sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O FECHAMENTO DE LIVRARIAS - 5a Parte
MILTON MACIEL 

Neste ponto da série sobre fechamento de livrarias, simplesmente insiro o artigo que escrevi e publiquei em agosto passado, por ser absolutamente pertinente e ficar na ordem certa na série. Ele aponta ainda mais dramaticamente para a evolução da leitura digital e antecipa uma solução que vou apontar para o problema do encolhimento do número de livrarias físicas e a sobrevivência do livro de papel, ao final da série.

iGen – A GERAÇÃO INTERNET e o FUTURO DO LIVRO
MILTON MACIEL(*) 
25/8/2018 

Ontem, no Washington Post online, encontrei uma matéria da Hannah Natanson, que me remeteu a um trabalho realmente genial, que eu não conhecia.  No WPost, Hannah publicou “Yes, teens are texting and using social media instead of reading books, researchers say”

A pesquisa referida por ela foi realizada pelos psicólogos Jean Twenge, Gabrielle Martin e Brian Spizberg, da San Diego State University, na California (diferente do francês, Jean, em inglês, é nome feminino!)

Tradução: “Sim, adolescentes estão textando e usando mídias sociais ao invés de lerem livros, pesquisa diz.” 

O neologismo “textando” tem que ser adotado, como tantos na Tecnologia da Informação (TI) para descrever o ato de escrever textos curtos no smartphone ou tablet, usando seus ridículos teclados.

Imediatamente fui à Publishers Weekly da semana (que, aliás, reportava a recente joint venture entre a Rakuten Kobo e o Walmart, para venda de eBooks e eReaders nos EUA) atrás de livros dessa Jean  e, a partir da PW, à Amazon americana, onde comprei (US$ 12.90) no mesmo minuto o eBook genial de Jean Twenge (o título é mesmo enorme!):

“iGen – Why Today´s Super-connected kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy – and Completely Unprepared For Adulthood – and What That Means for the Rest Of Us”

(“IGen – Porque os garotos super conectados de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparados para a vida adulta – e o que isso significa para o resto de nós”).

Li um bom pedaço do livro esta noite. Caiu como uma luva num momento em que eu estava estudando o mercado asiático para eBooks em inglês, que acaba sendo ainda maior e mais promissor que o norteamericano e onde a Amazon não é o maior player. E onde a grande dispositivo de leitura é o smartphone – o único que eu uso para ler livros desde 2010, quando ainda morava nos Estados Unidos.

Afirma Twenge que, em 1970, 60% dos estudantes dos últimos anos de ensino médio (high school) americanos liam ou livro, ou revista ou jornal todos os dias. Hoje, na mesma faixa etária escolar, só 16% fazem isso. 

Mas 92% deles vão ao WhatsApp, Twitter, Facebook e Instagram várias vezes por dia, 80 vezes pelo menos, em média! Eles estão devotando a bagatela de SEIS HORAS por dia à mídia digital, maciçamente através de seus smartphones.

O fascinante trabalho de investigação científica, que envolveu mais de um milhão de adolescentes, aponta claramente para o que eu chamo de o futuro do mercado livreiro no mundo

Em 2013, em Aventura (Miami Dade, FL), escrevi um livro chamado “O Futuro do Livro, do Jornal e da Revista num Mundo Cada Vez mais Digital”. Em 2014, tirei uma pequena edição dele em português, que se esgotou rapidamente. Na capa eu tinha uma foto de uma loja da falida rede de livrarias Border´s em Miami, anunciando o fechamento (Store Closing); e uma foto do milagre de Wenchi, Etiópia, onde um grupo de crianças analfabetas se autoalfabetizou sem professores, somente com o uso de tablets levados a elas pela equipe de Nicholas Negroponte – e sem que os meninos e meninas tivessem qualquer tipo de instrução quanto ao uso. O e-milagre de Wenchi!  

Meus vaticínios audaciosos de então, a favor do e-book, da autoinstrução, da autoplublicação e da trajetória fulminante do smartphone na leitura de livros, revelaram-se muito exatos. Mas vejo      agora que ainda fui um pouco tímido. Meus estudos a respeito do letramento nos países asiáticos e da explosiva evolução do e-mercado de livros no sudeste asiático em geral e na China em particular, me convencem disso hoje.

E o trabalho de Twenge e de seus colegas de San Diego, com a parametrização rigorosa desta nova iGen, completando essa convicção, me deixou apaixonado!

iGen = iGeneration = Internet Generation; é a geração que nasceu com a comercialização da Internet (1995) e cresceu para receber o iPhone e o Kindle em 2007 e o iPad em 2010. Ou seja, são os primeiros adolescentes do mundo a terem disponibilidade permanente de Internet e smartphones o tempo inteiro.

Vou terminar de ler o livro de Twenge e aprofundar mais o assunto com meus leitores em breve. E, aproveitando, vou aplicar esses conceitos ao desafio do letramento e aos rumos que creio serem necessários para que consigamos formar leitores de livros dentro dessa geração hiper conectada. 

Ou a metodologia muda proporcionalmente e nós conseguimos encontrar esses leitores dentro do mundo deles, ou estamos inevitavelmente a caminho da fossilização. Como livreiros, como editores e como autores. Como uso dizer, para horror e desconforto de muitos colegas, nós, "os velhinhos do papel" (todas as gerações nascidas antes dessa i-Gen de 1995 em diante) vamos morrer aos poucos e não vamos ser substituídos pelos jovens e estranhos leitores da IGen como consumidores de  livros de papel. Tão inexorável quanto o destino dos discos de vinil!   

ACRESCENTO AGORA O QUE PUBLIQUEI NA SEMANA SEGUINTE:


Certamente isso pode dar aos meus leitores a ideia que acredito num iminente e dramático fim para o livro de papel. Devo dizer duas coisas:

Sim – eu acho que isso vai acontecer inevitavelmente.
Não – eu não creio que isso seja imediato.

Vamos ter uma fase de acomodação e transição, como aconteceu com o disco bolachão de vinil, que transitou primeiro pelo campo dos Discos Compactos – os CDs – antes de se dissolver na Nuvem.

Uma transição tecnológica acontece agora no campo do livro: o nosso velho bolachão de papel transiciona temporariamente pela fase eBook, esse eBook tal qual o conhecemos hoje, parido ao mundo como um bebê viável em 2007, com o Amazon Kindle, apenas 11 anos atrás!

Creio ter uma clara ideia do que virá a seguir, depois deste CD/Kindle, num futuro muito próximo; mas este ainda não é o assunto de hoje.

Nosso assunto hoje é o presente, não o futuro. E, nesse presente, quero abordar todas as dores de parto que acometem esta nascente fase de transição, durante a qual se consolidarão mudanças dramáticas já em curso no campo do varejo e da distribuição de livros, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.

A consolidação dessas mudanças levará, no meu entender, a uma nova onda de reforço do livro físico e, consequentemente, a uma renovação do campo de varejo, distribuição e edição. Mas essa fase terá que conviver com o crescente avanço do mercado digital, o qual, no meu entender a médio prazo, tomará de novo um enorme impulso com a chegada da iGeneration à condição de consumidora com pleno poder aquisitivo definido.

Temos, portanto, um certo tempo de vida útil a aproveitar, quando podemos ganhar (ou voltar a ganhar) dinheiro com o livro de papel. Coerente com o que creio, mantenho-me como editor de livros de papel, mantendo inclusive uma gráfica para livros de papel.

Ao mesmo tempo, pela mesma razão de coerência, vou colocando todos os meus livros mais comerciais na Amazon do Brasil. E na Amazon, iBooks e Kobo no mercado internacional, nas versões em português, inglês e francês. 

Sou, portanto, um leal e dedicado soldado do livro físico de papel. E um entusiasta do Livro Smartphone, esse ente quase sobrenatural, ainda nos seus primórdios hoje, um bebê que por enquanto ainda mal engatinha.

O leitor de hoje ainda é, predominantemente, um leitor de livro físico. Isso vai se manter por um tempo suficiente para que as consolidações de mercado aconteçam. Muitas redes de varejo vão encolher ou acabar. Mas outras, mais enxutas, com e-commerces ou market places mais eficientes, vão ocupar os espaços disponíveis.

Preocupa-me, nessa refrega, a situação das livrarias de rua, mais vulneráveis à grande onda recessiva que fechou mais de 190 000 lojas de rua de todos os ramos no Brasil inteiro, nestes últimos anos.

Ora, o livro e a leitura são os patinhos feios das terras tupiniquins. Ler é apenas a 10ª opção de lazer do brasileiro médio. Ou seja, se a leitura não é obrigatória (escola), ela ocupa apenas uma fração mínima do interesse dos cidadãos.

De onde já se infere que a grande batalha a ganhar não é a do livro, mas a que vem muito antes dele, a batalha do LETRAMENTO.

CONTINUA



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