verdade, Vérica, esposa do rei Meroveu (Merovech, nome original).

Só não era sacerdotisa. Eu a fiz ser. E ela, que era para ser apenas uma personagem auxiliar, acaba virando a grande protagonista da história, tornando-se a figura principal, eclipsando todos os outros personagens masculinos e femininos, mais uma vez confirmando Jorge Amado, que sempre afirmou que é o personagem, não o autor, quem escreve o romance.

É dessa menina de 17 anos, sacerdotisa e guerreira, uma excepcional arqueira, que vai surgir depois, no futuro próximo, como neto seu, Clóvis, o rei dos francos Salianos (atual Bélgica), que vai unificar pela força todas as cinco tribos dos francos e dar origem REAL à nação moderna que se chama FRANÇA. Realidade e fantasia, em íntima mistura, são o cerne do romance histórico. Simples assim.

Mais uma vez o meu preito de gratidão aos historiadores que pesquisaram exaustivamente os fatos e que, desse rei e dessa rainha, conseguiram pouco mais do que comprovar sua existência real histórica, deixando-me livre para reinventá-los da maneira que mais entusiasma os meus leitores. Graças ao rigor dos historiadores, encontro um ninho onde colocar meus ovos de cuco. Gratidão eterna.

sábado, 19 de outubro de 2024

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?

MILTON MACIEL

O PAPEL VITAL QUE O ANTAGONISTA TEM NA FICÇÃO (Escrita Criativa)

Pois é, imagine só a história de Chapeuzinho Vermelho ou a dos Três Porquinhos. Agora faça o seguinte: tire o Lobo Mau.

Resultado: acabou. Não tem mais história. Sobra a chatice da Chapeuzinho Vermelho passeando pela floresta e entregando a cestinha para a vovó. E a chatice dos porquinhos preguiçosos fazendo casinhas de palha ou de madeira. Cadê a emoção?

Existiria o enorme sucesso dos livros e filmes de O Senhor dos Anéis sem Sauron, sem Gollum? Ou os onze milhões de exemplares vendidos, só na noite do lançamento, do sexto e último volume da série Harry Potter sem o bendito Lord Voldemort?

E o que nos garante a imortalidade e reconhecimento internacional do mulato Pedro Arcanjo não é a luta obstinada que ele empreende, publicando livros, contra o preconceito – personificado no intransigente Dr. Nilo Argolo e no delegado Pedrito Gordo?

Faria sentido a figura de Mundinho Falcão se não houvesse Ramiro Bastos? Observe nesses dois personagens de Jorge Amado, em Gabriela, cravo  e canela, como o antagonismo é relativo. O coronel Ramiro Bastos é o status quo, representa o poder dos senhores do cacau, a estabilidade, a conservação. Para ele, Mundinho é o mal, o antagonista, o forasteiro inconveniente e desrespeitoso, que ousa afrontar o sistema político local. Para Raimundo Falcão, Ramiro Bastos é o mal, o antagonista, o chefe da oligarquia retrógrada que impede o progresso de Ilhéus.

Como o conflito é o que move qualquer história, o protagonista necessita desesperadamente de um antagonista para poder realizar sua saga. O antagonista é o verdadeiro motor da história, aquilo que a faz mover-se para a frente. Sem esse movimento, a história morre, o leitor abandona o livro, aborrecido.

Em toda boa história, aquela que prende o leitor ao livro, há pelo menos um problema central que o protagonista tem que resolver, para avançar no seu arco de personagem. Cabe ao antagonista dificultar essa resolução ou ser a origem do problema em si.

Contudo, protagonista não quer dizer vilão. O antagonista é só um opositor, ao passo que o vilão é um mau-caráter, é o mal em si. O médico e professor da Faculdade de Medicina Nilo Argolo é um profissional competente e respeitadíssimo. É seu preconceito racial que o faz um ferrenho antagonista de Pedro Arcanjo. Mas não o faz um vilão.

Já o delgado Pedrito Gordo é um vilão típico, um quase clichê. É violento, sádico e assassino.

Para deixar mais claro: Em Os Miseráveis, de Dumas, o Inspetor Javert é o grande antagonista de Jean Valjean. Mas representa a lei e a ordem, não é um vilão.

Em compensação, o eterno vilão Capitão Gancho é que dá movimento e colorido às histórias de Peter Pan.

Em resumo, nem todo antagonista é um vilão, mas quase todo vilão é um antagonista. Mas por que quase? Porque existem exceções. Um vilão pode ajudar o protagonista, por acaso ou por querer, mas isso não o faz menos vilão. Exemplo: em um dos meus contos a protagonista tem que se entregar aos desejos lúbricos do contador chantagista, que descobriu as falcatruas do pai dela, diretor de banco.

Mas, na hora H, o antagonista não aparece no motel. É que o chefe do tráfico local mandou executá-lo horas antes, por razões que nada têm a ver com a protagonista. Nesse caso, um vilão, que nem sabe que ela existe, acaba sendo solução e não antagonista.

E ainda há outra possibilidade, quando o vilão é o protagonista. Aqui a história é apresentada sob a ótica do homem mau, de uma tal maneira que o leitor acaba torcendo por ele. Isto não é incomum em romances de crime, em que o protagonismo pode ficar por conta de criminosos. Um bom exemplo é o Poderoso Chefão, de Mario Puzzo.

Há não muito tempo tivemos mais um filme de sucesso, tendo o Coringa como protagonista, representado pelo excelente Joachin Phoenix. E você vê os espectadores torcendo pelo vilão, em que pese a escalada de suas violências. Méritos, no caso, de autor, roteirista, ator e diretor. E, convenhamos, dos valores éticos muito pessoais desses espectadores.

OUTROS TIPOS DE ANTAGONISTA

O vilão é apenas um caso especial de antagonista. Há muitos outros antagonistas possíveis, inclusive os não humanos. Exemplos:

- Homem contra natureza

Moby Dick, Tubarão, Os Pássaros, as formigas gigantes, o tsunami, o Krakatoa, o asteroide, o furacão. E por aí vai.

- Homem contra não homem

Os aliens, os marcianos, os zumbis, a múmia, o robô

- Homem contra a sociedade

1984, o Grande Irmão; o Sistema (Jogos Vorazes); a Matriz (Matrix); a República de Gileade (O Conto da aia); a Inquisição; a caça às bruxas;  o racismo; a xenofobia; o machismo; o preconceito sexual.

- Homem contra si mesmo

Este é um antagonismo complicado, embora mais do que familiar, porque todos nós o carregamos conosco internamente. E que é complicado também para o escritor, que tem que mostrar que o protagonista tem em si mesmo o seu pior inimigo; fica mais difícil impedir que o texto derrape num marasmo de lutas psicológicas internas, que roubam momento à trama.

Para dar ímpeto ao enredo e arrancá-lo da sonolência neste caso, o indicado é usar os relacionamentos e o mecanismo psicológico da projeção, de modo que o protagonista tenha que trabalhar seu problema e sua Sombra através de outros – que espelharão, em forma de gente, o que o protagonista tem que enfrentar e superar.

Por exemplo, delegar inconscientemente a qualquer parceiro ou esposa o papel de autoridade e de poder repressivo, deixando-se anular e sofrer por isso. Este pode ser o caminho que o protagonista precisa seguir para conquistar, através de sucessivos conflitos, a confiança em si mesmo, o amor-próprio e a independência.

Seja como for, quando você vai começar a construir seus personagens, sua tendência natural será deter-se no seu protagonista e fazê-lo o mais completo, o mais tridimensional possível. Pois essa é a hora de fazer a mesma coisa com o antagonista. Seja ele um amigo (da onça), o vilão ou o maremoto iminente.

Você precisa valorizar a compreender perfeitamente aquele que vai colocar pedras no caminho do personagem principal, seu protagonista. Tem que saber indicar ao leitor por que raios aquele sujeito vai fazer essa coisas, quais as suas motivações, anseios, medos e necessidades – uma vez que do ponto de vista dele, ele é que está certo e o protagonista é o errado.

Veja o quanto toda construção que Tolkien fez com seus hobbits e heróis dependeu criticamente de um muito bem formulado Sauron, seus servidores, seus anéis e seus orcs, a quem aqueles devem combater e derrotar.

Qualquer SunTzu moderno lhe dirá que é preciso conhecer muito bem o inimigo e suas forças antes de você poder preparar seus exércitos para enfrentá-los. Ora, escrever ficção também é uma forma de Arte da Guerra.

Portanto, de início e bem de início, trate de trabalhar bem, sem preguiça ou superficialidade, na formulação do seu – ou seus – antagonista(s). É, o protagonista pode ter que enfrentar não só o antagonista ético ou o vilão malvado. Ele pode ter que travar uma batalha interna de superação contra seus medos e contra parceiros que personificam esses medos, desencorajando-o e fazendo-o retroceder. E pode ter que fazer tudo isso em meio à seca cruel na caatinga ou às nevascas e avalanches nas montanhas geladas.

Mas, pelo menos, espero, sem batalhões de marcianos ou de mortos-vivos ao mesmo tempo – a menos que você seja um autor muito sádico.

Se você é um planejador ou um plotter, comece estabelecendo cuidadosamente as definições do protagonista e do antagonista lado a lado, ao mesmo tempo. Disponha os dois exércitos em campo muito antes que eles estejam prontos para a batalha. Você sabe onde quer chegar. A vantagem e que você está no controle o tempo todo.

Agora, se você é um intuitivo ou pantser, ponha o exército Brancaleone do protagonista em marcha e veja o que acontece cada vez que um novo inimigo aparece para dar combate. Então você se vira para achar uma solução de emergência e segue em frente até o obstáculo seguinte. Você não sabe onde quer chegar; ou até desconfia, mas não sabe como chegar lá.

E aí pode estar a sua força, porque o seu inconsciente sabe o tempo inteiro onde tudo isso, toda essa marcha desordenada, vai desembocar. A vantagem é que você acaba chegando lá de qualquer jeito e tem a deliciosa surpresa de descobrir, enfim, como sua história termina.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

O GHOSTWRITER E SEU MERCADO DE TRABALHO-2

O Ghostwriter e seu mercado de trabalho-2

MILTON MACIEL – Escritor, editor e ghostwriter bilingue. Editor-chefe da Revista ESCREVER. Coordenador da EIDEL – Escola Internacional do Escritor Lusófono.

No primeiro artigo desta série relatei alguns eventos mais incomuns de minha carreira de ghost writer. Agora quero dar atenção a outros assuntos que interessam diretamente a quem já é e a quem deseja tornar-se esse tipo de ‘fantasminha camarada’.

Em primeiro lugar, vamos estabelecer algumas diferenças e caracterizar o que é um ghost writer exatamente.

O QUE FAZ UM GHOSTWRITER?

O GHOSTWRITER escreve o livro todo para você e você fica com o crédito da autoria. Ponto final.

Um COAUTOR escreve um livro JUNTO com você, o crédito autoral é de AMBOS.

Um EDITOR de desenvolvimento melhora o livro que você JÁ escreveu. O crédito autoral é seu.

Um MENTOR de escrita ajuda você a escrever o livro do início ao fim, oferecendo orientação teórica e prática, aconselhamento e revisões, ajudando-o a tornar-se de fato um escritor profissional. O crédito autoral é todo seu.

Muitas vezes o cliente acha que precisa apenas de um editor de desenvolvimento, quando, na verdade, o que ele precisa é mesmo de um ghostwriter para fazer todo o trabalho inicial. Mais de uma vez, trabalhando para editoras de São Paulo no papel de editor de desenvolvimento autônomo, tive que recomendar a adoção de um ghost writer para REESCREVER TUDO.

 

O que acontecia: a IDEIA do livro era muito boa, tão boa que o sucesso comercial estava garantido. Mas a forma de estruturar e a forma de escrever do autor era um desastre total. E, com isso, ele matava para si e para a editora uma potencial galinha dos ovos de ouro. Nesse caso, trabalhando-se com cuidado o amor-próprio ferido dos autores e adotando-se o ghostwriting, os resultados finais foram sucessos de vendas em suas respectivas categorias.

Outras vezes o cliente acha que precisa de um ghostwriter quando o que lhe é mais conveniente é um mentor de escrita. A gente percebe que o autor está no meio do caminho – nem estrutura da obra, nem escrita são primárias e vale a pena investir na formação do profissional. Por quê? Porque para a casa publicadora todo o investimento que vai ser feito na promoção desse autor e de seu primeiro livro terá um retorno muito maior se ele for capaz de continuar escrevendo novos livros para mesma editora. Aproveita-se o investimento inicial no autor, que não é pequeno.

Cabe à agência de ghostwriting, ou ao profissional individual de ghostwriting, ‘educar’ o cliente potencial e discutir com ele quais suas reais necessidades e o que lhe pode ser proposto como serviços.

TIPOS DE GHOSTWRITERS

Nos parágrafos acima eu me referi a trabalhos com LIVROS e editoras. Contudo não se restringe o campo do ghostwriting somente a livros.

Há um enorme campo na escrita de conteúdo para mídias sociais; para newsletters, blogs e sites; teses acadêmicas, artigos profissionais de negócios, artigos para revistas, assessoria de publicações e discursos para políticos, marketing de conteúdo, infográficos e ebooks-ímãs para e-mail marketing. Podemos fazer a seguinte divisão:

1 – Ghostwriters de memórias e biografias, experientes em contar histórias de pessoas, famílias, empresários, políticos e famosos. Devem ser excelentes nas suas técnicas de entrevista e pesquisa dos históricos abrangentes das personalidades envolvidas, dos períodos históricos, hábitos, costumes e preconceitos de décadas atrás. A pesquisa geográfica também pode ser muito intensa, em função das locações nacionais e estrangeiras dos segmentos das histórias.

2 – Ghostwriters de ficção. São profissionais que escrevem romances e séries dos mais variados gêneros, como policial, mistério, erótica, românticos, históricos, entregando o produto pronto para o cliente simplesmente colocar seu nome como autor. É essencial que sejam muito bons como ficcionistas, conhecendo a fundo as técnicas de escrita e as exigências dos leitores de cada gênero e subgênero que cobrem.

      Em alguns casos faz-se necessária a combinação desses dois primeiros tipos de escritor fantasma em um só. Vou dar um exemplo prático:

No primeiro artigo desta série, fiz referência à obra A GUERRA DE JACQUES, que comecei a escrever como ghostwriter e terminei na qualidade de coautor, a pedido dos clientes, materializando-se o fantasma.

O que tínhamos neste caso, como ponto de partida, era um digesto de 80 páginas que os clientes elaboraram com resumos, em ordem cronológica, dos acontecimentos reais da vida de seus pais durante a 2ª Guerra Mundial. Em cima disso realizamos várias sessões semanais por Zoom, discutindo capítula a capítulo, à medida que eu os escrevia.

Fui contratado para ROMANCEAR esses fatos reais e transformar essa memória ‘mecânica’ num livro de “ficção”, com emoção, suspense e amor. Consegui passar de 400 páginas!

Para você ter uma ideia do trabalho de pesquisa necessário, só de livros de memórias de pilotos sobre batalhas aéreas eu li quatro (e em duas semanas!): dois de pilotos alemães, um de um britânico, outro de um norteamericano. Tive que estudar os tipos de avião usados, Stukas, Messerschmidt BF109G, Spitfires, fortaleza voadora B29 e seus respectivos armamentos, bombas, tripulações e formas de combate. E os saltos de paraquedas, a sobrevivência à queda no mar, o resgate e a troca de pilotos abatidos.

Tudo isso para depois criar só DUAS batalhas aéreas de 9 páginas cada uma, num livro com um total de 408 páginas!

Tive que estudar a dura realidade do trabalho escravo a que eram submetidos os civis dos países invadidos, levados para minas, fábricas e campos agrícolas em outros países. E a ainda mais tétrica realidade dos campos de concentração e extermínio. Tive que ler muito sobre os bombardeios em que mais de 1000 aviões surgiam sobre uma cidade e a reduziam a incêndios, escombros, destruição e mortes de milhares de civis inocentes.

Tive que conhecer por dentro todos os detalhes externos e internos da catedral católica de Bruxelas, onde fiz celebrar um casamento, com direito a órgão e a vitrais fantasmagóricos. E, no final da guerra, bairros de Paris e toda a Rio de Janeiro e São Paulo do final dos anos 40 e início dos 50 do século passado.

E isso tudo é só um pálido resumo do trabalho desenvolvido. Por aí você pode concluir que, com mais do que justa razão, um tipo de ghostwriting assim tão amplo e complexo não pode ter um preço “econômico”.

3 – Ghostwriters técnicos. São experts das mais diversas áreas, desde ensino, ciência, indústria, negócios, TI, marketing. Aqui realmente o profissional tem que ter um perfil afim com o ramo tecnológico que vai cobrir, caso contrário não conseguirá se entender com os clientes, sua linguagem e  sua realidade profissional e técnica. Podem produzir excelentes catálogos, manuais técnicos, instruções de uso

Nesse caso, é cada macaco no seu galho. Eu já citei minha participação, nos EUA, como ghostwriter de textos de ensino de química e de agricultura orgânica. Já no Brasil, meu background técnico levou-me, a ser contratado para escrever um livro de medicina, porém num nível de divulgação científica.

A pesquisa envolvida também foi imensa. E, como ela acaba sendo praticamente toda em inglês, o passo lógico seguinte foi eu verter para o inglês a mesma obra e, sempre como ghostwriter, subi-la na Amazon para o cliente.

Fui sondado para atuar como ghost para livros de negócios. Declinei imediatamente. Não tenho a menor competência e nem a mínima sintonia. Mas tenho um portfólio de colegas dessa especialização para indicar.

4 – Ghostwriters de Mídias Sociais. Ah, esses são ases no desenvolvimento de newsletters, blogs, sites, sabem ocupar Instagrams e Facebooks da vida com matérias que mantêm vivo o interesse dos leitores e a satisfação de seus clientes, cujas personas mercadológicas conseguem incorporar, como bons fantasmas que são. Entendem de SEO e sabem dar voz a uma empresa e a  seus produtos.

5 – Ghostwriters genéricos. Como o adjetivo sugere (e, não, não é depreciativo!), o genérico aqui quer dizer eclético, polivalente, tipo pau pra toda obra, que não são experts em algum campo técnico em especial e por isso podem trabalhar em textos mais gerais, de matérias avulsas para propaganda a ebooks inteiros para email marketing.

(CONTINUA)