QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?
QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?
MILTON MACIEL
O PAPEL VITAL QUE O ANTAGONISTA TEM NA FICÇÃO (Escrita Criativa)
Pois é, imagine só a história de Chapeuzinho Vermelho ou a dos Três Porquinhos. Agora faça o seguinte: tire o Lobo Mau.
Resultado: acabou. Não tem mais história. Sobra a chatice da Chapeuzinho Vermelho passeando pela floresta e entregando a cestinha para a vovó. E a chatice dos porquinhos preguiçosos fazendo casinhas de palha ou de madeira. Cadê a emoção?
Existiria o enorme sucesso dos livros e filmes de O Senhor dos Anéis sem Sauron, sem Gollum? Ou os onze milhões de exemplares vendidos, só na noite do lançamento, do sexto e último volume da série Harry Potter sem o bendito Lord Voldemort?
E o que nos garante a imortalidade e reconhecimento internacional do mulato Pedro Arcanjo não é a luta obstinada que ele empreende, publicando livros, contra o preconceito – personificado no intransigente Dr. Nilo Argolo e no delegado Pedrito Gordo?
Faria sentido a figura de Mundinho Falcão se não houvesse Ramiro Bastos? Observe nesses dois personagens de Jorge Amado, em Gabriela, cravo e canela, como o antagonismo é relativo. O coronel Ramiro Bastos é o status quo, representa o poder dos senhores do cacau, a estabilidade, a conservação. Para ele, Mundinho é o mal, o antagonista, o forasteiro inconveniente e desrespeitoso, que ousa afrontar o sistema político local. Para Raimundo Falcão, Ramiro Bastos é o mal, o antagonista, o chefe da oligarquia retrógrada que impede o progresso de Ilhéus.
Como o conflito é o que move qualquer história, o protagonista necessita desesperadamente de um antagonista para poder realizar sua saga. O antagonista é o verdadeiro motor da história, aquilo que a faz mover-se para a frente. Sem esse movimento, a história morre, o leitor abandona o livro, aborrecido.
Em toda boa história, aquela que prende o leitor ao livro, há pelo menos um problema central que o protagonista tem que resolver, para avançar no seu arco de personagem. Cabe ao antagonista dificultar essa resolução ou ser a origem do problema em si.
Contudo, protagonista não quer dizer vilão. O antagonista é só um opositor, ao passo que o vilão é um mau-caráter, é o mal em si. O médico e professor da Faculdade de Medicina Nilo Argolo é um profissional competente e respeitadíssimo. É seu preconceito racial que o faz um ferrenho antagonista de Pedro Arcanjo. Mas não o faz um vilão.
Já o delgado Pedrito Gordo é um vilão típico, um quase clichê. É violento, sádico e assassino.
Para deixar mais claro: Em Os Miseráveis, de Dumas, o Inspetor Javert é o grande antagonista de Jean Valjean. Mas representa a lei e a ordem, não é um vilão.
Em compensação, o eterno vilão Capitão Gancho é que dá movimento e colorido às histórias de Peter Pan.
Em resumo, nem todo antagonista é um vilão, mas quase todo vilão é um antagonista. Mas por que quase? Porque existem exceções. Um vilão pode ajudar o protagonista, por acaso ou por querer, mas isso não o faz menos vilão. Exemplo: em um dos meus contos a protagonista tem que se entregar aos desejos lúbricos do contador chantagista, que descobriu as falcatruas do pai dela, diretor de banco.
Mas, na hora H, o antagonista não aparece no motel. É que o chefe do tráfico local mandou executá-lo horas antes, por razões que nada têm a ver com a protagonista. Nesse caso, um vilão, que nem sabe que ela existe, acaba sendo solução e não antagonista.
E ainda há outra possibilidade, quando o vilão é o protagonista. Aqui a história é apresentada sob a ótica do homem mau, de uma tal maneira que o leitor acaba torcendo por ele. Isto não é incomum em romances de crime, em que o protagonismo pode ficar por conta de criminosos. Um bom exemplo é o Poderoso Chefão, de Mario Puzzo.
Há não muito tempo tivemos mais um filme de sucesso, tendo o Coringa como protagonista, representado pelo excelente Joachin Phoenix. E você vê os espectadores torcendo pelo vilão, em que pese a escalada de suas violências. Méritos, no caso, de autor, roteirista, ator e diretor. E, convenhamos, dos valores éticos muito pessoais desses espectadores.
OUTROS TIPOS DE ANTAGONISTA
O vilão é apenas um caso especial de antagonista. Há muitos outros antagonistas possíveis, inclusive os não humanos. Exemplos:
- Homem contra natureza
Moby Dick, Tubarão, Os Pássaros, as formigas gigantes, o tsunami, o Krakatoa, o asteroide, o furacão. E por aí vai.
- Homem contra não homem
Os aliens, os marcianos, os zumbis, a múmia, o robô
- Homem contra a sociedade
1984, o Grande Irmão; o Sistema (Jogos Vorazes); a Matriz (Matrix); a República de Gileade (O Conto da aia); a Inquisição; a caça às bruxas; o racismo; a xenofobia; o machismo; o preconceito sexual.
- Homem contra si mesmo
Este é um antagonismo complicado, embora mais do que familiar, porque todos nós o carregamos conosco internamente. E que é complicado também para o escritor, que tem que mostrar que o protagonista tem em si mesmo o seu pior inimigo; fica mais difícil impedir que o texto derrape num marasmo de lutas psicológicas internas, que roubam momento à trama.
Para dar ímpeto ao enredo e arrancá-lo da sonolência neste caso, o indicado é usar os relacionamentos e o mecanismo psicológico da projeção, de modo que o protagonista tenha que trabalhar seu problema e sua Sombra através de outros – que espelharão, em forma de gente, o que o protagonista tem que enfrentar e superar.
Por exemplo, delegar inconscientemente a qualquer parceiro ou esposa o papel de autoridade e de poder repressivo, deixando-se anular e sofrer por isso. Este pode ser o caminho que o protagonista precisa seguir para conquistar, através de sucessivos conflitos, a confiança em si mesmo, o amor-próprio e a independência.
Seja como for, quando você vai começar a construir seus personagens, sua tendência natural será deter-se no seu protagonista e fazê-lo o mais completo, o mais tridimensional possível. Pois essa é a hora de fazer a mesma coisa com o antagonista. Seja ele um amigo (da onça), o vilão ou o maremoto iminente.
Você precisa valorizar a compreender perfeitamente aquele que vai colocar pedras no caminho do personagem principal, seu protagonista. Tem que saber indicar ao leitor por que raios aquele sujeito vai fazer essa coisas, quais as suas motivações, anseios, medos e necessidades – uma vez que do ponto de vista dele, ele é que está certo e o protagonista é o errado.
Veja o quanto toda construção que Tolkien fez com seus hobbits e heróis dependeu criticamente de um muito bem formulado Sauron, seus servidores, seus anéis e seus orcs, a quem aqueles devem combater e derrotar.
Qualquer SunTzu moderno lhe dirá que é preciso conhecer muito bem o inimigo e suas forças antes de você poder preparar seus exércitos para enfrentá-los. Ora, escrever ficção também é uma forma de Arte da Guerra.
Portanto, de início e bem de início, trate de trabalhar bem, sem preguiça ou superficialidade, na formulação do seu – ou seus – antagonista(s). É, o protagonista pode ter que enfrentar não só o antagonista ético ou o vilão malvado. Ele pode ter que travar uma batalha interna de superação contra seus medos e contra parceiros que personificam esses medos, desencorajando-o e fazendo-o retroceder. E pode ter que fazer tudo isso em meio à seca cruel na caatinga ou às nevascas e avalanches nas montanhas geladas.
Mas, pelo menos, espero, sem batalhões de marcianos ou de mortos-vivos ao mesmo tempo – a menos que você seja um autor muito sádico.
Se você é um planejador ou um plotter, comece estabelecendo cuidadosamente as definições do protagonista e do antagonista lado a lado, ao mesmo tempo. Disponha os dois exércitos em campo muito antes que eles estejam prontos para a batalha. Você sabe onde quer chegar. A vantagem e que você está no controle o tempo todo.
Agora, se você é um intuitivo ou pantser, ponha o exército Brancaleone do protagonista em marcha e veja o que acontece cada vez que um novo inimigo aparece para dar combate. Então você se vira para achar uma solução de emergência e segue em frente até o obstáculo seguinte. Você não sabe onde quer chegar; ou até desconfia, mas não sabe como chegar lá.
E aí pode estar a sua força, porque o seu inconsciente sabe o tempo inteiro onde tudo isso, toda essa marcha desordenada, vai desembocar. A vantagem é que você acaba chegando lá de qualquer jeito e tem a deliciosa surpresa de descobrir, enfim, como sua história termina.